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17 de Junho de 2024
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    A morosidade da Justiça é culpa dos recursos? Não!

    Publicado por Espaço Vital
    há 13 anos

    Por Pedro Luiz Pozza,

    juiz de Direito (RS)

    Nos últimos meses surgiu, em vista de proposta do ministro Cezar Peluso, presidente do STF, a discussão acerca da morosidade da Justiça brasileira, por ele atribuída ao excesso de recursos que a legislação brasileira permite sejam interpostos, especialmente aos tribunais superiores e à suprema corte.

    Por isso, Peluso propôs, e teve grande receptividade, ao menos entre os magistrados, a mudança na nossa Constituição, a fim de que as decisões judiciais sejam cumpridas imediatamente, uma vez julgado o recurso pelos Tribunais de Apelação. Aliás, no dia 31 de maio, cerca de 90 juízes estiveram no

    STF prestigiando a iniciativa do eminente magistrado.

    A mesma manifestação sobre a plêiade de recursos foi dada pelo ministro Joaquim Barbosa, que diz que o Brasil é o único país que tem quatro instâncias recursais, e que essa circunstância seria a razão da demora dos processos no país, cujo Judiciário não funciona.

    Ouso, todavia, com a máxima vênia, divergir dos eminentes juízes, assim como dos que apoiam.

    Com efeito, na esfera cível, os recursos aos tribunais superiores, assim como ao STF, não têm efeito suspensivo, o que permite a execução imediata da sentença, ainda que de forma provisória, salvo a hipótese de concessão de medida cautelar por parte do tribunal ao qual for dirigido o apelo extremo, o que é bastante raro.

    Já na esfera criminal, do mesmo modo, não é o Código de Processo Penal, nem a Constituição, quem impede que um réu, uma vez condenado pelo Tribunal de Apelação, inicie imediatamente o cumprimento da pena.

    Aliás, Pimenta Neves, recentemente preso depois de o STF fulminar seu último recurso, quando

    condenado pelo Tribunal do Júri, em primeiro grau de jurisdição, teve sua prisão decretada pelo juiz, sendo solto em vista de um habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

    E tal decisão da corte paulista decorreu justamente da observância da jurisprudência do STF, hoje presidido pelo ministro Peluso que, interpretando o princípio da presunção de inocência, garantido no art. , inc. LVII, da Constituição, decidiu há alguns anos que o réu não poderia ser preso antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória, uma vez que assim dispõe o art. 637 do Código de Processo Penal (que se aplica também ao recurso especial).

    Ora, o princípio da presunção de inocência não é absoluto. Assim, não há necessidade de reforma da Constituição para que o réu, uma vez julgado o recurso pelo Tribunal de Apelação, inicie o cumprimento da pena, ainda que possa interpor recursos outros.

    Deve-se também lembrar que a morosidade da Justiça não é culpa apenas dos recursos. Muitas vezes é culpa dos juízes. Aliás, o STF, com a mais respeitosa vênia, é exemplo de tribunal moroso, sendo inúmeros os casos de processos que demoram mais de uma década para serem decididos.

    Um exemplo é o caso das ações diretas de inconstitucionalidade interpostas contra a EC nº 30/2000, cuja decisão sobre o pedido de liminar só findou em 2010, quando já em vigor a EC nº 62/2009, que submeteu os precatórios a mais um calote oficial. E, até hoje, o STF ainda não decidiu sobre o pedido de liminar nas ADIs ajuizadas contra a nova emenda. Será que vai demorar mais dez anos?

    Certo, o STF é um tribunal extremamente assoberbado, não podendo ser comparado com outras cortes constitucionais, pois a ele aportam milhares de recursos e novas ações a cada ano.

    Entretanto, algo poderia ser feito pela própria corte suprema brasileira para diminuir sua sobrecarga, ou ao menos para agilizar o andamento e julgamento das causas que lhe cabem.

    Primeiro, os ministros deveriam limitar-se, por ocasião dos julgamentos, a ler um simples resumo de seus votos, ao invés de fazer uma leitura de centenas de paginas. Vê-se, por exemplo, que a leitura do voto do ministro Ayres Brito quando do julgamento da questão relativa à união homo afetiva, ocorrido semanas atrás, exigiu uma tarde inteira.

    O mesmo ocorreu com o julgamento recente, ocorrido na semana passada, acerca do destino do italiano Cesare Batisti, pois apenas o voto do ministro Gilmar Mendes ocupou mais de duas horas. Tivessem os demais ministros feito o mesmo, talvez o julgamento ainda nem tivesse sido concluído.

