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19 de Maio de 2024
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    A experiência de varas ambientais especializadas

    Publicado por Espaço Vital
    há 16 anos

    Por Cândido Alfredo Silva Leal Júnior,

    juiz federal da Vara Ambiental, Agrária e Residual de Porto Alegre.

    O juiz federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, da Vara Ambiental, Agrária e Residual de Porto Alegre, escreveu interessante artigo sobre as suas conclusões a respeito da especialização da Justiça ambiental.

    O Ambiente Vital pinça alguns pontos destacados pelo magistrado, que tornam o seu artigo uma leitura obrigatória para aqueles que se importam com a atuação jurídica na defesa do meio ambiente.

    Após três anos de atuação na referida vara, o juiz Cândido chegou a algumas conclusões:

    1. O maior benefício que se tem com a especialização é tornar o direito ambiental prioritário no trabalho judiciário.

    2. As ações ambientais dependem muito mais das peculiaridades do local onde são propostas do que do respectivo juiz.

    3. O papel do juiz é pequeno porque não detém a iniciativa para prevenir e reprimir danos ao ambiente. Sozinho, o juiz não pode salvar o mundo.

    4. Os outros agentes públicos ou sociais nem sempre conseguem dar conta da adequada proteção ambiental.

    5. O juiz deve proteger o direito de todos, da maioria, da minoria e mesmo de um só. Para alcançar esse fim, é preciso manter-se imparcial, o que não significa permanecer cego ou surdo.

    6. O juiz ambiental deve conduzir e sanear o processo. Deve estar atento para que o processo não substitua o inquérito prévio ou a investigação preliminar.

    7. O juiz ambiental deve atuar efetivamente na instrução do processo.

    8. O juiz ambiental deve considerar todas as perspectivas envolvidas na lide, fundamentando e sendo preciso em suas decisões.

    9. O dever de o juiz explicitar seu convencimento é o grande antídoto para combater uma das desvantagens da especialização: a concentração das decisões nas mãos de menos julgadores.

    10. Havia uma época em que era fácil saber quem defendia o meio ambiente. Hoje, todos têm o mesmo discurso, de defesa do meio ambiente, sendo difícil separar o joio do trigo.

    Ainda, em análise da atuação do próprio Poder Judiciário, o magistrado conclui que "apenas a criação de varas ambientais não resolve os problemas ambientais. É apenas um paliativo e pode facilmente transformar-se numa figura meramente retórica e decorativa se não houver comprometimento de todos com os valores constitucionais do art. 225 da Constituição . A instalação de varas ambientais é um importante passo em defesa do meio ambiente, mas somente produzirá efeitos se houver um real comprometimento da coletividade e do poder público para com a causa ambiental."

    Leia a íntegra do artigo: "A experiência de varas ambientais especializadas".

    A EXPERIÊNCIA DE VARAS AMBIENTAIS ESPECIALIZADAS

    1. O significado da criação de Varas Federais Ambientais:

    A Justiça Federal viveu um momento de diferenciação na competência de suas varas.

    Paralelamente à criação dos Juizados Especiais para dar conta da quantidade de processos, houve um movimento simultâneo de especialização de unidades judiciárias para dar conta da qualidade dos processos e atender interesses relevantes. A distinção tradicional entre Varas Criminais e Cíveis deu lugar à criação de varas especializadas e semi-especializadas, tais como: Agrárias; Previdenciárias; de Execução Fiscal; do Sistema Financeiro da Habitação; Tributárias; Criminais do Sistema Financeiro Nacional; Criminais para Organizações Criminosas, e finalmente chegamos às Varas Ambientais[2] .

    Na 4ª Região, três Varas Federais foram transformadas em Varas Ambientais. No Rio Grande do Sul, a Resolução TRF4ªR nº 54 , de 11/05/2005, transformou uma Vara Cível de Porto Alegre em Vara Ambiental, Agrária e Residual. Ela manteve sua competência cível, mas recebeu a redistribuição dos processos ambientais e agrários que tramitavam nas demais Varas Federais de Porto Alegre.

