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Teoria da Improbidade Administrativa - Ed. 2022

Teoria da Improbidade Administrativa - Ed. 2022

1.. Funcionalidade Diversificada dos Dispositivos Gerais e Casuísticos Legais

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Sumário:

Vale observar a estruturação da conduta proibida na LGIA, a partir de suas normas gerais, no sistema jurídico nacional. Discutir e demonstrar a funcionalidade dos dispositivos da LGIA, sua estruturação normativa e os elementos constitutivos das infrações, na perspectiva do Código, é o objetivo deste capítulo. Pretendemos focar a conduta proibida diante do sistema normativo da LGIA, daí decorrendo a necessidade de analisarmos tópicos autônomos sobre o modelo legal consagrado, observada a metodologia geral aplicável à compreensão dos tipos sancionadores, que se dividem em vários blocos, mas resultam ligados e unidos pelo sentido do Código, fator nem sempre percebido pelos intérpretes.

Forçoso indicar parâmetros que reduzam os níveis de insegurança jurídica imanentes a uma eventual lógica principialista que dominava a interpretação da antiga LGIA, aparentemente pródiga no aceitar os arroubos dos juristas e suas criativas invenções. A jurisprudência é um balizador importante na formatação dos conteúdos jurídicos da LGIA, mesmo porque é dos julgados dos Tribunais que emana o sentido real das normas consagradas abstratamente pelo legislador. No entanto, deve-se reconhecer que a jurisprudência, no mais das vezes, é um balizador muito preciso para os chamados casos fáceis, constituindo um referencial apenas pontual e não raramente ambíguo para os ditos casos difíceis. Ao mesmo tempo em que não se pode negar a inevitabilidade da disseminação de decisões judiciais em alguma medida contraditórias, paradoxais e problemáticas, é necessário estancar ou reduzir os espaços ao arbítrio e esse papel cabe à doutrina. A tensão entre segurança jurídica e efetividade das normas punitivas em face de comportamentos ilícitos dinâmicos e velozes é um desafio que a LGIA deve enfrentar.

Para além da jurisprudência, deve-se prestar atenção à teoria dos precedentes, introduzida no art. 926 do CPC ( Código de Processo Civil), o qual estabelece que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Em conformidade com o art. 927 do CPC , adota-se a vinculatividade dos precedentes dos tribunais superiores e dos tribunais ordinários, entre eles os acórdãos de julgamentos de recursos extraordinário e especial repetitivos. O precedente é uma autêntica norma, com força de fonte primária do Direito. Assim, seria necessário selecionar quais são os precedentes em matéria de improbidade administrativa vigentes no Brasil, para avaliar uma tipologia concreta e mais específica. Essa dificuldade esbarra na técnica jurídica para construção de precedentes no sistema civil law .

No plano da filosofia do direito, o debate sobre os espaços reservados aos intérpretes já ganhou foro de enorme importância, à luz de polêmicas célebres, mas a sociologia do direito pós-moderno se encarrega de mutilar tais discussões e situar a validade das decisões discrepantes no interior do sistema, desde que obedeçam a certos requisitos. No caso em análise, a LGIA permite, induvidosamente, jurisprudência contraditória, antagônica, mas, ao mesmo tempo, exige intervenções no sentido de reduzir as áreas de arbítrio e incertezas, em homenagem à segurança jurídica e à racionalidade do Estado Democrático de Direito. Da jurisprudência aos precedentes, certamente há um caminho a trilhar. Talvez caiba justamente aos Tribunais Superiores da Nação desempenhar suas funções originárias, dando unidade ao ordenamento jurídico dentro de pautas objetivas de racionalidade. As autoridades do Ministério Público ou do Judiciário até possuem espaços de movimentação aparentemente livre, na confecção de suas propostas normativas, a partir dos textos e demais elementos vinculantes, mas não podem extrapolar os limites imanentes à ordem jurídica concebida como sistema tendente à previsibilidade. 1

1. Funcionalidade diversificada dos dispositivos gerais e casuísticos legais

Cabe recordar que algumas características centrais da hermenêutica relativa à LGIA, no tocante à aplicabilidade de seus tipos sancionadores, passam pela compreensão acerca do universo axiológico e metodológico que domina o direito público punitivo, em concreto o direito administrativo sancionador, incluindo o direito penal. Tal constatação implica reconhecer não apenas a funcionalidade geral das regras e princípios jurídicos, como também dos postulados normativos aplicativos e dos valores superiores do ordenamento jurídico. 2

