Página 27 da Judicial I - Interior SP e MS do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) de 10 de Novembro de 2016

produtores de cana, açúcar e álcool. Não se trata, portanto, de instituição de tributo emnenhuma de suas espécies, mas de obrigação de fazer vinculada à implantação de programa de assistência social aos trabalhadores da agroindústria canavieira, nos termos do artigo 35 da referida lei. Tendo, pois, índole garantista de direito fundamental preconizado pelos artigos e 10 da Constituição Federal, é certa a recepção dos dispositivos dos artigos 35 e 36 da Lei n. 4.870/65 pela Carta Política, mormente porque seu escopo é concretizar, nos casos especificados, o principio da dignidade humana, do direito à saúde, bemcomo a obrigação de prestar assistência social a quemdela necessitar. Na verdade, a obrigação imposta aos produtores de cana, açúcar e álcool, de aplicaremuma porcentagemna receita em benefício dos trabalhadores, deriva do princípio da solidariedade, regra matriz do Sistema de Seguridade Social. A propósito, o artigo 204 da Constituição Federal estabelece que as associações governamentais na área da assistência social serão realizados comorçamento da seguridade social, previsto no artigo 195 da CF, alémde outras fontes de custeio, daí porque os programas destinados à assistência social não se esgotamnas políticas governamentais, impondo umvínculo obrigacional de solidariedade que é concretizado, dentre outras formas, pelos artigos 35 e 36 da Lei n. 4.870/65.Essa recepção, ademais, não se deu unicamente no plano constitucional, mas tambémno infraconstitucional, isso porque a Lei nº 8.212/91 menciona expressamente, emseu artigo 28, parágrafo 9º, as parcelas destinadas à assistência do trabalhador da agroindústria canavieira de que trata o artigo 36 da Lei n. 4.870/65.A natureza de direito social e, portanto, fundamental, não permite a inclusão de qualquer elemento tendente a limitá-lo ou suprimi-lo e, nessa linha intelectiva, pouca ou nenhuma relevância tema circunstância de não mais existir preço oficial para açúcar, cana e álcool, oportunidade emque deverá ser utilizada a alíquota prevista no artigo 36 da Lei 4.870/65 sobre o preço atualmente praticado. De igual modo, eventual extinção do órgão responsável é impassível de afrontar a vigência, observância, efetividade e concretização dos direitos sociais emcomento. Portanto, as ações relativas o Programa de Assistência Social - PAS, previstas pela Lei n. 4.870/65, não se consubstanciamemsimples obrigação tributária, de modo que não estão albergados pela disciplina jurídica do artigo 195 da Constituição Federal, logo, sua essência é de obrigação de fazer, de responsabilidade da agroindústria canavieira, não podendo ser reduzido ao financiamento da seguridade mediante recolhimento de contribuições sociais, já que impõe a consecução concreta daquele programa emfavor de trabalhadores desse segmento econômico. Ressaltada à evidência a natureza fundamental dos direitos previstos nos artigos 35 e 36 da Lei n. 4.870/65, cuja base constitucional é encontrada nos artigos e 10 da Constituição Federal porquanto visa concretizar valores sociais do trabalho, é óbvio que tal direito é acobertado pela cláusula da vedação do retrocesso previsto nos artigos 34, VII, b e 60, 4º, IV, daí porque uma vez conquistado determinado direito de índole fundamental não é possível sua supressão. Trilhando esse caminhar, o mecanismo de segurança jurídica pelo qual a lei não prejudicará direito adquirido (artigo 5o, XXXVI, da Constituição Federal), eminterpretação sistemática comas normas constitucionais acima elencadas, impõe o afastamento da vigência do preconizado no artigo 42, inc. IV, da Lei nº 12.865/2013, porquanto é flagrante sua incompatibilidade vertical coma Constituição Federal, não havendo campo fértil à declaração de superveniente perda parcial do interesse processual. Definida a procedência dos pedidos iniciais, cumpre delinear a extensão financeira da responsabilidade da requerida. Emrelação à obrigação de pagamento da quantia referida na alínea b do artigo 36 da Lei n.