    Em matéria ambiental, a especialização atende ao imperativo do art. 225 da CF/88 , que diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. No direito ambiental, a relevância é coletiva ou difusa: interessa a todos. A Constituição reforça essa idéia ao falar no direito e no dever de todos ao meio-ambiente equilibrado[3] .

    E vai além, não limitando os direitos à nossa geração (presente), mas também estendendo essa proteção àqueles que virão depois de nós (gerações futuras). Essa relevância – que transcende ao nosso momento presente – é o que justifica a especialização e legitima o tratamento diferenciado às questões jurídico-ambientais na organização judiciária.

    2. A Vara Ambiental de Porto Alegre e sua competência:

    Essa Vara Ambiental de Porto Alegre tem competência privativa em relação às demais varas da Subseção Judiciária de Porto Alegre para processar e julgar ações que envolvam o direito ambiental, tanto no âmbito cível quanto criminal. Sua competência abrange todas as ações em que, direta ou indiretamente, venha a ser discutido o direito ambiental, com ou sem exclusividade[4] . Mas sua competência territorial não alcança toda a seção judiciária do Rio Grande do Sul, limitando-se a Porto Alegre[5] .

    Atuando há três anos na Vara Ambiental de Porto Alegre e observando também o que se passa nas outras unidades judiciárias, o que percebo é que cada lugar tem suas peculiaridades no tocante às ações envolvendo o meio ambiente. As ações propostas não obedecem a uma lógica matemática, mas decorrem de características e peculiaridades regionais, dependendo muito do que acontece e existe em cada local. Por exemplo, vão influenciar no número e na natureza das ações ambientais propostas: (a) a existência de áreas indígenas ou comunidades quilombolas; (b) a existência de unidades de conservação ou a disponibilidade de recursos minerais explorados; (c) o nível de organização da sociedade civil para defesa de direitos ambientais; (d) a existência de nível mínimo de qualidade de vida e de desenvolvimento econômico que permita a preocupação com o ambiente; (e) a forma como estão estruturados as polícias e os órgãos ambientais, bem como a forma se fiscaliza, apura e reprime as infrações ambientais, etc. Tudo isso interfere na propositura de ações ambientais porque o Judiciário depende da iniciativa dos outros atores sociais e públicos.

    A competência da Vara envolve questões cível-ambientais (ambientes natural, cultural e urbano); criminal-ambientais (crimes contra o meio ambiente e aqueles conexos); agrárias (desapropriação para fins de reforma agrária); e cível-residuais (idênticas às demais Varas Federais Cíveis).

    Falando especificamente da Vara Ambiental de Porto Alegre, a maioria dos processos ambientais que lá tramitam versa sobre: (a) anulação de atos do IBAMA quanto ao poder de polícia e fiscalização ambiental (autos de infração e multas aplicadas pelo IBAMA; liberação de bens apreendidos); (b) licenciamento ambiental (comércio de combustíveis em zona urbana; usinas hidrelétricas; greve de serviços públicos); (c) exploração de recursos minerais (areia, carvão, águas minerais, pedreiras, etc); (d) ocupação de praias e do litoral (quiosques na beira-mar; vegetação das dunas; construções irregulares; taxa de ocupação e terrenos de marinha; construção de sistemas de coleta e tratamento de esgotos em cidades do litoral); (e) florestas e vegetação (corte de árvores; destruição de mata nativa; supressão de vegetação para agricultura; queimadas na zona rural; agrotóxicos; organismos geneticamente modificados); (f) animais silvestres e fauna (crimes contra a fauna; cativeiro e abate de animais silvestres; “domesticação” de animais silvestres; uso de animais em experiências); (g) pesca (pesca de arrasto no litoral; cadastramento de pescadores na Lagoa do Peixe; pesca em unidades de conservação; comercialização de pescado proibido); (h) unidades de conservação existentes no respectivo território (desapropriação e demarcação de unidades de conservação; plano de manejo de parque; conflitos com as comunidades locais; crimes praticados no interior e no entorno de unidade de conservação; erradicação de vegetação exótica invasora); (i) ordenação do solo urbano (estudo de impacto de vizinhança; licenciamento urbano; destinação de resíduos e “lixões”); (j) patrimônio histórico (prédios tombados; direito de propriedade; comércio de obras sacras; reformas em prédio histórico); (l) direito das comunidades remanescentes de quilombos (posse, propriedade, usucapião, titulação; crimes contra o patrimônio cultural; Quilombolas de Casca, de Morro Alto, da Família Silva); (m) direito das comunidades indígenas e questões indígenas (ocupação tradicional de terras; processos demarcatórios; possessórias contra indígenas; disputas entre indígenas; Morro do Osso), entre outros.