Convém também registrar que as normas tipificatórias da improbidade constituem ferramentas de controle da má gestão pública, desenhando suporte para incidência de regras punitivas. Nesse aspecto, a LGIA, na Reforma, restringiu os tipos sancionadores, mas não abandonou a valorização do direito judicial, valendo-se de termos indeterminados e de outros instrumentos similares em abundância. Não se pode criticar tal postura sob o argumento da necessária legalidade e tipicidade legais, pois até mesmo no direito penal, se tomarmos como referência o direito comparado, assim como o Brasil, vale-se de técnicas para cobrir comportamentos não previstos especificamente nas normas repressoras. 3 Todavia, convém não confundir a funcionalidade da LGIA como Código Geral e central do sistema de responsabilidade por atos ímprobos, a partir do papel regulatório do art. 37, § 4.º, da CF , com a funcionalidade dos termos jurídicos indeterminados no sistema penal.

Recobra utilidade, aqui, a ideia de metodologia jurídica, abordada na primeira parte deste trabalho, no sentido de orientar os movimentos dos intérpretes, a partir de balizamentos contemporâneos, racionais, razoáveis, comprometidos com os cânones de justificação formal e material das decisões, num ambiente notoriamente pós-positivista. Sem embargo, não deixa de ser especialmente importante frisar a funcionalidade global dos postulados da proporcionalidade, racionalidade e segurança jurídica, tanto na compreensão do alcance dos tipos sancionadores, quanto na definição das sanções correspondentes e da metodologia pertinente. E vale realçar a importância ímpar, nem sempre lembrada, do Poder Legislativo competente, na intermediação cabível entre a LGIA e a conduta proibida no caso concreto. Afinal, as conexões entre o papel discricionário do Legislador e o princípio democrático são evidentes.

Diga-se que, para todos os efeitos, os tribunais pátrios têm reconhecido uma funcionalidade cada vez mais ampla à proporcionalidade, inclusive e muito especialmente na dosimetria das sanções, 4 sem que isso signifique balanço invariável a favor dos direitos dos acusados, porque também a extensão e ampliação do alcance de termos indeterminados, na concretização de tipos sancionadores, podem ocorrer a partir do postulado da proporcionalidade. Trata-se de postulado que, em conjugação com a racionalidade, a legalidade e a segurança jurídica, integra a base argumentativa do intérprete no manejo de todo e qualquer tipo sancionador previsto na LGIA. 5

De igual modo, forçoso destacar que a segurança jurídica tem sido encarada como postulado normativo geral, dado que permeia a aplicação de todos os dispositivos sancionatórios, direcionando as soluções em busca de valores ligados a esse ideário político. Não se pode duvidar do fato de que será a segurança jurídica alcançada a partir de uma metodologia comprometida com a consistência, a fundamentação, a visibilidade das razões, a coerência e a unidade dos posicionamentos em face dos mesmos paradigmas sufragados pelo sistema punitivo. Resulta desse panorama a busca incessante de uma série de valores, regras e princípios conectados à segurança jurídica, restringindo o alcance das normas sancionadoras em face dos limites estipulados ao poder punitivo estatal, na lógica que busca proteção máxima a direitos fundamentais em jogo e previsibilidade das condutas proibidas.

A racionalidade, como ficou patenteado ab initio , longe de representar herança defasada da modernidade, segue como paradigma válido no discurso jurídico, embora seus contornos sejam muito diversos daqueles pretendidos noutros tempos. E resulta certo imaginar que o ato racional está bastante ligado à segurança, mas também à previsibilidade e à lógica dos comportamentos humanos, que não podem resvalar para o campo do arbítrio. Daí por que tal postulado, temperado pelo ideal de razoabilidade 6 e pelos pilares flexíveis da pós-modernidade, segue vigente, desafiando intérpretes em busca de um rastro moderno em seus pronunciamentos, com potencialidades persuasivas, lógicas e funcionalmente voltadas a valores ligados à essência humana, qual seja a razão.

