Página 167 da Comarcas - 1ª 2ª e 3ª Entrância do Diário de Justiça do Estado do Mato Grosso (DJMT) de 12 de Novembro de 2019

considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço”). A entrega da coisa ou o registro do negócio no Cartório de Registro de Imóveis, como apontado, não tem qualquer relação com o seu aperfeiçoamento e sim com o cumprimento do contrato, com a eficácia do negócio jurídico, particularmente com a aquisição da propriedade pelo comprador. (TARTUCE, FLÁVIO. Manual de Direito Civil – 8. ed. – São Paulo: Método, 2018 – p. 755/756) Assim, nos termos do art. 482 do Código Civil, o consenso acerca do objeto e do preço é característica fundamental do negócio jurídico de compra e venda. Tal característica é, aliás, regra inerente a todo e qualquer negócio jurídico. Com efeito, o contrato, basicamente, “é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades.” (GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Vol. IV, Tomo I – 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2008). Não é possível, portanto, falar em contrato, sem que haja a imprescindível manifestação de vontade das partes. Sem essa intenção de contratar, evidentemente que não há negócio jurídico e, consequentemente, não é possível daí extrair qualquer obrigação. Como já mencionado anteriormente, não é possível visualizar nenhum elemento contundente de prova que indique que o ora reclamante efetivamente tenha vendido o veículo em questão à reclamada, ainda que por intermédio do terceiro, Sr. Marcelo. Os elementos colhidos, meramente indiciários, não sustentam a afirmação da reclamada nesse sentido. Extrai-se, portanto, que a única conclusão possível, de acordo com a prova produzida, é no sentido de que o veículo efetivamente foi entregue ao Sr. Marcelo P. Palma apenas a título de empréstimo. Consequentemente, não poderia o Sr. Marcelo dispor do bem, de forma alguma, já que pertencia ao ora reclamante. Em que pese se tratar de conclusão segura de acordo com a prova produzida nos autos, verifico que se trata de circunstância que acaba por se tornar irrelevante no contexto em que os fatos ocorreram. Apesar de não ter demonstrado a efetiva compra e venda, não visualizo fundamento para determinar à reclamada a restituição do veículo ao ora reclamante LEODIR. Ocorre que, se a reclamada REJANE não se desincumbiu de seu ônus de demonstrar a compra e venda sugerida em sua manifestação, o reclamante LEODIR, por outro lado, também não se desvencilhou do encargo de provar que a reclamada tenha efetivamente recebido o bem ciente da circunstância de que ele ainda compunha o acervo patrimonial do ora reclamante. Ao contrário do que sustenta o reclamante, não é possível visualizar, por qualquer ângulo, a alardeada má-fé da reclamada ao receber o veículo. Com efeito, a prova oral colhida em audiência, em especial pelo depoimento da Sra. LEIA CRISTINA C. SANTOS (ID 16743791), confirma toda a narrativa da reclamada. Foi possível concluir que o Sr. Marcelo P. Palma, que então mantinha relacionamento com a ora reclamada REJANE, lhe entregou o veículo FOX (objeto deste conflito) em substituição ao veículo que até então pertencia à reclamada (Chevrolet Ágile), vendido pelo Sr. Marcelo a terceira pessoa. Apesar de afirmar que a reclamada recebeu o veículo de má-fé, tendo em vista que mantinha relacionamento com o Sr. Marcelo e tinha pleno conhecimento de que o veículo ainda pertencia ao reclamante, essa circunstância não está demonstrada satisfatoriamente nos autos. Sob esse aspecto, é necessário salientar que, em nosso ordenamento jurídico, a boa-fé é sempre presumida; a má-fé, ao contrário, deve ser seguramente demonstrada. E no caso concreto, até por força do princípio da distribuição dinâmica do ônus da prova (art. 373 do CPC), a demonstração da má-fé incumbe a quem a alega, no caso ao reclamante LEODIR. Neste caso concreto, não vislumbro qualquer evidência de que tenha a reclamada atuado com a má-fé alardeada pelo reclamante, ao receber o veículo em questão. E há várias circunstâncias que recomendam essa conclusão. Primeiro, porque todas as conversas anexadas aos autos, travadas por mensagens de texto e aplicativo WhatsApp entre a ora reclamada e o Sr. Marcelo P. Palma, indicavam que este efetivamente lhe entregou o veículo FOX como forma de “pagamento” pela venda de seu veículo (Ágile). Em todas as conversas, é possível perceber que o Sr. Marcelo tratava a situação do veículo FOX como resolvida com o reclamante LEODIR, afirmando que o veículo já estava quitado e que estaria inclusive providenciando sua transferência à ora reclamada REJANE. Frise-se que, mesmo ciente de que a reclamada REJANE não estava satisfeita com o negócio, o Sr. Marcelo insistiu por diversas vezes para que ela permanecesse com o veículo. Em uma das mensagens, entre algumas idas e vindas do veículo à empresa do ora reclamante, o Sr. Marcelo chega a informar à reclamada

