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7 de Maio de 2024
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    A cegueira deliberada no julgamento da Ação Penal 470

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 11 anos

    Aliomar Baleeiro explicou certa vez, em notável reflexão sobre o trabalho do STF: Se há coisa em que falhamos é não termos provocado, dos juristas, das universidades, das Ordens de Advogados e dos cidadãos, uma crítica permanente às nossas opiniões e aos nossos trabalhos.

    Pois bem, queiramos ou não, com o julgamento da Ação Penal 470, a Corte provocou a crítica. Suas cores, tons e duração serão frutos do labor do tempo, mas a verdade é que a comunidade jurídica fez do acórdão objeto de intensos estudos, debates e análises. Até mesmo cursos e seminários levam em seu nome a célebre ação.

    Dentro desse contexto, continuamos a tecer algumas considerações a respeito da decisão do STF, nesse momento, sobre o elemento subjetivo do tipo penal de lavagem de dinheiro.

    Há tempos a doutrina se divide sobre a admissibilidade do chamado dolo eventual para este delito. Pelas regras legais, se o agente desconhece a procedência infracional dos bens ocultados ou dissimulados, faltar-lhe-á o dolo da prática de lavagem e a conduta será atípica mesmo se o erro for evitável, pois não há previsão da lavagem culposa . Assim, se o agente não percebe a origem delitiva do produto que mascara por descuido ou imprudência, não pratica lavagem de dinheiro, respondendo penalmente o terceiro que determinou o erro, se existir (parágrafo 2º do artigo 20 do Código Penal).

    Questão mais complexa é: qual o grau de consciência exigido do agente sobre a procedência dos bens ? É suficiente que ele desconfie da origem infracional ( dolo eventual) ou se faz necessária a consciência plena da proveniência ilícita do produto?

    Há quem sustente que apenas pratica lavagem de dinheiro aquele que tem plena ciência da origem delitiva dos bens ( dolo direto) . [1] Nessa linha, a Convenção de Viena (artigo 3, 1, b ), de Palermo (artigo 6, 1) e a Directiva20055/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (26/10/2005) (artigo 1, 2, a e b ), indicam que apenas quem tem conhecimento da proveniência dos bens pratica lavagem de dinheiro .

    Por outro lado, há quem afirme que basta a mera suspeita da origem infracional ( dolo eventual) para que se afaste o erro de tipo . [2] Nesse sentido, a Convenção de Varsóvia (2005) indica que os Estados-membros da Comunidade Europeia podem tomar medidas para entender como crime os casos de lavagem em que o agente suspeitava da origem ilícita dos bens ou deveria conhecer a origem ilícita dos bens , indicando a possibilidade da prática do crime a título de dolo eventual ou mesmo de imprudência (artigo 9, 3).

    Como já expusemos em outra oportunidade [3] , entendemos que o agente deve ter consciência clara da origem ilícita dos bens para a lavagem de dinheiro na forma do caput do artigo1ºº, sendo o dolo eventual admissível apenas nos casos descritos noparagrafo 2ºº, inciso I da Lei.

    Aceitar o dolo eventual para todas as formas de lavagem de dinheiro não parece adequado do ponto de vista político criminal porque resultaria na imposição de uma carga demasiado custosa àqueles que desempenham atividades no setor financeiro, afinal, sempre será possível encontrar algum indício de mácula na procedência do capital de terceiros com o qual se trabalha, à exceção dos casos em que a licitude original é patente.

    A falta de informações sobre a fonte do dinheiro pode gerar desconfiança, ao mesmo tempo em que a fungibilidade do bem impede em geral o reconhecimento seguro de sua procedência. Mesmo que sejam adotadas medidas de averiguação do cliente e da operação, nos termos dos atos regulatórios em vigor, sempre ou quase sempre haverá espaço para dúvida, e tal dúvida poderá, em um campo semântico alargado, indicar suspeita. Por isso, nos parece que a tipicidade subjetiva da lavagem de dinheiro na forma do caput do artigo 1º é limitada ao dolo direto , sendo o dolo eventual admissível apenas nos casos descritos no parágrafo 2º, inciso I da Lei.

    No entanto, não parece ter sido esta a orientação do STF por ocasião do julgamento da Ação Penal em discussão. Alguns ministros rechaçaram expressamente o dolo eventual na lavagem de dinheiro, ao menos diante do texto legal anterior [4] , mas a maioria admitiu esta modalidade , reconhecendo-a como possível mesmo na redação da Lei9.6133/1998 em vigor à época da prática dos fatos julgados [5] .

    Seja como for, a leitura das manifestações deixa claro que para os integrantes da Suprema Corte o novo texto da lei de lavagem de dinheiro admite o dolo eventual em todas as formas de lavagem de dinheiro [6] . Por isso, parece necessário conceituar tal categoria dogmática, para que sua aplicação seja baliz...

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