    Não seria possível que o ministro antecipasse aos colegas o inteiro teor de seu voto, para prévio conhecimento, limitando-se, quando da sessão, a um simples resumo? Com certeza!

    Tal prática, aliás, é adotada pelo Tribunal de Justiça do RS, o mais operoso do país, há muitos anos, e com muito sucesso, o que permite o julgamento de centenas de recursos em uma só sessão, havendo discussão e sustentação oral apenas nos casos mais complicados.

    Além disso, os pedidos de vista por parte dos ministros do STF são utilizados em demasia, não se podendo admitir que, em plena era da informática, o julgador não tenha acesso prévio ao voto do relator, para que possa preparar seu voto e levá-lo pronto à sessão de julgamento.

    Isso permitiria que a maioria das decisões ocorresse num só dia, sem maiores delongas, e sem o prejuízo que hoje ocorre pela grande demora na solução de questões extremamente importantes para toda a sociedade brasileira.

    E, conforme mostra a experiência da corte suprema, muitas vezes o ministro que pede vista leva mais de

    um ano para trazer o processo novamente a julgamento.

    Ademais, poderiam os ministros alterar o regimento interno da corte, permitindo que a maioria das autoridades com foro privilegiado fossem julgadas pelas Turmas e não pelo Plenário, pois a Constituição não determina que o julgamento seja feito por todos os ministros, limitando-se a determinar que a competência é do STF para julgar, por exemplo, o presidente da República, membros do Congresso Nacional, não determinando qual o órgão da corte deve realizar o julgamento.

    Assim, perfeitamente possível que os processos criminais movidas contra senadores e deputados federais, que lamentavelmente existem às dezenas, fossem julgados por uma turma do STF, e não pelo Plenário da Corte.

    Alias, esse entendimento foi utilizado pelo TJ gaúcho, quando decidiu que os prefeitos municipais, que passaram a ter foro privilegiado com a Constituição de 1988, seriam julgados por uma câmara criminal, e não pelo Órgão Especial da Corte, decisão que foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, que afastou qualquer mácula de inconstitucionalidade.

    Veja-se que apenas quando o Supremo decide matéria constitucional, e apenas para declarar uma lei ou ato normativo inconstitucional, é que se exige a manifestação de toda a corte, em vista do princípio da reserva de plenário (Constituição Federal, art. 97), o mesmo devendo ocorrer no julgamento da ação declaratória de constitucionalidade e na ação de descumprimento de preceito fundamental.

    Nos demais casos, portanto, o STF pode decidir por suas turmas, o que agilizaria ainda mais os julgamentos.

    Além disso, a corte poderia propor ao Congresso Nacional que reduzisse a sua competência, não se justificando, por exemplo, que ao STF, diferentemente do que ocorre na grande maioria dos países civilizados, caiba o julgamento dos pedidos de extradição, que na maioria dos países são julgados por um juiz de primeiro grau, obviamente com a possibilidade de interposição de recurso ao juízo superior, como já foi feito, diga-se de passagem, pela EC nº 45/2004, que passou ao STJ a competência para a homologação de sentença estrangeira.

    Entretanto, se os ministros entendem que ainda devem julgar os pedidos de extradição, que ao menos passem essa competência às turmas do STF.

    Certo, quem é magistrado sabe que muitos juízes resistem em abrir mão de sua competência, porque isso significa abrir mão do poder de decidir. E o poder, sob todos os aspectos, é sedutor, mesmo que isso implique sobrecarga de trabalho, demora em decidir, prejuízo à saúde e mesmo à qualidade dos julgamentos etc.

    Entretanto, tais providências, às quais se podem somar muitas outras, serviriam para tornar nossa corte suprema mais próxima de uma verdadeira corte constitucional, permitindo-lhe cumprir, via de consequência, a função precípua de dizer a Constituição.

    Especificamente acerca da PEC dos Recursos, preconizada pelo ministro Peluso, trata-se, na verdade, conforme o texto da PEC nº 15/2011, de autoria do senador Ricardo Ferraço, de matéria de consequências extremas e perversas.

    Hoje, uma vez interposto o recurso extraordinário e/ou especial, tal obsta o trânsito em julgado da decisão, o que, ao menos na esfera cível, não impede a execução da sentença, ainda que de forma provisória. No crime, também não impediria; todavia, o STF, como já referido, já decidiu que o cumprimento da pena só pode ter início após o trânsito em julgado da sentença condenatória.

    No entanto, essa proposta de emenda constitucional, ao contrário do que inicialmente apregoado pelo ministro Peluso, acaba com os recursos extraordinário e especial. Assim, julgada a causa em segunda instância, haverá o trânsito em julgado.