que o veículo estava à sua disposição para retirada na empresa, referindo-se sobre o bem expressamente como sendo de propriedade da reclamada (“... seu carro esta na cadore até o meio dia... (sic) – ID 12753014 e ID 13196421)” Também merece registro o fato de que a reclamada REJANE conseguiu demonstrar satisfatoriamente que o veículo FOX foi levado até sua residência pelo Sr. Marcelo, por mais de uma vez, acompanhado inclusive de um funcionário da empresa do ora reclamante. Tal fato restou demonstrado pelo teor do depoimento da testemunha LEIA CRISTINA C. SANTOS. Por outro lado, é possível verificar que o ora reclamante somente procurou reaver o bem depois de vários meses em que este já estava na posse da reclamada, e isso se deu apenas com o falecimento do Sr. Marcelo P. Palma. Todas as conversas mantidas com a reclamada, na tentativa de reaver o veículo, assim como a tomada de providências tendentes à responsabilização penal da reclamada por possível prática de crime (lavratura do Boletim de Ocorrência policial do ID 11957252) ocorreram somente após o falecimento do Sr. Marcelo. Ora, se a reclamada estivesse mesmo de má-fé, como sustenta o reclamante, não se visualiza por qual motivo não tivesse tomado qualquer providência para restituição oportuna do veículo. A prova revelou que o ora reclamante LEODIR tinha pleno conhecimento que o veículo estava de posse da reclamada. O próprio reclamante, em seu depoimento pessoal, informa que tinha conhecimento que o veículo havia sido entregue para a reclamada REJANE apenas alguns dias após o empréstimo a Marcelo. A razão para isso transparece evidente: depois que o Sr. Marcelo faleceu, não tendo, aparentemente, enviado ao ora reclamante o valor correspondente ao veículo que já havia entregue à reclamada, como sempre vinha prometendo, o reclamante viu a chance de minimizar seu prejuízo buscando a todo custo a restituição do veículo ou o recebimento do preço respectivo, tomando essa providência somente após a morte do Sr. Marcelo. Com sua inércia, mesmo ciente de que o bem não estava mais nas mãos de quem o retirou por empréstimo, mas de terceira pessoa, o reclamante LEODIR contribuiu decisivamente para a consolidação da propriedade do veículo para a reclamada. Verifica-se, assim, que, não obstante não se tratasse de proprietário do veículo, o Sr. Marcelo agia e fazia transparecer à reclamada que a entrega do bem ocorria mediante plena ciência do então proprietário, ora reclamante. Portanto, todas as evidências indicam com segurança que a reclamada recebeu o veículo em questão acreditando se tratar de uma “compensação” ou “pagamento”, prestado pelo Sr. Marcelo P. Palma, do veículo que era de propriedade da reclamada e que foi vendido sem sua autorização. O que as provas indicam, na realidade, é que o Sr. Marcelo P. Palma, por circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas (embora presumíveis), aparentemente mentiu sistematicamente tanto para o reclamante, quanto para a reclamada, se utilizando do patrimônio (veículos) de ambos para negociações não autorizadas e posteriormente fazendo falsas promessas para ambos durante todo o período em que esteve na detenção do veículo e também no período em que o bem já estava na posse da reclamada; promessas de quitação para um e de transferência para outro, que nunca se concretizaram. Fixadas essas premissas, em especial no que tange à ausência de demonstração de má-fé por parte da reclamada, necessário agora consignar que é de todo aplicável à hipótese o disposto no art. 1.212 do Código Civil: “O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era”. Na interpretação do dispositivo em comento, a abalizada doutrina leciona que: “Considera o legislador que tanto o terceiro adquirente de boa-fé como o esbulhado são - ou–foram – titulares de posse justa e inclina-se a favor do primeiro, que nenhum ato ilícito praticou e tem a posse atual da coisa. Note-se que o esbulhado não tem ação possessória para recuperar a coisa em poder do adquirente de boa-fé, fundada no ius possidendi, vale dizer em relação jurídica de direito real ou pessoal que confira direito à posse, matéria esmiuçada no comentário ao § 2º do art. 1.210 do CC”. (PELUZO, Cezar e outros. Código Civil Comentado – 7ª ed. – Barueri, SP: Manole, 2013, p. 1.165) Com efeito, o dispositivo legal ora em realce assim disciplina, privilegiando e presumindo a boa-fé do adquirente, por força da regra de interpretação que milita a favor da segurança das relações jurídicas, consubstanciada no princípio da boa-fé objetiva disposta no art. 113 do Código Civil. Sobre o assunto, leciona com maestria a Prof. Maria Helena Diniz: Interpretação baseada na boa-fé e nos usos do local de sua celebração. O princípio da boa-fé está intimamente ligado não só à interpretação do negócio jurídico, pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração de vontade das partes, mas também ao

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