    3. Algumas observações em três anos de jurisdição ambiental:

    Aproveitando o terceiro ano de instalação das Varas Ambientais na 4ª Região, gostaria de partilhar algumas experiências e reflexões sobre a jurisdição ambiental na Justiça Federal. Longe de ser uma avaliação crítica desses três anos, estou mais preocupado em apresentar uma visão prática do operador do direito, preocupado com as questões de efetividade e com o cumprimento da missão institucional do Poder Judiciário, enquanto integrante do Poder Público, de preservação e proteção do ambiente[6] . São observações simples, colhidas na experiência diária nessa jurisdição ambiental.

    Minha primeira observação é que o maior benefício que se tem com a especialização é tornar o direito ambiental prioritário no trabalho judiciário. A instalação de varas ambientais é opção institucional do Poder Judiciário, criando um espaço privilegiado dentro da organização judiciária para debater e enfrentar as questões ambientais sem que isso dependa da vontade ou ideologia desse ou daquele julgador. Mais do que apenas facilitar a condução dos processos, a especialização da jurisdição chama a atenção do juiz para as tensões e peculiaridades da questão ambiental (por exemplo, presente versus futuro, desenvolvimento versus preservação).

    Força o magistrado a colocar o ambiente e seus desdobramentos em sua agenda de prioridades.

    A especialização também evidencia aqueles que decidem as questões ambientais, permitindo à sociedade uma cobrança mais direta quanto ao trabalho judiciário.

    Uma segunda observação é que as ações ambientais dependem muito mais das peculiaridades do local onde são propostas do que do respectivo juiz. Arrisco dizer que cada uma das três varas terá suas peculiaridades no tocante às ações em tramitação porque as ações propostas não observarão uma lógica cartesiana, mas vão depender das características e peculiaridades regionais, fazendo prevalecer em cada local determinados tipos de ações. Por exemplo, vão influenciar no número e na natureza das ações ambientais fatores como: (a) a existência de áreas indígenas e comunidades quilombolas; (b) a existência de unidades de conservação e de recursos minerais disponíveis à exploração; (c) o nível de organização da sociedade civil para defesa dos direitos ambientais; (d) a existência de condições mínimas de vida e de desenvolvimento econômico que permitam a preocupação com o ambiente; (e) a forma como as polícias e órgãos ambientais estão estruturados para apuração das infrações ambientais. É interessante observar que os cidadãos geralmente não ficam indiferentes frente às ações ambientais. Elas despertam paixões e sentimentos de atração ou repulsa. Se o cidadão consegue ficar indiferente, por exemplo, diante de uma questão tributária ou previdenciária que não lhe atinja diretamente, geralmente isso não ocorre em se tratando de ações ambientais, que provocam uma tomada de posição das pessoas a favor ou contra a questão discutida. Por exemplo, alguns são favoráveis à caça esportiva, à construção de uma hidrelétrica ou à plantação de eucaliptos, por exemplo, enquanto outros são contrários. Dificilmente alguém consegue ficar indiferente a tais discussões justamente porque elas atingem direta ou indiretamente a todos.

