Página 1320 do Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF) de 8 de Abril de 2019

em área registrada em nome de particular, ou seja, não é bem fora de comércio, como o bem público, contra o qual pesa a proibição constitucional de submissão à usucapião. Em que pese a informacao do Distrito Federal, atribuindo a propriedade do bem a município, o registro do imóvel indica situação diversa, ou seja, a propriedade pelo espólio que reside no polo passivo desta relação processual. A rigor, o registro do imóvel encontrase irregular, posto que o Cartório que seria competente para o seu registro revelou-se espantosa e inteiramente inepto para identificar o registro atual da área, conforme ID 14614710 ? pag. 31 a 14614713 ? pag. 9, o que importa na consideração de que, para todos os efeitos, remanesce a informação contida nos cartórios de Planaltina/GO. O fato de o parcelamento da área maior onde estão encravados os imóveis sob discussão ter se dado de forma criminosa (donde resulta a ausência de matrícula específica da gleba reclamada por cada autor) não gera impedimento à aquisição por usucapião, eis que o vício na constituição do condomínio, causado pelo responsável pelo parcelamento criminoso, não vulnera o direito de propriedade dos adquirentes. Discordar do que se está afirmando equivale a propiciar benefício exatamente ao agente criminoso, pela perspectiva de se privar os adquirentes de qualquer tutela jurídica, descortinando-se ao parcelador criminoso condições de possibilidade, ainda que em tese, de reivindicar os bens que vendeu, posto que, inobstante não mais sob seu domínio, integrariam ainda o seu patrimônio jurídico, como propriedade (e aqui vale recordar a útil distinção entre domínio e propriedade, bem apresentada por Pontes de Miranda, em seu clássico Tratado de Direito Privado). A eventual desconformidade urbanística ocorrida no adensamento urbano na região onde está situado o imóvel não é fato impeditivo do direito de propriedade, posto que direito de propriedade e uso conforme da propriedade são coisas bem distintas. A alocação do instituto no capítulo ?Da aquisição da propriedade imóvel? do Código Civil denota a adesão, pela lei brasileira, da tese segundo a qual a usucapião é forma originária de aquisição de propriedade (e não forma de perda ou de aquisição derivada). A qualificação da usucapião como modo originário, e não derivado, de aquisição de propriedade gera consequências exatamente para casos com o presente, ou seja, de imóveis sem registro formal da propriedade, como bem observa a mais abalizada doutrina: ?Saber se a usucapião representa uma modalidade de aquisição originária ou derivada reveste-se de importância prática, possibilitando usucapir imóvel jamais registrado no registro de imóveis ou porção menor de área maior registrada? (MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Legitimação de posse dos imóveis urbanos e o direito à moradia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 88). Em suma, atendidos que foram todos os requisitos objetivos, afigura-se inarredável a conclusão de que a usucapião ocorreu, efetivamente, no caso sob enfoque, o que atrai o irresistível direito da parte autora em obter a declaração judicial respectiva. A indagação mais crucial no presente caso não diz respeito ao reconhecimento da usucapião, que parece indubitável, mas à sua principal consequência, ou seja, os reflexos desta declaração sobre o registro formal da propriedade que ora é reconhecida. É bem verdade que há um princípio de obrigatoriedade do registro imobiliário que opera como condição para a aquisição derivada, ou seja, para a da propriedade imobiliária, consagrado transmissão no art. 1.245 do Código Civil. Tal norma pode ser também aplicada à aquisição originária, ou seja, a usucapião gera, o direito ao registro imobiliário, de modo a garantir a como efeito secundário publicidade e segurança do domínio assim instituído. Reiterese: o registro da propriedade é efeito secundário da declaração de propriedade, e não requisito para a sua configuração. Tanto é assim que o art. 1.241 do Código Civil define, como finalidade da ação judicial de usucapião, a mera da aquisição da propriedade, ressalvando, em seu declaração parágrafo único, que ?a declaração obtida na forma deste artigo constituirá título hábil para o registro no Cartório de Registro de Imóveis?. Ou seja, a sentença constitui título que embasa o registro da propriedade, mas o aperfeiçoamento de tal registro deverá observar outros requisitos objetivos, como adiante se exporá. No mesmo sentido caminha o art. 941 do Código de Processo Civil de 73, ou seja, delimita-se ali, como objeto da ação de usucapião, a mera declaração da propriedade, ao passo que o art. 945 do mesmo estatuto deixa claro que a transcrição registral da sentença de declaração da usucapião é efeito da mesma sentença, mas que tal efeito subordina-se à satisfação das ?obrigações fiscais?. Embora a expressão ?obrigações fiscais? costume ser vista como mera sujeição tributária, o tema merece maior reflexão. A limitação deste item normativo ao aspecto tributário seria de parca utilidade prática, na medida em que, diversamente da aquisição derivada, a aquisição originária da propriedade imobiliária não é, em geral, fato gerador de tributos, ao menos em boa parte dos estados da Federação. Por ?obrigações fiscais? deve-se entender toda obrigação perante o Poder Público, ou seja, o proprietário que pretende realizar o