º 4.870/1965, adoto o montante constatado pelo Laudo Pericial Contábil (fl. fls. 705/738) na quantia de R$3.448.515,30 (três milhões, quatrocentos e quarenta e oito mil quinhentos e quinze reais e trinta centavos), valor atualizado para 10/12/2015, posto que confirmou exatamente os valores que haviamsido apurados pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE.A propósito, os equívocos nos cálculos, suscitados pela ré, não se sustentam. Primeiro, porque no curso da instrução, a ré foi instada a apresentar os documentos necessários para a realização da perícia e não o fez (fls. 666 e verso e 669/683). Segundo, porque o único argumento que embasa sua alegação é o fato de teremsido elaborados a partir de uma "simples planilha de excel", circunstância que, por si só, não evidencia qualquer vício. Nesse particular, nemo parecer técnico contábil juntado pela ré, nemaquele que apresentou às fls. 759/769 indicamqualquer inconsistência no cálculo da contribuição da alínea b do artigo 36 da Lei do PAS. Ao contrário, ambos afirmaramque os cálculos estavamequivocados porque baseados em"simples Planilhas de excel". Finalmente, registre-se que os dados para apuração dos valores devidos foram fornecidos ao Ministério do Trabalho e Emprego - TEM pela própria ré (fls. 12 e 47 do inquérito civil).Da mesma forma, a alegação de suposta quitação dos valores devidos tambémnão socorrema ré. Isto porque não se desincumbiu do ônus que lhe cabia de alegar, em contestação, toda a matéria de defesa. Não pode fazê-lo, portanto, a destempo. Como não se trata de direito superveniente nemde questão cognoscível de ofício, não é lícito à ré, alegá-la após a instrução. Ademais, os documentos que comprovariamo suposto adimplemento da obrigação tambémsó foramjuntados agora, e as declarações de quitação (fls. 807/810), por não mencionaremos valores pagos, tambémnão se prestama tal finalidade. Frise-se que o interesse que se busca tutelar nestes autos é coletivo - titularizado pelos trabalhadores do setor sucroalcooleiro. Logo, meras declarações firmadas por quemtemapenas a incumbência de executar o PAS não têm o condão de liberar a empresa-ré de suas obrigações.Igualmente, os comprovantes de transferências bancárias de fls. 771/778, 780/787, 789/800 e 802/806 não podemser aceitos. A uma porque o direito de apresentá-los já precluiu. A duas porque o valor devido é de R$3.448.515,27 (três milhões, quatrocentos e quarenta e oito mil, quinhentos e quinze reais e vinte e sete centavos), enquanto que a soma dos valores mencionados emtodos os comprovantes apresentados pela ré atinge apenas o montante R$3.012.284,46 (três milhões, doze mil, duzentos e oitenta e quatro reais e quarenta e seis centavos). Alémdisso, os de fls. 771/778, 780/787 referem-se a transferências bancárias realizadas pela empresa Cosan Alimentos S/A, os de fls. 789/800 referem-se a transferências bancárias realizadas pela empresa Agroterenas S/A - CANA, e os de fls. 802/806 referem-se a transferências bancárias realizadas pela empresa Nova América S/A -Agrícola, pessoas jurídicas diversas da ré. Comefeito, não consta dos autos que a ré Raizen Tarumã Ltda. tenha tido qualquer dessas denominações antes da propositura desta demanda. Logo tais documentos não podemser aceitos como comprovantes de quitação dos débitos imputados à empresa demandada.3. DISPOSITIVODiante do exposto, confirmo a decisão antecipatória de tutela de fls. 19/23 no quanto não contrarie esta sentença e, comfundamento no artigo 487, inciso II do Novo Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial. Por decorrência, condeno a requerida RAÍZEN TARUMÃ LTDA: (3.1) ao pagamento da quantia referida na alínea b do artigo 36 da Lei n.º 4.870/1965, emrelação ao período anterior à edição da Lei n.º 12.865/2013, na quantia de R$ 1.635.185,04 (ummilhão, seiscentos e trinta e cinco mil, cento e oitenta e cinco reais e quatro centavos), devida a título de PAS na safra 2010/2011 pela unidade de Maracaí, e da quantia de R$ 1.813.330,26 (ummilhão, oitocentos e treze mil, trezentos e trinta reais e vinte e seis centavos), devida a a título de PAS na safra 2010/2011 pela unidade de Tarumã, conforme apurado no laudo pericial de fls. 705/738, valor calculado em 10/12/2015, devidamente atualizado até o seu efetivo desembolso,

Figura representando 3 páginas da internet, com a principal contendo o logo do Jusbrasil

Crie uma conta para visualizar informações de diários oficiais

Criar conta

Já tem conta? Entrar