Página 820 do Diário de Justiça do Estado de Rondônia (DJRO) de 10 de Dezembro de 2018

violenta de paciente assistido, e não ter verificado pessoalmente o óbito.Passa-se, pois, doravante, a perquirir a eventual legitimidade dos motivos supostamente alegados pelo médico, ora vítima, na tentativa de se escusar do cumprimento do encargo que lhe fora atribuído pelo delgado de polícia, ora acusado.Ao propósito da realização de perícia cadavérica, o art. 162 do Código de Processo Penal estabelece:Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto.Parágrafo único. Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma circunstância relevante.De acordo com o DISPOSITIVO legal acima transcrito, como inexistia, naquela ocasião, infração penal a apurar, tal o que se pôde depreender do acervo que veio a estes autos, bastava à vitima, em principio, o simples exame externo do cadáver, sem a necessidade de se proceder à abertura das cavidades corporais do cadáver, o que seria apenas facultado ao perito, conforme esclareceu em juízo médico legista Dr. Bruno Brasil, ouvido na condição de testemunha. Assim é salvo de, naquela ocasião, tivesse vislumbrado, o médico nomeado, que apenas a invasão do cadáver, mediante acesso às suas cavidades, pudesse esclarecer de onde teria brotado a causa mortis.Neste particular esclarecedor é o depoimento do Dr. Ricardo Braz das Neves Rocha, médico que atua nesta cidade, e que também realiza perícias dessa natureza, segundo quem a realização de exame tanatoscópico é procedimento simples, via de regra, que pode ser conduzido por médico de formação generalista, sem a necessidade de especialização em medicina legal, e que, na ausência de médico legista, é realizado, também, por médicos plantonistas do nosocômio municipal.Os referidos depoimentos são ainda corroborados pela literatura especializada, que ensina:“A necrópsia nos casos de morte violeta é obrigatória por força de lei; todavia, fica a critério do peritus, diante de uma morte violenta, quando não houver infração penal que apurar, ou se as lesões externas permitirem precisar as causae mortis e não houver necessidade de exame visceral para a verificação de alguma causa relevante, fazer o exame interno do de cujus, conforme se depreende da leitura do parágrafo único do art. 162 do Código de Processo Penal.” (CROCE; Delton. Manual de Medicina Legal. 8 ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 34).Ora, no caso em exame, finda a instrução criminal, quedou-se apurado que o exame pericial requisitado pelo acusado à vítima era perfeitamente compatível com qualificação profissional da vítima, médico generalista de plantão, tratando-se, ainda, pelo que se colheu nos autos, de procedimento de baixa complexidade - possivelmente logrado com o exame externo do cadáver -, e nenhuma outra razão invocou a vítima, a fim de justificar sua suposta recusa, vez que não há provas, pela acusação, de que precisaria abrir as cavidades corporais do cadáver; e de morte violenta de paciente seu, ou mesmo de ente querido, não se cuidava.Sintomático, a esse propósito, o fato de que, embora tenha alegado incapacidade técnica para proceder ao exame, a vítima tenha declinado, no laudo tanatoscópico de fls. 320/322, as causas da morte: infrato agudo do miocárdio, parada cardiorrespiratória e falência múltipla dos órgãos. Não bastasse, embora as testemunhas ouvidas em juízo tenham relatado que, por ocasião do exame pericial, a vítima tenha suportado tremores, palidez, suor e abalo psicológico, revelador é o depoimento da testemunha Wesley Henrique Menezes Longoni, técnico de enfermagem, segundo quem, apesar de a vítima ser um bom médico, “não aguenta ver sangue,” pois “quando vê, passa mal” [Sic]. Ademais, ainda que tenham sido observados aqueles efeitos psocológicos na vítima, apos o fato, a circunstância não trazia a si ausência de capacidade técnica para desempenhar a atividade requisitada. De resto, não houve quaisquer testemunhas que tenham presenciado qualquer fato ou instante de

constrangimento do réu à vítima, com ameaças ou punições diversas, a fim de faze-la realizar o referido exame pericial; há apenas declarações de colegas de trabalho da vítima, que teriam dela ouvido o relato, no dia do fato, de que o delegado, ora acusado, a conduziria à delegacia de polícia, caso se recusasse a proceder ao exame tanatoscópico.Veja-se, ainda, que a própria vítima, ouvida em juízo, negou ter sido efetivamente constrangida, ameaçada, ou mesmo pressionada pelo acusado a fim de que se desincumbisse de seu encargo de perito, o que, não bastasse as demais provas, já fragiliza, por si só, a acusação. Disse ela que fora tranquila a conversa que teve com o réu por ocasião do fato, e ainda esclareceu que simplesmente sofrera um ataque de pânico naquele instante, pois nunca havia realizado uma perícia cadavérica, já que se encontrava diante de uma situação inteiramente nova, fora de sua rotina profissional, e que entendia ser-lhe adversa.A vítima disse ainda que, de fato, o acusado lhe informara que diante de sua eventual recusa em funcionar como perito, precisaria conduzi-la à delegacia de polícia, mas esclareceu que não se sentira pressionada com essa fala, e que hoje entende ser perfeitamente legítima a conduta do acusado. E, naquele contexto, tal afirmação do delegado de políocia não induzia, por si só, abuso de poder ou autoridade, senão, antes, oportuno esclarecimento. Interrogado em juízo, o réu negou peremptoriamente a prática delitiva, afirmando ter agido conforme a legislação em vigor, que, diz ele, ter explicado à vítima por ocasião da requisição do exame pericial. Disse ainda o réu que a vítima lhe confidenciou que tinha o receio de proceder ao exame pericial, em razão de um suposto episódio em que um colega seu, também médico, teria respondido a um processo em razão de declarações constantes de um laudo pericial de uma tal natureza.Por fim, o acusado disse ter se sentido surpreso com a abertura do correspondente procedimento investigativo criminal, porquanto imaginara que a vítima havia compreendido a natureza de seu encargo, e agido de pleno acordo com sua requisição. O acusado disse ainda que, posteriormente, tomou conhecimento de que, no dia do fato, logo após o procedimento, a vítima abandonou o seu plantão, e que, no seu sentir, a vítima poderia ter relatado o suposto abuso de autoridade com o exclusivo propósito de se eximir das responsabilidades administrativas correspondentes ao abandono de seu plantão médico.Desta feita, não há provas, sequer indícios, de que o acusado tenha, de fato, abusado de sua autoridade em relação à vítima e àquele ato/conduta. A requisição da prova pericial fora legítima, e a vítima não declinou motivos quaisquer idôneos a justificar sua eventual recusa. Tampouco o provou a acusação.É dizer: a conduta do acusado foi lícita, e, portanto, constitui-se fato penalmente atípico. Impõe-se-lhe a absolvição, quanto à imputação da conduta descrita no tipo do art. , j, da Lei 4.898/65.Eis o que ora se decreta.III DISPOSITIVO.Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão punitiva estatal exarada na denúncia, e ABSOLVO o réu GIULIANO RICARDO LOPES, já qualificado nos autos, da imputação que lhe fora feita na inicial acusatória, na forma do art. 386 III do Código de Processo Penal.Após certificado o trânsito em julgado da SENTENÇA absolutória, proceda-se às baixas de estilo e às comunicações pertinentes, arquivando-se, em seguida, os autos.Sem custas.Publique-se, registre-se, intime-se e cumpra-se.Cerejeiras-RO, quinta-feira, 29 de novembro de 2018. Bruno Magalhães Ribeiro dos Santos Juiz de Direito

Carlos Vidal de Brito

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