registro público de transmissão ou aquisição originária da propriedade submete-se não apenas à obrigação de recolher os tributos pertinentes ao fato gerador, mas também às demais normas atinentes ao ato registrário. É que a formalização do registro não é ato incondicionado; ao revés, subordina-se a uma extensa série de exigências normativas e materiais (v.g., a apresentação do título pelo interessado perante o tabelião, o pagamento de emolumentos etc.), que não são automaticamente supridas pela sentença. Trocando em miúdos: a sentença produz título apto ao aperfeiçoamento do registro, mas, como todo e qualquer título, sua transcrição definitiva no registro público subordina-se a requisitos objetivos outros que devem acoplar-se ao título. Observe-se que não se trata, aqui, de sentença condicional, mas apenas do reconhecimento de que o ato de registro sujeita-se a requisitos que extrapolam o alcance normativo da decisão judicial na usucapião. Ou seja, a sentença não é condicional, mas o aperfeiçoamento do registro sim. A sentença é atendimento a uma das condições do registro, mas não substitui as demais condições objetivas do mesmo ato. Em outros termos, mas sublinhando a mesma ideia, a sentença na usucapião limita-se a declarar a propriedade, fornecendo uma das condições de possibilidade para o registro, sendo condição necessária, mas não suficiente, ao registro, vale dizer, além do reconhecimento da propriedade pela sentença, a lei impõe exigências outras ao aperfeiçoamento do registro imobiliário. Demonstrando que a mera declaração da usucapião pela sentença não é condição suficiente para o registro, a Lei n. 6.015/73 (Lei dos Registros Publicos ou LRP) prevê que ?os requisitos? da matrícula decorrente da usucapião deverão constar do mandado referido no art. 945 do CPC/73. Os requisitos da matrícula no registro imobiliário em decorrência da usucapião que é reconhecida nesta sentença abrangem, portanto, não só a descrição e delimitação do imóvel, mas, sobretudo o prévio desdobramento da matrícula original do imóvel loteado criminosamente. O desmembramento da matrícula, por seu turno, pressupõe a prévia regularização administrativa do loteamento, após a submissão às exigências edilícias pertinentes. Logo, o mandado de registro da usucapião que será expedido terá por requisitos a descrição do imóvel adquirido e a existência de prévio registro da regularização do loteamento em que o bem está inserido, com o respectivo desdobramento das matrículas para cada gleba. Em suma, a apresentação do prévio registro de parcelamento da área é requisito complementar à presente sentença, para o aperfeiçoamento da registro da propriedade ? até então, o princípio da continuidade impede a formalização do registro, conforme art. 237 da Lei n. 6.015/77: ?Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro?. E o registro da gleba dominada pela parte autora depende, dentre outras, do cumprimento das exigências estabelecidas no art. 195-A da LRP. Repito que não se trata aqui de sentença condicional, mas de sentença que declara a usucapião e reconhece o direito de registro, o qual irá se aperfeiçoar plenamente com o necessário acoplamento, ao fato jurídico propriedade, das demais exigências legais e administrativas pertinentes. Tampouco se pode afirmar que a sentença de usucapião cujo registro esteja subordinado à regularização fundiária prévia seja uma inutilidade jurídica, posto que reconhece com segurança o fato jurídico propriedade, conferindo à parte autora todos os atributos inerentes ao domínio (inclusive o de realizar o registro, tão logo o loteamento seja legitimado). Anote-se que, enquanto a formalização plena do registro da propriedade penda no aguardo da regularização fundiária há, para o proprietário, solução para a publicização e prevenção de seus direitos e interesses. A atual Lei dos Registros Publicos consagra um princípio de parcelaridade ou cindibilidade do título: ?de acordo com o princípio em tela, o título pode ser cindido, isto é, o registrador pode aproveitar ou extrair certos elementos nele insertos que poderão ingressar de imediato no fólio real, desconsiderando outros que, para tanto, exigem outras providências? (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e Prática. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 317). Decorre daí a possibilidade de , averbação junto à matrícula do imóvel, de diversas ocorrências, dentre elas, as ?decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados? (LRP, art. 167, II, 12). Assim, em que pese a subordinação do registro de aquisição da propriedade pender do desmembramento das matrículas após a regularização do loteamento onde está encravado o imóvel, poderá a parte autora promover a averbação do conteúdo desta sentença à margem da matrícula una atualmente existente, o que importa em relevantes consequências jurídicas, não só relativamente ao próprio direito de propriedade, que pode ser oposto inclusive contra o anterior proprietário da área, como também ao direito de preferência para o registro consumado, tão logo isso se faça possível. Um último ponto a ser anotado refere-se à lamentável inércia dos poderes públicos para o adequado atendimento às necessidades sociais e urbanísticas na região do chamado Setor Tradicional de Planaltina. Trata-se de toda uma região inteiramente irregular, por causa apenas e tão-somente da má gestão administrativa. Do que se depreende

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