Página 2084 da Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I do Diário de Justiça do Estado de São Paulo (DJSP) de 10 de Dezembro de 2018

de deficiência física que viessem a conduzir os veículos, inegavelmente esta norma deveria ser interpretada de maneira mais abrangente, de forma a incluir os outros deficientes que não tivessem condições de conduzir automóvel. A propósito, a Lei Federal n.º 10.690/2003 não restringia o benefício apenas aos portadores de deficiência, mas o estendia aos seus representantes legais, conforme o seu inciso IV do art. 1.º. Afinal, a finalidade do benefício fiscal sempre foi promover a inclusão social da pessoa com deficiência, garantindo-lhe a sua dignidade, cidadania e liberdade de ir e vir. Ademais, o artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional, não poderia ser interpretado de forma literal, mas de maneira sistemática em face dos princípios constitucionais tributários. Implicava essa interpretação em garantir a isonomia das pessoas com deficiência ao benefício fiscal, não se limitando à pessoa com deficiência física. Logo, caso se mantivesse, naquelas ocasiões, o entendimento defendido pela impetrada, acabar-se-ia por criar duas espécies de deficientes: aqueles que possuíam condições de dirigir e aqueles que não as possuíam. Os primeiros seriam beneficiados com isenções e facilidades para aquisição de um automóvel, atendendo assim plenamente as políticas públicas de inclusão da pessoa com deficiência, como, aliás, bem delineado no art. 24, inciso XIV, 227, § 1.º, inciso II, da Constituição Federal. Já a segunda categoria não mereceria igual tratamento, padeceria de discriminação por parte do legislador e ficaria a mercê das políticas públicas de acessibilidade e locomoção. De mais a mais, muitas vezes esses deficientes incapacitados de conduzir automóveis eram os que necessitavam de maior locomoção e de especial atenção, dependendo, em boa parte, do apoio de terceiros. O entendimento perfilhado por este Juízo encontrava respaldo na jurisprudência do E. Tribunal de Justiça de São Paulo: “ICMS - DEFICIENTE FÍSICO - AQUISIÇÃO DE VEÍCULO - IMPEDIMENTO DE DIRIGIR - PRINCÍPIO DA IGUALDADE - POSSIBILIDADE. O deficiente físico impedido de dirigir, pode adquirir veículo para seu uso exclusivo, dirigido por pessoa habilitada, ante o contexto do princípio da igualdade e a previsão da integração social decorrente do art. 227, § 1º, II da CF. Recurso negado. (Apel. c/ Rev. nº 760.193.5/0- 00, 1ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Danilo Panizza, j. 23/6/2009). APELAÇÃO - Mandado de Segurança ICMS Isenção - Aquisição de veículo comum destinado ao transporte de deficiente físico visual (cegueira bilateral) Admissibilidade Ordem concedida - Apelação e reexame necessário desprovidos. Interpretação teleológica e sistemática das normas que isentam tributos em favor de deficientes físicos, amarrada ao princípio constitucional maior da isonomia, justifica a isenção de ICM na aquisição de veículo comum destinado ao transporte de deficiente físico visual (cegueira bilateral), nada obstante ele não tenha habilitação nem condições para ser condutor de veículo automotor adaptado. (Apel. nº 001XXXX-68.2010.8.26.0482, 1ª Câmara de Direito Público, rel. Des. Vicente de Abreu Amadei, j. 9/8/2011)”. Em igual sentido era a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça: 1. A ratio legis do benefício fiscal conferido aos deficientes físicos indica que indeferir requerimento formulado com o fim de adquirir um veículo para que outrem o dirija, à míngua de condições de adaptá-lo, afronta ao fim colimado pelo legislador ao aprovar a norma visando facilitar a locomoção de pessoa portadora de deficiência física, possibilitando-lhe a aquisição de veículo para seu uso, independentemente do pagamento de IPI. Consectariamente, revela-se inaceitável privar a Recorrente de um benefício legal que coadjuva às suas razões finais a motivos humanitários, posto de sabença que os deficientes físicos enfrentam inúmeras dificuldades, tais como o preconceito, a discriminação, a comiseração exagerada, acesso ao mercado de trabalho, os obstáculos físicos, constatações que conduziram à consagração das denominadas ações afirmativas como essa que pretende empreender. 2. Consectário de um país que ostenta uma Carta Constitucional cujo preâmbulo promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, promessas alcançadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, é a de que não se pode admitir sejam os direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência, relegados a um plano diverso daquele que se coloca na eminência das mais belas garantias constitucionais. 