    Uma terceira observação é que o papel do juiz é pequeno porque não detém a iniciativa para prevenir e reprimir danos ao ambiente. Sozinho, o juiz não pode salvar o mundo. Essa é uma das maiores dificuldades para que a vara ambiental consiga, sozinha, efetivar o direito ambiental: o juiz ambiental depende da iniciativa de outros agentes sociais e públicos. Ele deve julgar a partir do que foi pedido pelas partes e com base no que está nos autos. Ainda que a tutela ambiental envolva direitos difusos e coletivos, não parece prudente que o julgador se transforme em parte do processo ou defenda cegamente determinado interesse. O juiz não pode deixar de ser imparcial, ainda que esteja em discussão o direito ambiental. O juiz não pode sozinho buscar as infrações e apurar os culpados, ainda que pretenda proteger o ambiente. Para isso, existem as polícias ambientais, os órgãos de proteção ao meio ambiente, o Ministério Público. Para isso também a sociedade pode colaborar, seja o cidadão individualmente pela ação popular, sejam as associações coletivamente pela ação civil pública. A matéria-prima por excelência do trabalho nas Varas Ambientais são as ações civis públicas e o exercício do poder de polícia ambiental.

    Uma quarta observação é que esses outros agentes públicos ou sociais nem sempre conseguem dar conta da adequada proteção ambiental. De um lado, a esfera pública muitas vezes se mostra ineficiente na fiscalização e repressão ambiental. As estruturas burocráticas engessam os servidores; a falta de recursos impede uma fiscalização mais efetiva; o descompasso entre áreas técnicas e esferas políticas causa atritos que impedem uma atuação proveitosa do órgão; a fiscalização ambiental acaba sendo eventual ou acidental. Enfim, falta um real comprometimento do poder público com a causa ambiental. De outro lado, com raras e honrosas exceções, os cidadãos dão mostras de cansaço e descrédito. São poucos os que continuam teimando e lutando para que as coisas mudem e o planeta seja salvo. Eles, felizmente, existem, mas são poucos e às vezes cansam. O ativismo ambiental exige do cidadão uma doação de seu tempo e de sua vida, muitas vezes sem um retorno imediato. É um trabalho muito mais de resistência e sobrevivência. Por sua vez, o poder econômico é forte, sabendo seduzir e contornar qualquer obstáculo, desanimando aqueles poucos que ainda insistem em resistir. Os grandes empreendimentos acabam sendo licenciados, contornando qualquer dificuldade surgida.

    Uma quinta observação é que o juiz deve proteger o direito de todos, da maioria, da minoria e mesmo de um só. Para alcançar esse fim, é preciso manter-se imparcial, o que não significa permanecer cego ou surdo. Embora não possa iniciar o processo, o juiz pode utilizar a prerrogativa do impulso oficial e os poderes de direção processual para buscar uma sentença justa e uma jurisdição efetiva. Especialmente quanto ao juiz de primeiro grau, é importante salientar o uso que pode ser feito do saneamento do processo, da participação do juiz na instrução e do dever de motivação das decisões para uma tutela jurisdicional efetiva. É preciso fazer justiça utilizando o devido processo legal.

    Embora seja o óbvio, é conveniente reforçar que o juiz ambiental deve conduzir e sanear o processo. O juiz deve estar atento para que o processo não substitua o inquérito prévio ou a investigação preliminar. O processo é lugar para provar fatos, não para sindicar possibilidades.

    Parece essencial que o juiz conduza o processo preocupado com sua utilidade e efetividade, pensando sempre na sentença que deverá proferir ao final. Desde o recebimento da petição inicial, o juiz deve criar condições para que a sentença de mérito seja proferida. Nas fases de postulação e de instrução, o juiz deve estar pensando na sentença. Isso não significa que vá prejulgar os fatos ou manifestar-se desde logo sobre o mérito da lide, mas tão-somente que permanecerá atento para controlar a regularidade do processo, conduzindo-o saudável até o momento da sentença.

    O juiz ambiental deve atuar efetivamente na instrução do processo. Deve estar atento para que as partes estejam bem representadas e para que os interesses estejam suficientemente defendidos. As falhas na instrução do processo devem ser corrigidas pelo juiz, cobrando das partes uma participação efetiva e, principalmente, adotando providências para que a verdade real seja buscada, especialmente quando os interesses transcendem às partes. O juiz deve julgar com base no que consta dos autos, mas isso não o impede de trazer aos autos os elementos de convicção necessários à justiça material. É prudente que o juiz se mantenha eqüidistante dos interesses envolvidos, mas consciente de que deve utilizar os instrumentos do processo para afastar a cegueira e evitar a parcialidade.

