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16 de Junho de 2024
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    A execução antecipada da pena e a flexibilidade das garantias no discurso punitivo

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    No interior da Constituição Federal brasileira de 1988, mais especificamente em seu artigo , inaugura-se o Título II, dos direitos e garantias fundamentais, e o Capítulo I, dos direitos e deveres individuais e coletivos.

    O texto constitucional tem uma rígida forma de promover a alteração de seu corpo, que se dá por meio de Emendas à Constituição, manifestação prática do Poder Constituinte Derivado Revisor (ou reformador). No entanto, este mesmo poder encontra limitações, chegando ao ponto de existirem matérias que não sofrem qualquer espécie de limitação ou supressão: são as chamadas limitações materiais, ou cláusulas pétreas, as quais estão – não totalmente – expressas artigo 60, parágrafo 4º da Constituição Federal.

    Dentre estas disposições, encontra-se uma que merece atenção especial, qual seja, “os direitos e garantias individuais”. Em outras palavras, os direitos e garantias individuais jamais serão objeto de qualquer deliberação ou proposta que os diminua ou exclua.

    O artigo , inciso LVII da Constituição Federal é claríssimo ao estabelecer que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esta disposição engloba em si não somente uma regra, mas também um verdadeiro dever de tratamento, uma vez que a medida exige que o réu seja tratado como inocente, tanto dentro quanto fora do processo[1], que possui implicações inclusive nas regras de julgamento, dado que jamais se poderá condenar alguém em havendo dúvida (in dubio pro reo).

    A Convenção Americana de Direitos Humanos (assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969), a qual foi subscrita pelo Brasil, também dispõe em seu artigo 8.2 que “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa”.

    No entanto, em 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal decidiu no julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, como legítimo guardião da Constituição Federal (art. 102, caput, da CF/88), que os condenados em segunda instância poderiam iniciar o cumprimento de suas penas, haja vista que, com o segundo juízo de condenação, exauria-se o princípio da não culpabilidade. Uma clara violação direta e frontal ao princípio constitucional.

    Estranhamente o entendimento da corte constitucional contraria o que era o seu próprio entender (vide HC 84.078/MG, que não permitiu a execução antecipada da pena por ser incompatível com o texto constitucional).

    Assim, não existem meios jurídicos ou metajurídicos que justifiquem ou minimamente tornem legítimo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que avocou para si a titularidade para recriar o conceito secular da dogmática processual penal de “trânsito em julgado”.

    Desta forma, o ponto central que se almeja no presente é esclarecer que, no seio da fragilíssima democracia brasileira, as garantias existem para a conformação de um valor consolidado, mas serão flexibilizadas – ou retiradas por completo – caso seja necessário. Mas o que fundamenta essa necessidade?

    Em nome de uma demandada “paz social”, palavras de ordem são profanadas ao ar. Bramidos de “lei e ordem” e de “tolerância zero” são feitos, e o Poder Judiciário, composto por seres humanos, suscetíveis a influências e imergidos no senso comum, dão espaço à ordem propagada pela voz comum, principalmente influenciada pelos meios de comunicação.

    Em meio ao caos político e jurídico que o país enfrenta, o Brasil já mostrou sua verdadeira face frente à esta situação de adversidade. O recado foi claro: as garantias serão suprimidas se for o meio necessário para a manutenção de um status social que vige e segrega milhões de pessoas, e a gestão desta estrutura se dá pelo sistema penal.

    Enquanto o sistema penal for visto como um meio ou um fim para atingir qualquer estado positivo perante a sociedade, o caminhar tende a ser cada vez mais árduo. O Brasil dá passadas largas à consubstanciação de um Estado Penal, onde a exceção torna-se regra, normalizando a violência aos limites democráticos [5].

    A interpretação da lei de modo cada vez menos inclusivo e obrigatoriamente cada vez mais excludente transforma “qualquer pretensão impura em puro ouro legal[6]” pelo simples fato de encontrar abrigo jurisprudencial e, por consequência, “legítimo”.

    O acesso à justiça e à aplicação material de seus princípios mais básicos – nesse caso, à presunção de inocência – sempre foram negados à população marginalizada. Contudo, o abandono formal por meio de decisões desse caráter, consolidadas e com efeito vinculante erga omnes, demonstra que o sistema penal renunciou à sua própria legitimidade para se construir como um mecanismo violento mais eficiente ao que se propõe de forma não declarada, em detrimento mais uma vez das classes marginalizadas[7].

    É importante, por fim, saber que os fatos que compõem o andamento da história são cíclicos, estão fadados a se repetirem[8]. Pois bem, vale lembrar que, historicamente, o princípio da presunção de inocência foi atacado em duas pontuais oportunidades: durante a inquisição espanhola, nas páginas do “Directorium Inquisitorum”, escrita pelo inquisidor catalão Nicolas Eymerich e durante a ascensão do fascismo no fim do século XIX e no início do século XX.

    Gabriel Coimbra Rodrigues Abboud é Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (FDF), Advogado no Estado de São Paulo.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-execucao-antecipada-da-pena-e-a-flexibilidade-das-garantias-no-discurso-punitivo/595824786

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