3. Essa investida legislativa no âmbito das desigualdades físicas corporifica um das mais expressivas técnicas consubstanciadoras das denominadas “ações afirmativas”. 4.. Como de sabença, as ações afirmativas, fecundas em princípios legitimadores dos interesses humanos, reabre o diálogo pós-positivista entre o direito e a ética, tornando efetivos os princípios constitucionais da isonomia e da proteção da dignidade da pessoa humana, cânones que remontam às mais antigas declarações Universais dos Direitos do Homem. Enfim, é a proteção da própria humanidade, centro que hoje ilumina o universo jurídico, após a tão decantada e aplaudida mudança de paradigma do sistema jurídico, que abandonou a igualização dos direitos e optou, axiologicamente, pela busca da justiça e pela pessoalização das situações consagradas na ordem jurídica. 5. Deveras, negar à pessoa portadora de deficiência física a política fiscal que consubstancia verdadeira positive ation significa legitimar violenta afronta aos princípios da isonomia e da defesa da dignidade da pessoa humana. 6. O Estado soberano assegura por si ou por seus delegatórios cumprir o postulado de acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência. 7. Incumbe à legislação ordinária proporcionar meios que atenuem a natural carência de oportunidades dos deficientes físicos. 8. In casu, prepondera o princípio da proteção aos deficientes, ante os desfavores sociais de que tais pessoas são vítimas. À fortinori, a problemática da integração social dos deficientes deve ser examinada prioritariamente, máxime porque os interesses sociais mais relevantes devem prevalecer sobre os interesses econômicos menos significantes. (...) 11. Deveras, o ordenamento jurídico, principalmente na era do pós-positivismo, assenta como técnica de aplicação do direito à luz do contexto social que: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. (art. , LICC). (REsp. nº 523.971/MG, relator o Ministro FRANCIULLI NETTO, j. em 26.2.2004). Entretanto, com o advento da Lei Estadual n.º 16.498/2017, a Lei Estadual n.º 13.296/2008 passou a vigorar com a seguinte redação: Artigo 13- É isenta do IPVA a propriedade: (...) III de um único veículo, de propriedade de pessoas com deficiência física, mental severa ou profunda, ou autista. (destaquei) Logo, verifica-se que, hodiernamente, a discussão acimada não mais subsiste, uma vez que o legislador paulista acabou por estender a norma isencional aos demais deficientes, bem como possibilitou, ao substituir a expressão “para ser conduzido por pessoa com deficiência” por “de propriedade da pessoa com deficiência (...)”, a concessão do benefício ao portador de deficiência não condutor. Nesse sentido, a atual jurisprudência do E. Tribunal de Justiça de São Paulo: REEXAME NECESSÁRIO. Mandado de segurança. Impetrante portador de deficiência visual. Moléstia inviabilizadora da possibilidade de condução de veículo automotor. Pretensão de reconhecimento do direito a isenção de IPVA para veículo a ser conduzido por terceiros. Admissibilidade. Recente alteração da Lei nº 13.296/2008 pela Lei 16.498/2017. Direito que já era concedido em observância aos valores básicos da igualdade de tratamento, oportunidade e a proteção à dignidade da pessoa humana, opções já realizadas pelo legislador. Manutenção da r. sentença concessiva da segurança. Recurso oficial não provido. (TJSP; Remessa Necessária 101XXXX-23.2017.8.26.0309; Relator (a): Oswaldo Luiz Palu; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Público; Foro de Jundiaí - Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 23/07/2018; Data de Registro: 23/07/2018). Mandado de segurança. Pretensão tendente a obter isenção de IPVA. Adquirente de veículo automotor que, conquanto acometida de deficiência, não é condutora. Irrelevância. Proibição de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente. Inteligência do artigo 150, II, da Constituição da República. Observância, ainda, ao artigo 3º, I, da Lei Estadual 16.498/2017. Remessa necessária improvida, portanto. (TJSP; Remessa Necessária 102XXXX-44.2017.8.26.0114; Relator (a): Encinas Manfré; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro de Campinas - 1ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 10/04/2018; Data de Registro: 11/04/2018). Destarte, a negativa de concessão do benefício pela autoridade impetrada se revela ato ilegal, restando demonstrado, pelos motivos até aqui exibidos, o direito líquido e certo do impetrante. Diante do exposto e de tudo o mais que dos autos consta JULGO PROCEDENTE PARA CONCEDER A

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