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16 de Junho de 2024
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    Aí, esse Joaquim é sinistro. Tá enjaulando bacana

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 11 anos

    O primeiro julgamento

    Registro inicial 1: O título heterodoxo deste artigo por certo prenderá o leitor. Para saber o que quer dizer, terá que ler até o final.

    Registro inicial 2. Decisões judiciais são feitas para serem cumpridas, mas também para serem criticadas. Não penso que a Suprema Corte tem o direito de errar por último. Ao contrário: um colegiado, a partir da contemporânea Teoria do Direito, tem o dever de buscar a melhor resposta ou a resposta adequada à Constituição. Não me parece que ainda dê para pensar que os tempos de Rui Barbosa são os nossos tempos. Aliás, crítica por crítica, estamos todos autorizados a discutir a decisão do julgamento da AP 470. A começar pelo fato de o principal crítico do julgamento ser o próprio presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa. Segundo a ConJur, de 21 de dezembro de 2012 ( clique aqui para ler), O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, disse, nesta quinta-feira (20/12) que uma leitura errônea feita por alguns de seus colegas no Plenário levou ao estabelecimento de penas muito baixas para os réus condenados no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão.

    Pronto. E nós vamos em frente.

    Com efeito. O primeiro julgamento da história é contado por Eurípedes, na Orestéia. Foi tão importante e tão emblemático, que estabeleceu padrões que ainda vigoram, tais como o número de jurados, o voto de Minerva, a ordem das falas, privilegiando-se o direito de defesa, o in dubio pro reo, dentre tantos outros.

    O julgamento da AP 470 também foi importante e emblemático, só que não pelos mesmos motivos. Não se criou um novo modo de julgar nem se aperfeiçoou o vigente. Nem haveria de ser, eis que as amarras democráticas vedam que isso que se configuraria em efeito surpresa. Depois que o jogo começa (essa nossa mania de analogias com o futebol...), mudar as regras significa mudar o jogo. Embora, em alguns momentos, houvesse alguns gols em off side (quando garoto, impedimento se chamava de off side).

    De se ressaltar, contudo, que a publicidade do case e as suas particularidades envolvendo gente do andar de cima fizeram com que cada passo do julgamento fosse acompanhado em tempo real, comentado por gente que sabe muito, sabe pouco ou nada sabe daquela arte, expondo um problema que há anos denuncio (dentre tantos): estamos mal e precisamos repensar como se lida com o direito em terrae brasilis. Nada como o caso concreto para denunciar a importância de uma teoria adequada que dê suporte ao intérprete... Em tempos de simplificações e esquematizações, o déficit teórico gritou a plenos pulmões nossas limitações, revelando o que andamos fazendo e anunciando como seguiremos fazendo justiça (sic)... E isso também foi transmitido em tempo real!

    A doutrina e a cultura manualesca

    Está registrado nos anais da casa, constará nos votos que serão divulgados na íntegra no site do Supremo e, inclusive, pode ser visto pelo YouTube, que, dentre os penalistas (e processualistas penais) pátrios mais citados, estão Damásio de Jesus, Mirabete, Heleno Fragoso, Nelson Hungria, Guilherme Nucci.

    Claro que eles não foram os únicos citados. Eu mesmo fui referido, bem como ilustres juristas que trabalham o Direito e o Processo Penal na atualidade, v.g. Aury Lopes Jr., André Callegari etc. Mas os efeitos desse protagonismo do fantasma do natal passado podem ser claramente sentidos.

    Vale destacar que minha coluna aqui na ConJur foi o espaço que elegi para trabalhar todas essas questões que se desenvolviam ao longo do julgamento, tais como Direito AM-DM (clique aqui para ler), O Fator Júlia Roberts (clique aqui para ler) e Aqui se faz, aqui se paga ou o que atesta o malatesta? (clique aqui para ler) e outras que referirei, mas como esse é um comentário sobre o julgamento como um todo, faz-se importante retomar tais pontos para demonstrar como o descompasso teórico gera efeitos danosos.

    Houve recorrência à citação de alguns manuais de baixa densidade teórica. Isto porque um manual regra geral é algo simplificador (cada um com seus propósitos, que devem ser respeitados). Efetivamente, no mundo do realjuridik, manuais (algo como Comentários ao Código Penal, recheado de verbetes coisa muito comum na realjuridik), por vezes, são caminhos possíveis para se introduzir de forma leve um determinado debate complexo. Mas é certo que nenhuma discussão jurídica de nível profundo pode se resumir a um instrumento que deveria ser meramente introdutório (sim, eu esperode um julgamento na Corte Suprema uma maior sofisticação; o STF é, sim, um espaço de discussão de grandes teses, a despeito de quem pense o contrário).

