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Alienação Fiduciária de Bens Imóveis - Vol. X - Ed. 2022

Alienação Fiduciária de Bens Imóveis - Vol. X - Ed. 2022

Capítulo 3. Teoria Geral da Alienação Fiduciária de Bens Imóveis

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Sumário:

3.1. Conceito

O direito positivo houve por bem definir o que se entende por alienação fiduciária de bens imóveis. Nos termos do art. 22 da Lei 9.514/1997, estabeleceu-se que a alienação fiduciária “é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.

Afora a controvérsia sobre a necessidade e utilidade de a legislação conceituar institutos jurídicos, pode-se dizer que o dispositivo em análise disse pouco a respeito do feixe de relações jurídicas que exsurge com a constituição da propriedade fiduciária. No entanto, algumas boas considerações podem ser extraídas da definição legal, principalmente sua marca notória: o caráter resolúvel.

Na dinâmica talhada pela lei, o devedor (fiduciante), sendo proprietário (tabular) de um imóvel aliena-o ao credor (fiduciário) a título de garantia. Desenha-se, ainda, que a propriedade assim adquirida por este tem caráter de resolúvel, na exata vinculação que guarda ao pagamento da dívida, ou seja, uma vez verificado o pagamento (adimplemento contratual), opera-se a automática extinção da propriedade do credor. Resolvida a propriedade do credor, automaticamente, ocorre a reversão da propriedade plena ao devedor fiduciante. De outro lado, verificado o não pagamento pelo devedor (inadimplemento contratual), opera-se a consolidação da propriedade plena no patrimônio do credor fiduciário.

A partir desse cenário, é incontestável que a propriedade fiduciária imobiliária se caracteriza essencialmente por sua provisoriedade, pela transitoriedade. Note-se que seja pelo adimplemento contratual (com a reversão da propriedade ao fiduciante), seja pelo inadimplemento contratual (com a consolidação da propriedade na pessoa do credor) a propriedade fiduciária restará exaurida, extinta. Assim, é correto afirmar que a alienação fiduciária é instituto jurídico temporário.

À evidência, o credor adquire o imóvel não com o escopo de mantê-lo em sua propriedade – em caráter perpétuo e exclusivo –, mas com a finalidade exclusiva de garantia, mantendo-o sob seu domínio resolúvel, isto é, até que o devedor fiduciante pague a dívida.

Tratando-se, como dito, de propriedade resolúvel, a propriedade fiduciária tem como nota característica o fato de encontrar a previsão de sua extinção no mesmo instrumento em que é convencionada sua constituição.

Com efeito, a propriedade fiduciária está severamente subordinada à condição imediata de sua finalidade – qual seja: a garantia do adimplemento contratual –, daí porque, realizada a condição (pelo pagamento da dívida), reverte em definitivo o domínio ao devedor fiduciante, ou, de outro vértice, frustrada a condição (pelo inadimplemento do fiduciante), consolida-se a propriedade em nome do credor fiduciário.

Pela didática, confira-se o raciocínio de Melhim Namem Chalhub , apoiado em Lafayette Rodrigues Pereira :

É a propriedade fiduciária (resolúvel) uma espécie de domínio que, por virtude do título de sua constituição, é revogável ou resolúvel, fenômeno este que ocorre quando a causa da aquisição do domínio encerra em si um princípio ou condição resolutiva do mesmo domínio. 1

Observe-se que, embora complexo, a alienação fiduciária é negócio jurídico único. A propriedade é alienada por uma finalidade própria: a garantia de um crédito. Daí ter o legislador se apropriado do mecanismo da propriedade resolúvel para permitir o restabelecimento automático e imediato do domínio do devedor fiduciante, com o implemento da condição, ou seja, o pagamento.

Ainda considerando a caracterização peculiar da alienação fiduciária em garantia de bens imóveis, é bem de ver que o credor tem poder limitado sobre o bem que recebeu com essa condição. Nesse ambiente, porquanto possa transferir sua propriedade (condicionada), somente poderá fazê-lo como consequência da cessão de sua posição de credor . Ora, sendo a propriedade fiduciária um direito acessório, a eventual cessão do crédito, que é por ela garantido, opera a transmissão automática dessa propriedade, com todas as restrições que lhe são impostas pelo caráter fiduciário.

É de suma relevância compreender que, enquanto perdurar o escopo para o qual foi constituída, a propriedade fiduciária importa em verdadeira afetação patrimonial do imóvel à dívida. Vale dizer, o bem alienado fiduciariamente se mantém fora do alcance dos demais credores do devedor fiduciante. Na mesma medida, estará o imóvel, enquanto propriedade resolúvel do fiduciário, fora do alcance dos credores deste. É certo, porém, que apenas admitir-se-á que o bem alienado fiduciariamente possa vir a ser objeto de excussão por dívida do fiduciário se a propriedade – oportunamente e desde que obedecidos os ditames legais –, vier a ser consolidada na pessoa deste.

