Página 2516 do Diário de Justiça do Estado do Pará (DJPA) de 6 de Agosto de 2020

momento da apreensão. Merece prosperar as duas alegações: que o réu não é o proprietário efetivo das máquinas e que os selos poderiam ter caído, em razão das máquinas se encontrarem inoperantes, o que se justificam pelo princípio da intervenção mínima e da adequação social. Não obstante as provas material e oral produzidas em sede policial, deve-se considerar que o Direito Penal moderno não mais reprime todas as condutas morais censuráveis, selecionando somente aquelas que real e efetivamente representam uma ameaça à convivência harmônica da sociedade para puni-las com uma sanção mais grave, qual seja, a sanção penal. O contemporâneo Direito Penal impõe, com razoabilidade, subsidiariamente, na interpretação das suas normas objetivas, o princípio da intervenção mínima do Estado, ao reservar ao direito repressivo o objetivo de reprimir tão só as condutas mais sérias, mais graves, que tragam um efetivo perigo à harmonia e à paz social, não tutelando mais toda e qualquer conduta ilícita, mas apenas aquelas que não podem ser penalizadas por outras sanções, quer no âmbito civil, quer no administrativo. Quanto ao princípio da intervenção mínima, o penalista Guilherme de Souza Nucci leciona: ¿não há mais sentido em se manter vigente a contravenção do art. 50 desta Lei por variadas razões. Em primeiro plano, invocando o princípio da intervenção mínima, não há fundamento para o Estado interferir, valendo-se do Direito Penal, na vida privada do cidadão que deseja aventurar-se em jogos de azar. (...) Em segundo lugar, havendo a previsão da contravenção e inexistindo, ao mesmo tempo, punição efetiva a todos aqueles que exploram esse tipo de jogo e são vários não há eficiência para o Direito Penal, que somente se desmoraliza...¿ (in Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 2ª Ed., p. 192). Significa dizer que o princípio da intervenção mínima ou do Direito Penal Mínimo propõe à ordem normativa uma redução dos mecanismos punitivos do Estado ao mínimo necessário. A intervenção penal somente encontra espaço quando é definitivamente indispensável à proteção dos cidadãos e quando insuficientes os outros ramos do Direito, como o Civil e o Administrativo. Ou seja, o Direito Penal apenas há de penalizar as condutas mais perigosas e socialmente relevantes que lesem os bens jurídicos da mais alta significação. Noutras palavras, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, restringindo a persecução criminal estatal para as hipóteses de insuficiência dos demais ramos do Direito na salvaguarda de bens jurídicos em conflito. Também o princípio da adequação social exsurge como regra de hermenêutica, a possibilitar a exclusão de condutas que, conquanto se enquadrem formalmente a um tipo penal (tipicidade formal), não mais são objeto de reprovação social, porquanto se tornaram socialmente aceitas e adequadas. Assim, embora haja tipicidade formal, inexiste tipicidade material. O referido postulado limita a intervenção do Direito Penal, para dele excluir alguns comportamentos aceitos pela sociedade como adequados, orientando o legislador ordinário na escolha das condutas que se deve reprimir para proteção da paz social ou impor uma pena, com o fim de se proteger os bens da vida que considera mais importantes para o equilíbrio social e adequada à exigência da convivência atual em sociedade. Sobre o princípio da adequação social, ensina o saudoso Professor Luiz Flávio Gomes: ¿A tipicidade material tem por fundamento o juízo de desaprovação da conduta, de desaprovação do resultado e a imputação objetiva do resultado. Quando a conduta é socialmente aceita (manutenção de motéis, por exemplo) fica afastada a desaprovação da conduta (porque se trata de conduta que cria risco tolerado, aceito). Quando é o resultado que é socialmente adequado (maus-tratos a animais em rodeios, pequenas lesões corporais nas relações sexuais, perfuração da orelha da criança etc.) fica afastado o requisito da ofensa intolerável (não há que se falar em desaprovação do resultado).¿ (In Direito Penal. v. 2. Parte geral, p. 359). No mesmo sentido: ¿Importantíssimo princípio que deve orientar o legislador e o julgador, a adequação social desconsidera crime o comportamento que não afronta o sentimento social de justiça, de modo que condutas aceitas socialmente não podem ser consideradas crime, não obstante sua eventual tipificação¿ (RICARDO ANTÔNIO ANDREUCCI, Manual de Direito Penal, 4ª ed., Saraiva: São Paulo, 2008, p. 8). Ante todo o exposto, rejeito a denúncia e julgo improcedente a ação penal para absolver o réu Paulo Henrique Locatelli da imputação do delito previsto no artigo 184, § 1º, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal (¿não constituir o fato infração penal¿). Intime-se o réu somente através da sua advogada via Diário da Justiça Eletrônico. Ciência ao Ministério Público. Com o trânsito em julgado, arquivem-se. Paragominas, 18 de abril de 2020 DAVID GUILHERME DE PAIVA ALBANO Juiz de Direito PROCESSO: 00010212920208140039 PROCESSO ANTIGO: ---- MAGISTRADO (A)/RELATOR (A)/SERVENTU?RIO (A): DAVID GUILHERME DE PAIVA ALBANO A??o: Ação Penal - Procedimento Ordinário em: 22/04/2020 VITIMA:J. S. S. VITIMA:M. J. S. DENUNCIADO:THIAGO LIMA DE SOUZA DENUNCIADO:DYENOS SALAZAR PEREIRA DENUNCIANTE:O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARA. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ VARA CRIMINAL - COMARCA DE PARAGOMINAS AÇÃO PENAL AUTOS DO PROCESSO Nº. 000XXXX-29.2020.8.14.0039 DECISÃO Aguarde-se o término do prazo para certificar se a advogada do réu cumpriu ou não a decisão de fl. 73. Certifique-se a publicação desta decisão. Paragominas, 22 de abril de 2020 DAVID GUILHERME DE PAIVA ALBANO Juiz de Direito

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