    De todo modo, não parece ser a pretensão dos autores que se dedicam aos manuais ou compêndios com verbetes prê-à-porters. Esse material se destina, stricto sensu, a graduandos e cursos/escolas de preparação para concursos. Mas, no julgamento do mensalão, viraram argumento de autoridade. Sem dúvida, é um sintoma da crise do Direito. Com relação a Hungria, dá a impressão que nada foi produzido depois dos anos 50 no Brasil... Vendo o julgamento da AP 470, dá a impressão que a doutrina é singelíssima, porque cabe nos mais singelos manuais. Na maioria dos manuais que foram citados pelo STF no julgamento da AP 470, há uma baixa densidade constitucional, na medida em que não há grandes referências na verdade, raras à Constituição (ou à necessidade de uma filtragem dos Códigos em face do advento da CF/88). E assim por diante.

    Outra questão é a relação do discurso jurídico com a Teoria do Direito. O trato da questão da verdade se mostrou extremamente precário. No julgamento da AP 470, ouvi vários causídicos falarem na e sobre a verdade. Ouvi um deles dizer que a verdade estava nos autos e que as provas fala (ri) am por si (sic) (ao que entendi, o processo revelaria uma verdade intrínseca, é isso?); outro foi para a outra ponta da filosofia, ao verberar, com incrível convicção, que a verdade não existe; que é relativa. Como assim, Doutor? Se ela não existe... então, é por isso mesmo que o que Vossa Excelência acabou de dizer não é verdadeiro. Bingo! Vossa Excelência caiu em um paradoxo. Um pequeno registro, a latere: vários ministros do STF também falaram em verdade real (isso será assunto de uma Coluna Senso Incomum).

    Domínio do Fato, Mal-Atesta etc.

    O julgamento também desnudou a falta de tato que temos com a doutrina penal especializada, principalmente com a estrangeira. Raramente as lemos no original. Normalmente, ocupamo-nos de referências de referências (ou referências de referências de outras referências). Por exemplo, a teoria do domínio do fato foi posta pelo PGR de forma muito singela e recebida como algo inovador que viria para responder ao caso concreto. Não parece que a teoria do domínio do fato seja algo novo...! O que foi feito ou tem sido feito é uma transposição acrítica e desfocalizada de algo complexo, da mesma forma como fizemos com o ativismo, o realismo, a ponderação [1] etc. (somos bons nisso). No fundo, o domínio do fato se transformou em um álibi teórico para justificar um conceito previamente formulado. Trabalhei a questão aqui na ConJur, no artigo Domínio do fato tipo ponderação (clique aqui para ler), enquanto assistia aos comentários desnorteados que eram feitos nas grandes emissoras de televisão.

    Pior do que isso foi a ressurreição do velho Malatesta, autor do século XIX muito citado e pouco lido (pouco mesmo). Eu tive a pachorra de ver o que ele mal-atesta. Pois com Malatesta, disse-se no julgamento da AP 470 que o ordinário se presume; só o extraordinário se prova. Ora, digo eu, o-ordinário-que-se-presume-éoestado- de-inocência, garantia essencial ao Estado Democrático de Direito, que, por mais de uma vez (e pela boca de mais de um ministro), foi tratada como passível de relativização (essa posição, aliás, foi muito elogiada na imprensa, mormente pelo Imortal Merval Pereira, que se mostrou um bom torcedor contra os réus, deixando de lado a imparcialidade que se exige de um jornalista que ocupa um espaço como o dele).

    Fico a imaginar se o advogado da causa tivesse ele lido Malatesta levantasse um pela ordem, Excelências para mostrar que o festejado Dr. Nicola (esse é nome do Malatesta), duas páginas depois, não dizia exatamente isso. E se o STF não lhe concedesse a questão de ordem, sob o pretexto de que somente poderia levantar questão de fato, o Doutor que, ao que consta, foi escolhido como um dos 100 maiores líderes do país sic, conforme a Revista Época (com direito a um longo elogio da lavra do Dr. Kakay, que, de forma lapidar, disse já ter previsto em 2005 que a causa do mensalão estava perdida sic e mais um sic) [2] poderia redarguir: mas, Excelências, falar da história é, também, uma questão de fato; e fatos são eventos; e eventos são textos. Pois é. No caso, a interpretação equivocada de Malatesta não fazia justiça aos fatos históricos... (se compreendem o que quero dizer). Exatamente por isso era cabível o pela ordem! Já pensaram o furdunço que isso poderia dar?

    Mas, sigo. Quando se fala em flexibilização de garantias, é porque nem o básico anda sendo bem feito. O professor Joaquim Falcão procurando salvar essa flexibilização ainda afirmou: A terceira conclusão é que a doutrina não pode exigir uma prova legal impossível, para punir um crime. Não é apenas a ordem escrita e gravada da autoridade, seu próprio suicídio legal que pode ser admitida em juízo. Há múltiplos indícios convergentes. Há o conjunto probatório dos fatos, repetia Joaquim Barbosa. Exigir a prova impossível é querer absolver o réu, sem julgá-lo. Se no futuro juízes condenarem sem provas ou indícios, apenas pelo cargo que o réu ocupa, o Supremo controlará o excesso. Ou seja, para o Dr. Joaquim Falcão, isso estaria correto...! Como assim, Professor?