    O juiz ambiental deve considerar todas as perspectivas envolvidas na lide, fundamentando e sendo preciso em suas decisões. Para decidir o presente deve olhar o passado e imaginar o futuro. Tem compromisso não apenas com o momento presente, mas também com as gerações futuras que serão atingidas pelas opções feitas no agora. É preciso que esse juiz tenha a coragem de ser imparcial, protegendo os direitos de todos mesmo quando corra o risco de afrontar o discurso que pareça em sua retórica politicamente correto, não se deixando seduzir pela opinião de uma maioria cega ou pelo clamor do instante presente. Seu dever é para com toda a sociedade, gerações presentes e futuras. Outra peculiaridade das ações ambientais é que deixam marcas na história da comunidade. Embora muitas vezes a memória social seja fraca e os responsáveis sejam muitas vezes esquecidos, o que é decidido nos processos ambientais repercute no tempo e no espaço de determinada comunidade. Por isso, é essencial que esse juiz demonstre os motivos de seu convencimento, exibindo às partes, à sociedade e ao futuro as razões que o levaram a decidir.

    Uma sexta observação que convém ser acrescentada é que o dever do juiz explicitar seu convencimento é o grande antídoto para combater uma das desvantagens da especialização: a concentração das decisões nas mãos de menos julgadores. Não obstante existam ganhos nessa concentração, há uma redução no universo dos juízes de primeiro grau que irão apreciar as causas ambientais: as ações ambientais, antes distribuídas entre vários juízes, serão doravante julgadas numa única vara. Com isso, perdem-se a riqueza de opiniões e a multiplicidade de perspectivas que os diversos julgadores trariam com suas decisões. Menos juízes e menos cabeças julgando podem resultar em menos idéias e menos perspectivas. Justamente aqui parece então essencial a exigência de fundamentação nas decisões para que as partes, as instâncias recursais e a sociedade possam controlar o trabalho daqueles poucos magistrados que terão o privilégio de julgar as questões ambientais.

    Por fim, convém seja feita uma última observação: havia uma época em que era fácil saber quem defendia o meio ambiente. Existiam os que eram a favor da preservação, enquanto outros queriam o desenvolvimento a qualquer custo. Hoje, todos têm o mesmo discurso. Todos dizem defender o meio ambiente e falam da importância de sua proteção. Até as empresas descobriram no apelo ambiental um valor para agregar às suas mercadorias, vendendo a imagem de “responsabilidade social” ou “preocupação sócio-ambiental”. O próprio poder público também muitas vezes se vale dessa propaganda ambiental para melhorar sua imagem institucional. Os discursos são homogêneos, embora as ações nem sempre sigam o que as palavras prometem. Ora, é muito difícil nesse mar de palavras saber quem é honesto e realmente se preocupa com o futuro do planeta. É difícil separar o joio do trigo nesses discursos homogêneos, politicamente corretos e nem sempre bem-intencionados. O próprio movimento ambiental, outrora integrado por rebeldes e contestadores, perde seu rumo num mundo em que boas leis existem e todos dizem querer preservar o ambiente. Entretanto, é preciso estar atento e perceber que muitas vezes as reais intenções estão mascaradas pelos discursos bonitos e que as palavras, sozinhas, são insuficientes para revelar o que está por trás delas.

    Talvez a única saída seja fazer o que manda a Constituição quando diz que o poder público deve “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (art. 225 - § 1º-VI da CF/88). Só a conscientização pública e a educação ambiental serão capazes de salvar nosso planeta, despertando nosso senso crítico e nos fazendo perceber o que, às vezes, está além dos discursos. É urgente evoluir para compreender que nosso maior inimigo somos nós mesmos, seja porque estamos apáticos, seja porque estamos cansados, seja porque deixamos nos enganar por falsas palavras.