Com tais ponderações preambulares, e fixadas as premissas do discurso que resulta necessário na fundamentação de imputações lançadas contra ímprobos, há que se sublinhar que, em sua típica estrutura, a improbidade administrativa – no marco do Código Geral, mas também fora de seus domínios – aparece recortada por proibições repletas de conceitos jurídicos indeterminados, ostentando vagueza semântica. A doutrina sempre sinalizou os tipos abertos da Lei de Improbidade Administrativa, na vigência da Lei anterior, tratando da autonomia do caput em relação aos incisos. 7

Sempre sustentamos a necessidade de que houvesse intermediação legislativa em todas as regras da LGIA, em maior ou menor medida, sendo todos os dispositivos espécies da categoria denominada “normas em branco”. A ideia de considerar os dispositivos do caput espécies de normas em branco, com alto nível de generalidade, inclusive servindo de referência residual aos incisos, agregava segurança jurídica ao modelo. De igual modo, os incisos seriam normas em branco, porém com um detalhamento normativo mais intenso do que aquele estampado nas normas do caput . 8

Na Reforma da Lei de Improbidade, consagrou-se, no art. 11, o seguinte: “§ 3º O enquadramento de conduta funcional na categoria de que trata este artigo pressupõe a demonstração objetiva da prática de ilegalidade no exercício da função pública, com a indicação das normas constitucionais, legais ou infralegais violadas. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)”. Quer-se dizer, em realidade, que para todos os dispositivos violados é necessário trazer à tona as normas subjacentes vulneradas.

A improbidade administrativa pressupõe violência necessária e inarredável contra normas subjacentes a seus tipos sancionadores. Imperioso valorar os comportamentos proibidos à luz das regras e princípios subjacentes à LGIA. Não basta uma violação dos princípios da Administração Pública, e muito menos uma conduta diretamente enquadrável nos tipos formalizados na LGIA, sem uma prévia agressão a regras legais, concretamente relacionadas com as ações ou omissões dos agentes públicos.

Essa é uma das originalidades deste enfoque, já anunciada em numerosas intervenções que tivemos oportunidade de desenvolver em Congressos ou Seminários jurídicos ao longo dos últimos anos: toda improbidade administrativa traduz uma ilegalidade de comportamento que não se limita a violar princípios ou deveres abstratos contemplados na Lei Federal 8.429/92 . Sendo uma norma sancionadora em branco, quaisquer dos tipos da LGIA são complementados por legislações setoriais, instituindo regras que se sistematizam e se incorporam aos princípios. 9

1.1. Violação das proibições dos arts. 9.º, 10 e 11 da Lei Geral e sua estrutura normativa

O bloco legal dos arts. 9.º, 10 e 11, todos da LGIA, nos respectivos incisos, demanda condutas dolosas, com dolo específico, pelo desenho das redações. Houve uma expressa opção do Legislador pela eliminação dos tipos culposos na Lei Geral de Improbidade Administrativa, adotando-se o dolo específico como modalidade subjetiva de comportamento. Anteriormente, como havíamos alertado em numerosas ocasiões, a Lei admitia tipos culposos.

Veja-se que atualmente tampouco basta o dolo genérico para a censura por improbidade administrativa, como o STJ admitia anteriormente, sendo necessário o dolo específico. 10 Eis aí o princípio democrático a embasar a opção discricionária do legislador, cuja manutenção devemos acatar e defender.

Anteriormente à Reforma, repita-se, vale anotar que o STJ aceitava a modalidade culposa de improbidade administrativa 11 . Assinale-se, aliás, que a estrutura constitucional do dever de probidade prevista no art. 37, parágrafo 4º, da Carta Magna, contempla a modalidade de ilícito culposo, dada a inserção da grave ineficiência no interior da má gestão pública. Daí porque se permite ao legislador configurar ilícito de improbidade, em leis esparsas, por erro grosseiro ou culpa grave, considerando o princípio democrático.

Resulta importante notar a estrutura redacional do dispositivo cuja análise se ambicione fazer, à luz do princípio democrático. É por essa via que transita o reconhecimento do elemento subjetivo, na perspectiva do legislador.

Disse o Legislador: “art. 1º. § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)”. Mais ainda: “§ 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)”.

Sobre a diferença conceitual entre dolo específico e dolo genérico, a doutrina costuma apontar como característica que aparta tais categorias a presença ou não de um fim ilícito especial na conduta voluntária do agente, além da simples vontade do agir antijurídico.

