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21 de Junho de 2024

A sucessão do companheiro e a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil

Publicado por Correio Forense
há 7 anos

No que tange às disposições de sucessão em geral, o direito do companheiro encontra-se previsto em único artigo, a saber:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.



Muito embora hoje o instituto da União Estável já esteja equiparado ao casamento em inúmeros fatores, ao se falar em Direito Sucessório, a grande verdade é que o Código Civil trouxe uma série de prejuízos ao companheiro sobrevivente, a exemplo do que o próprio artigo supracitado dispõe:

Não reconhece o companheiro como herdeiro necessário;
Não lhe assegura quota mínima;
Está em 4º lugar na ordem de vocação hereditária, depois dos herdeiros colaterais;
Limita o direito concorrente aos bens adquiridos de forma onerosa na constância da união;
Não possui direito real de habitação
Apenas recebe a totalidade da herança em caso de inexistência de herdeiro.




Muito assertiva sempre em suas colocações, Maria Berenice Dias vê a situação como verdadeira afronta ao princípio da igualdade, na medida em que, reconhecendo o cônjuge como herdeiro necessário, não o faz com o companheiro.

Quer dizer, o cônjuge ocupa a terceira posição na ordem de vocação hereditária, depois de descendentes e ascendentes, enquanto o companheiro, por sua vez, encontra-se no último lugar, recebendo a totalidade da herança apenas se o companheiro falecido não tiver nenhum parente (irmão, tio, sobrinho, tio-avô, sobrinho-neto ou um primo sequer)[1].

É manifestamente inconstitucional. E cada vez defende-se essa tese, na medida em que a união estável é reconhecida como entidade familiar pela Carta Magna (art. 226, § 3º), que em nenhum momento concedeu ou concede tratamento desigual a qualquer das formas de constituição da família.

Dito isso, resta claro que o art. 1.790 do Código Civil representa muito mais do que uma forma de discriminação, mas também um retrocesso ao instituto na União estável – instituto esse que passou por um longo caminho (tendo sido inclusive taxada como união indigna) até ser reconhecido como entidade familiar.

Rodrigo da Cunha Pereira, citado por Maria Berenice Dias, é enfático ao escrever que o companheiro se encontra em uma posição muito inferior ao cônjuge e, ao que parece, retomou-se a mentalidade de que a união estável seria uma família de segunda classe e não uma outra espécie de família, nem melhor nem pior do que o casamento, apenas diferente.

Sendo certo que a Constituição Federal equiparou expressamente o casamento à união estável, o Código Civil, ao limitar e restringir direitos ao companheiro, não está garantindo tratamento isonômico, esse assegurado constitucionalmente.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que defende veementemente a inconstitucionalidade do artigo 1.790, participou do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878694, com repercussão geral reconhecida, na condição de amicus curiae, em agosto de 2016, recurso este que versa sobre a concorrência sucessória entre cônjuge e companheiro, no Supremo Tribunal Federal.
Sete ministros votaram favoravelmente à inconstitucionalidade do artigo 1.790 e o processo teve pedido de vista por parte do Ministro Dias Toffoli.

Enquanto aguardamos a decisão do STF, a nós resta repudiar referido dispositivo legal, seja pela sua nítida comparação discriminatória, seja pelo fato de contrariar sentimentos, fundamentos constitucionais e o próprio conceito de família, pois, “pelo jeito, a lei considera que no casamento o amor é mais intenso do que na união estável..”[2].

[1] DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 4ª Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora dos Tribunais, 2015, p.76.
[2] Op. Cit., p.80.

Autora: Carolini Cigolini Lando
Advogada inscrita na OAB/RS sob nº 95.064 e OAB/SP 384.323. Graduada no curso de Bacharelado em Direito pela Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (FADERGS) e Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Advogada Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM.

CF NOTA: O ministro Toffoli votou pela constitucionalidade do aludido dispositivo e o ministro Marco Aurélio pediu vistas.

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