    Concluindo, em termos de Judiciário parece que apenas a criação de varas ambientais não resolve os problemas ambientais. É apenas um paliativo e pode facilmente transformar-se numa figura meramente retórica e decorativa se não houver comprometimento de todos com os valores constitucionais do art. 225 da Constituição . A instalação de varas ambientais é um importante passo em defesa do meio ambiente, mas somente produzirá efeitos se houver um real comprometimento da coletividade e do poder público para com a causa ambiental.

    Essa é a contribuição que gostaria de trazer ao debate sobre a especialização de varas ambientais, pedindo desculpas pela simplicidade das colocações, mas acreditando que na simplicidade das coisas é que estão as grandes verdades. Em matéria ambiental, essa parece ser a grande verdade: como somos nosso maior e mais perigoso inimigo, somente nossa educação e conscientização poderão nos salvar porque com elas virá uma postura mais ativa e crítica em relação aos discursos e intenções quanto ao uso dos ambientes e recursos do Planeta.

    ________________________________

    [1] Texto apresentado em painel sobre as Varas Ambientais Especializadas por ocasião do “Seminário de Direito Ambiental – ano IX”, realizado pelo Conselho da Justiça Federal e EMAGIS-TRF4ªR, em 28 e 29 de abril de 2008, em Florianópolis (SC).

    [2] No âmbito da 4ª Região, essa especialização foi feita com base no art. 3ºº da Lei966444 /98: “caberá ao TRF4ªR, mediante ato próprio, especializar Varas em qualquer matéria, estabelecer a respectiva localização, competência e jurisdição, bem como transferir sua sede de um Município para o outro, de acordo com a conveniência do Tribunal e a necessidade de agilização da prestação jurisdicional”.

    [3] O ar2252525 dCF/8888 diz que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

    [4] O art3º -§ únicoico da Resoluç54 54 /05 diz que “ficarão abrangidas pela competência da Vara Federal Ambiental, Agrária e Residual todas as ações em que, direta ou indiretamente, venha a ser discutido o Direito Ambiental, com ou sem exclusividade, incluindo a matéria criminal, excetuadas apenas as ações penais com denúncia recebida até a data da publicação desta Resolução”.

    [5] O ar1º. 1º da Resolu54o 54 /05 diz “atribuir competência especializada em Direito Ambiental e Agrário à 5ª Vara Federal Cível da Subseção Judiciária de Porto Alegre, sem prejuízo da competência remanescente sobre as demais matérias que não estejam vinculadas a uma Vara Federal ou aos Juizados Especiais Federais”. O art. 3º -caput da Resolução 54 /05 diz que “a área de jurisdição da Vara Federal Ambiental será a dos limites da Subseção Judiciária de Porto Alegre e sua competência abrangerá todas as ações de natureza ambiental e agrária, naquelas, exemplificativamente: (a) ações civis públicas; (b) mandados de segurança; (c) ações anulatórias de débito fiscal e tributação ambiental, inclusive relacionadas com importações, exportações e isenções; (d) execuções de sentença provisórias ou definitivas; (e) execuções fiscais; (f) exceções de pré-executividade ou embargos à execução; (g) direitos indígenas; (h) ações de indenização por danos sofridos individualmente, inclusive se fundamentadas no Código Civil ; (i) ações relacionadas com terrenos de marinha, pagamento de foro ou taxa de ocupação; (j) cartas precatórias; (k) atos administrativos relacionados com o meio ambiente cultural, patrimônio histórico e processos de jurisdição voluntária; (l) termos circunstanciados e processos crimes ambientais”.

    [6] Após prever o direito e o dever de todos à preservação do ambiente (art. 225 -caput da CF/88), são estabelecidas atribuições especificamente dirigidas ao Poder Público para efetivação daquele comando constitucional: “Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I- preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II- preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação do material genético; III- definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV- exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V- controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” (art. 225 -§ 1º da CF/88).

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-experiencia-de-varas-ambientais-especializadas/18756

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