Essa mesma distinção é encontradiça na jurisprudência, que igualmente pontua a finalidade especial como a linha divisória entre o dolo específico e o genérico:

“[...] o dolo genérico é verificado quando a parte acusada, tendo pleno conhecimento das normas, pratica o núcleo do tipo legal, mesmo que ausente uma finalidade especial de agir. Trata-se de interpretação que confere ao instituto caráter distinto, uma vez que sua configuração não está relacionada somente com a constatação de má-fé do agente quando da prática de determinada conduta. Portanto, a existência de dolo genérico prescinde da comprovação de que o acusado agiu deliberadamente no sentido de causar prejuízo à Administração Pública, sendo suficiente a demonstração da vontade de descumprir determinado preceito legal.”

Desse modo, o dolo específico traduz uma fórmula de contenção do arbítrio do acusador, pois torna fundamental uma descrição mais detalhada do comportamento proibido. Exige-se que o acusado direcione sua vontade ao preenchimento de todos os elementos do tipo proibitivo, com as especiais finalidades previstas em lei, não bastando a mera voluntariedade. A intenção desonesta é uma singular característica de todos os tipos sancionadores da nova Lei 8.429/92 , não bastando a presunção de intenções. Então, já na exordial acusatória, é necessário demarcar claramente o elemento subjetivo referente à grave desonestidade funcional. O Legislador optou, no âmbito de seu espaço discricionário, por tipificar como improbidade no Direito Administrativo Sancionador da Lei 8.429/92 apenas a corrupção e não a ineficiência, remanescendo esta última patologia como potencial espécie de improbidade a ser definida pelo legislador em leis esparsas. Com efeito, esse novo conceito de ato doloso, com a dimensão de dolo específico, torna muito mais restrito o alcance dos tipos sancionadores. Inegavelmente, esse espectro restritivo impacta retroativamente na descaracterização dos tipos pretéritos. 12

1.2. Violação das proibições dos incisos e sua estruturação normativa

Note-se que o inciso espelha um detalhamento normativo da própria LGIA, na medida em que as cláusulas mais específicas são aquelas que maior operacionalidade ostentam na vida de relações, maior grau de decidibilidade e de incidência direta apresentam 13 .

Os incisos recebem contribuições de legislações setoriais, consistindo em normas sancionadoras em branco, repletas de termos jurídicos indeterminados.

Atuam como espécies de incisos, como já alertamos, os tipos sancionadores que se incorporam diretamente à LGIA pela via das legislações setoriais, mas é possível que o legislador setorial opte por redações compromissadas diretamente com o conceito plasmado na Constituição, na qual está prevista a improbidade dolosa ou culposa, e não apenas a improbidade dolosa.

Essa, aliás, é uma tendência crescente no ordenamento jurídico nacional, cumprindo a própria LGIA uma funcionalidade sistematizadora e ordenadora, na esteira mais especializada dos contemporâneos Códigos, como anotado por García de Enterría 14 em relação à expansão crescente de novos formatos do processo codificatório anglo-saxônico, com reflexos na cultura do direito continental-europeu.

Exemplificativamente, a LGIA prevê condutas desonestas de irresponsabilidade fiscal, na medida em que a respectiva Lei de Responsabilidade Fiscal está integrada à LGIA. 15

A Lei de Responsabilidade Fiscal, no que tange à tipificação de atos de improbidade administrativa, não foi afetada pela Reforma da Lei 8.429/92 , pois essa Reforma afetou direta e pontualmente apenas a própria Lei de Improbidade Administrativa.

Não há margem para equívocos: a improbidade decorrente da irresponsabilidade fiscal submete-se à teoria da improbidade, mas essa teoria, no que concerne à natureza jurídica da improbidade e à submissão aos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador, já recebia o influxo da Constituição.

Assim, não é apenas porque o Legislador disse que os atos de improbidade estão submetidos aos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador que de fato esse regime jurídico se aplica à improbidade administrativa. Evidente que, à luz do princípio democrático, a escolha do Legislador é soberana e deve ser respeitada. Ocorre que tal regime jurídico decorre da própria Constituição Federal de 1988, na medida em que a improbidade é um ilícito administrativo e suas sanções possuem natureza de Direito Administrativo.

De outro lado, os atos ímprobos, ainda que venham disciplinados em legislação extravagante, obedecem às normas gerais da LGIA, às normas processuais do …

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24 de Maio de 2024
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