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16 de Maio de 2024

A fiança como condição de liberdade no delito de receptação

Publicado por Dr Edson Cardoso
há 6 anos



A fiança como condição de liberdade no delito de receptação

Um dos delitos mais presentes nos processos que tramitam no Poder Judiciário é o de Receptação. O processo penal, como um todo que atinge na extrema maioria das vezes a classe menos favorecida economicamente da sociedade, aqui coloca como réu aquele que negocia alienações de bens por ínfimos valores e se vê detido ao ser flagrado com bem material, fruto de crime anterior.

Mas correta a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva nesses casos?

Mais uma vez, movidas por casos que chegaram ao nosso escritório, propomos a seguinte reflexão: quantas vezes você já viu anúncios de automóveis com valor extremamente abaixo do preço de mercado? E vendas de objetos como instrumentos musicais em aplicativos e sites com preço atrativo? Ou ainda vestimentas e acessórios de marcas famosas nestas mesmas condições?


Pode ser que você tenha plenas condições de adquirir os bens em lojas autorizadas e jamais tenha pensado em adquirir nada nas circunstâncias acima abordadas. Ou, pode ser que você faça parte do número significativo da população que vende, revende e/ou compra tais produtos, por se ver beneficiado ao ter um objeto desejado por um valor que caiba no seu orçamento.

Salientamos, desde já, que não estamos justificando a atitude daquele que adquire bem que saiba ser produto de crime, como prevê uma das condutas elencadas no artigo 180 do CP, o qual tipifica o delito de receptação. Mas nesta oportunidade, estamos buscando fazer o tão raro e difícil exercício da empatia.

Ocorre que diariamente sujeitos são encarcerados preventivamente – sim, em regime fechado – ao serem flagrados na posse de bem que havia sido furtado ou roubado anteriormente. Na maioria das vezes, carros e motocicletas.

O artigo 180 do CP prevê a pena de um a quatro anos, e multa. O artigo 313 do CPP aponta que é permitida a prisão preventiva nos delitos com pena máxima superior a quatro anos. Ora, se incabível a segregação cautelar, não seria da mesma forma, inadequada a sua substituição por medidas cautelares?

Não é assim que os Juízes, especialmente os de Porto Alegre e região metropolitana estão se manifestando em suas decisões. Em não raras oportunidades, o fundamento de manutenção da prisão preventiva é em razão de que o delito de receptação sustenta os demais crimes contra o patrimônio, como o furto e roubo. Assim, enquanto o receptador não for devidamente punido, os demais crimes permanecerão ocorrendo.

Ocorre que os Magistrados, com isso, estão buscando legislar em matéria penal, exorbitando os ditames legais estabelecidos pelo legislador pátrio e proferindo decisões diariamente que consistem em constrangimento ilegal à liberdade do indivíduo. Outrossim, tal fundamentação restringe-se a apontar a gravidade em abstrato do crime, não analisando os requisitos da prisão preventiva em sua grande maioria.


As condições pessoais dos réus são absolutamente ignoradas. Não importa se possuem endereço fixo, ocupação lícita, primariedade. Muitas manifestações dos Magistrados vêm apontando que tais circunstâncias não afastam o risco à ordem pública. Aquele mesmo risco à ordem pública “pré-existente” em todo processo que não é demonstrado em muitas decisões.

Então, a alternativa à manutenção da prisão provisória é a imposição da fiança. Muitas vezes uma fiança arbitrada em valores que fogem à realidade do próprio bem apreendido na posse do réu. Assim, resta ao réu o pagamento da fiança fixada ou então a manutenção da sua segregação em estabelecimento prisional de regime fechado.

Qual a legalidade de condicionar a liberdade do indivíduo ao pagamento de determinado valor como fiança, especialmente quando presentes indícios que demonstram a impossibilidade de efetivação do pagamento?

Nos parece que o prazer em punir, seja qual for o modo, supera o cumprimento legislativo. Não há que se admitir a condição da liberdade versus o pagamento da fiança, considerando que, se condenado for, não cumprirá pena em regime fechado!

Ainda, há de se recordar da atual situação dos cárceres brasileiros, abarrotados de detentos pelos mais diferentes delitos. Assim, plausível manter preso um réu indiciado por delito sem emprego de violência, que está nesta condição por não ter condições de arcar com a fiança arbitrada e que, se condenado, não irá cumprir pena em regime tão gravoso?

Não podemos olvidar, outrossim, que em razão da pena mínima fixada pelo legislador ter sido de um ano, para este delito cabe, inclusive, a suspensão condicional do processo, observadas as condições pessoais do agente e atendidos os requisitos legais. Ou seja, possivelmente aquele indiciado sequer venha a responder um processo penal!!!!

Assim, a reflexão que fica é sobre a atuação do Poder Judiciário nos delitos de receptação com a imposição da fiança como condição para concessão de liberdade provisória do indiciado, mesmo que posteriormente ele possa ser beneficiado com a suspensão condicional do processo ou, ainda, mesmo que responda o processo e sofra uma condenação, não cumprirá pena em regime fechado.

Mais uma vez, cabe à Defesa a atenção e zelo contra arbitrariedades!

fonte de pesquisa.

Bruna Lima

Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Advogada.

  • Sobre o autorEspecialista em Contratos e Direito Criminal
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