De modo geral, todos os efeitos jurídicos decorrentes da alienação fiduciária em garantia passam por uma premissa fundamental: a investidura do credor na propriedade se faz limitada pelo caráter fiduciário.

Analisando-se a alienação fiduciária de bens imóveis sob o relevante cariz possessório, verifica-se que, conforme o enunciado legal, com a constituição da propriedade fiduciária – o que somente ocorre com o registro, no competente Cartório de Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título – dá-se o desdobramento da posse , tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel. Nesse particular, não há qualquer faculdade conferida às partes para transigirem, ou seja, não podem contratualmente alterar essa situação possessória.

Aqui reside a grande contribuição da alienação fiduciária para o movimento do mercado e, ao fim e ao cabo, para a economia. Apesar de, como já analisado, a propriedade fiduciária promover a afetação do imóvel ao pagamento da dívida, impossibilitando sua alienação a terceiros, em contrapartida, o devedor fiduciante se mantém na posse direta da coisa, permitindo-se que dela utilize conforme sua destinação.

Naturalmente, dessa peculiar relação possessória decorrem direitos e obrigações aos contratantes. Investido na posse direta do imóvel, o devedor fiduciante poderá usá-lo, exercendo todos os direitos de legítimo possuidor, enquanto adimplente (art. 24, V, da Lei 9.514/1997). De outro lado, ele mantém a responsabilidade pela conservação do imóvel, pelo pagamento de todos os impostos, taxas e demais encargos, sobretudo aqueles de natureza propter rem como as contribuições condominiais (art. 27, § 8º, Lei 9.514/1997), obrigações ambientais, além, é claro, da responsabilidade civil.

Conectando a situação possessória com a dominial na propriedade fiduciária se colhe observação proposta por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald :

O desdobramento (bipartição) da posse é consequente ao fato da transferência da propriedade fiduciária do bem ao credor, eis que a coisa se conserva no poder imediato do devedor fiduciante, podendo usar e gozar o bem, segundo a sua destinação, mas às suas expensas e seus riscos, responsabilizando-se por eventual perda, destruição ou deterioração. A seu turno, o credor fiduciário adquire a posse indireta da coisa, sendo limitada a sua propriedade, posto que duas das mais importantes faculdades dominiais sobejaram concentradas com o devedor fiduciante, quais sejam: o uso e a fruição. 2

Por tudo isso, se fosse deferida a árdua tarefa de conceituar a propriedade fiduciária de bens imóveis, entende-se como correta a compreensão de que se trata de direito real limitado e temporário pelo qual o titular tabular (devedor fiduciante), reservando-se para si o direito real de reaquisição do imóvel e mantendo-se na posse direta, transmite a propriedade resolúvel e a posse indireta ao credor fiduciário, para a garantia de seu débito, resolvendo-se aludido direito com o pagamento da dívida garantida e o seu consequente retorno ao domínio pleno da res .

Por último, de rigor estabelecer importante diretriz terminológica. Embora por vezes os institutos se confundam em práxis descuidada, sendo nominados um pelo outro, a melhor técnica sinaliza que o nomen “alienação fiduciária de bens imóveis” deve ser reservado ao negócio jurídico real imobiliário (rectius: ao título causal) ou, mais simplesmente, ao contrato de alienação fiduciária. Já a expressão “propriedade fiduciária” representa o jus in re , o direito real já constituído e em sua plenitude. Direito real esse que só nasce a partir de seu registro constitutivo na matrícula do imóvel (art. 23 da Lei 9.514/1997 , c.c. art. 167, I, nº 35, da Lei 6.015/1973). Somente essa distinção terminológica tem aptidão para harmonizar o instituto telado no sistema do título e modo adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro na órbita dos direitos reais imobiliários e do registro predial.

3.2. A natureza jurídica

Tema dos mais complexos cinge-se em estabelecer a natureza jurídica da alienação fiduciária em garantia de bens imóveis.

Diante da própria complexidade do instituto, que encerra distintos feixes de relações jurídicas sobre a coisa imóvel, a depender da ótica que se aborde poderá se estabelecer uma natureza jurídica.

Esse desafio é bem caracterizado quando se consulta a doutrina sobre o tema.

Há posições nos mais variados sentidos a considerar o instituto como direito real de garantia; direito real sui generis ; propriedade resolúvel; patrimônio de afetação etc.

Moreira Alves delimita que a propriedade fiduciária de bens …

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jusbrasil.com.br
15 de Junho de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/341-alienacao-fiduciaria-de-bens-moveis-34-a-alienacao-fiduciaria-de-bens-imoveis-e-institutos-correlatos-alienacao-fiduciaria-de-bens-imoveis-vol-x-ed-2022/1643176436