    Caberá à parte vencida, querendo, interpor ação rescisória contra a sentença já transitada em julgado, sem, obviamente, efeito suspensivo.

    Note-se que se trata de uma grande mudança, pois ao invés de um simples recurso, a parte vencida terá de propor uma nova ação, com as consequências daí decorrentes citação, contestação, instrução etc. -, transformando o STF e o STJ em tribunais assoberbados por ações de competência originária, quando sua função precípua é a de julgar recursos, salvo, quanto ao Supremo, as ações diretas de inconstitucionalidade e algumas outras, especialmente criminais envolvendo autoridades com foro privilegiado.

    Além disso, se a parte vencida alegar que há fundado receio de sofrer prejuízo de difícil reparação ou até mesmo irreparável, buscará ela a antecipação da tutela junto ao tribunal competente para a julgamento da ação rescisória, ou mesmo o ajuizamento de ações cautelares, o que levará ainda mais sobrecarga às citadas cortes, que já não mais suportam o volume de trabalho a que submetidas.

    Será que os tribunais flexibilizarão a jurisprudência sedimentada, relativamente à ação rescisória, de que ela não suspende a execução da sentença?

    Não se olvide, ainda, de que muitos Tribunais de Apelação, e entre eles inclui-se o Tribunal de Justiça gaúcho o que decorre de questões culturais, difíceis de serem mudadas, uma delas o espírito de independência do gaúcho, tanto que já quisemos ser um país, ainda que isso tenha ocorrido há quase 200 anos -, persistem julgando causas em manifesta oposição à jurisprudência dominante do STF e STJ.

    Assim, a parte vencida, mesmo que a reforma da decisão de segunda instância seja praticamente certa, em vista da jurisprudência do STJ e/ou STF, terá de enfrentar um périplo tremendo para obter a rescisão daquela.

    De lembrar, também, o custo especialmente alto para a parte vencida em tendo de propor uma demanda diretamente no STF ou STJ, muito superior em relação à interposição de um recurso perante o tribunal estadual ou regional federal.

    Veja-se, por exemplo, que se a parte vencida tiver sido assistida pela Defensoria Pública do Estado, como fará para propor a ação rescisória extraordinária ou especial. Será que o órgão citado, cuja estrutura já não atende às mínimas necessidades da população carente, terá condições de atuar junto ao STF e STJ? Por certo que não.

    Portanto, a mudança da Constituição Federal, como proposta, é extremamente perigosa, podendo a emenda ser pior do que o soneto (perdoem o trocadilho).

    Seria mais simples, inclusive sob o ponto de vista legislativo, colocar mais alguns óbices à interposição dos recursos extraordinário e especial, o que poderia ser feito por simples alteração na legislação ordinária, ao invés de modificar a nossa Constituição, que já é uma colcha de retalhos.

    Assim, por exemplo, na esfera cível, a lei poderia exigir, como ocorre há décadas na Justiça do Trabalho, a realização de depósito recursal, em valor correspondente à condenação ou, quem sabe, um percentual da mesma, que seria maior quanto maior fosse aquela.

    Além disso, a parte recorrente, se vencida, deveria ser penalizada com a imposição de novos honorários advocatícios, ou sua majoração, o que poderia ser feito, ainda, com a taxa de juros de mora, que poderia ser duplicada (ou triplicada) se o recorrente não tivesse êxito. E essa majoração seria tanto maior quanto mais poderoso fosse o recorrente, do ponto de vista econômico (bancos, empresas de telefonia,

    concessionárias de serviço público etc.).

    As próprias custas devidas pela interposição de recursos ao STF e STJ, hoje extremamente baixas, deveriam ser aumentadas, como ocorre em países como Estados Unidos ou Inglaterra, onde muitas vezes as despesas processuais somam milhões de dólares ou líbras esterlinas. Nem que esse aumento fosse imposto pelo tribunal superior, uma vez desprovido o recurso.

    Na esfera criminal, como se disse, bastaria ao STF mudar sua jurisprudência, admitindo o início do cumprimento da pena tão logo ocorra o julgamento do recurso pelo tribunal de segunda instância e mesmo interposto recurso extraordinário e/ou especial.

    Logicamente, se admitido o recurso, poder-se-ia relaxar a prisão e, nesse caso, o prazo prescricional seria imediatamente interrompido, o que desestimularia a interposição do recurso apenas visando à consumação da prescrição.

    Portanto, não se busque reduzir o congestionamento das cortes superiores com a violação ao direito da parte ter o acesso a esses tribunais. Há muitas outras soluções a serem adotadas, ao invés de simplesmente fazer o que se pretende.

    plpozza@viars.com.br

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-morosidade-da-justica-e-culpa-dos-recursos-nao/2739412

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