    Imagino como ficariam os já abarrotados escaninhos da corte constitucional... Imagino também o trabalho da Defensoria Pública ao manejar tantos REs. Ou só devem subir-os-recursos-de-quem-tiver-bons-(e caros)-advogados? O professor Joaquim Falcão não levou em consideração isso? Em que país estamos? Quer dizer que podemos flexibilizar as provas e depois confiar que o STF faça a correção? Confesso que não entendi. E quem corrige o Supremo, Professor Falcão? O Supremo tem o direito de errar por último? Minhas perguntas são apenas retóricas. Já sei a resposta!

    Veja-se, em linha similar, o modo como a possibilidade de condenação com base em indícios-não-judicializados (e crivados pelo contraditório) foi posta em plenário (em que pese o zelo em não dizer expressamente o que se estava a defender, tamanho o problema que isso simbolizava), verbis:

    A prova há de ser considerada no julgamento criminal, sem dúvida, quando realizada sob o contraditório, conforme estabelecido expressamente no art. 155 do CPP. Isso não significa, porém, que o juiz não possa considerar para a formação de sua livre convicção, elementos informativos colhidos na fase de inquérito.

    Ainda:

    Essa função persuasiva da prova é a que mais bem se coaduna com o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, previsto no art. 155 do CPP e no art. 93, IX, da Carta Magna, pelo qual o magistrado avalia livremente os elementos probatórios colhidos na instrução, mas tem a obrigação de fundamentar sua decisão, indicando expressamente suas razões de decidir. (ministro Luiz Fux).

    Desfiei tais questões em Direito AM-DM (leia aqui), mas a doutrina (em geral) assistiu calada! Dia desses, li uma entrevista de um jovem penalista, que fez uma aguda e, digamos assim, animada crítica à questão da interpretação do crime de lavagem de dinheiro e ao uso da teoria do domínio do fato pelo STF. Gostei... Só lamento que tenha sido um discurso sobre um cadáver. A crítica do jovem causídico chegou tarde. Inês é morta. Aliás, terminado o julgamento, muitos haverão de aparecer com discursos do mesmo jaez. Vigorosos. Duros. Implacáveis... dizendo o que já foi dito. E sem citar fontes, é claro (aliás, quem cita fontes no Brasil é garrafa de água mineral!). Discursos sobre cadáveres, sim. Mais ou menos nos moldes como faz um famoso senador gaúcho nos seus discursos no Senado: depois que o fato está consumado, muito brilho na fala (já falada)! Mas ele é duro. Incisivo!

    O senso comum doutrinário

    O que restou claro? Sem dúvida, o julgamento do mensalão representou um reforço do protagonismo judicial. Bem ao gosto de boa parte dos processualistas de terrae brasilis. Em vários momentos o STF falou desse protagonismo, do papel quase heroico que assumia a Suprema Corte no combate à corrupção. Também isso ficou patente quando se invocou a livre apreciação da prova e/ou o livre convencimento. Aliás, gostaria de ver a crítica da comunidade jurídica sobre isso, mesmo que agora Inês esteja morta.

    Relembro e não me canso de relembrar isso que a aposta no protagonismo judicial é produto de um resquício (ainda forte) das teses do realismo jurídico. Nesse sentido, isso é bem detectado e denunciado pelo jusfilósofo e constitucionalista espanhol Alfonso Garcia Figueroa, quando faz uma crítica a várias categorias centrais da motivação judicial, mostrando que existe um certo realismo (jurídico) inconsciente em alguns juristas. Há pouco, fiz uma coluna (O passado, o presente e o futuro do STF em três atos), analisando a forte presença das teses realistas no seio da nossa Suprema Corte (leia aqui).

    Na verdade, repristinam-se, de forma descontextualizada e incompatíveis com o atual contexto jurídico, velhas teses voluntaristas de um momento de fragilidade do Direito, em que esse tipo de postura (Jurisprudência dos Interesses, Escola do Direito Livre, Realismo Jurídico) ganhavam espaço em face do enfrentamento necessário ao velho positivismo. No Direito processual, por exemplo, é nesse momento (final do século XIX e início do século XX) que surgem as teses de autores como Anton Menger e Franz Klein, que apostam no poder de juiz para superar a frieza do Direito, que se esgotava no texto legal.

    Na doutrina processualista, por exemplo, vemos sendo citados frequentemente as figuras de Carnelutti e Chiovenda, este último sendo utilizado pelo ministro Luiz Fux para dizer que o juiz tem o direito de fazer coisa julgada, e sua palavra é a norma, ainda que haja divergências dentro do plenário, ressuscitando um velho álibi teórico que legitima o livre convencimento do juiz. Sim, isso também fez parte do julgamento da AP 470.

    Aliás, com o livre convencimento vem a livre apreciação da prova, lugar comum na AP 470, e que agora surge sob uma nova feição: livre convencimento motivado. Criticados pelo uso da prova indiciária (produzida sem contraditório) durante o julgamento, os ministros vale (ra) m-se do livre convencimento motivado como argumento, pois agora e estou repetindo ipsis literis o que foi dito a prova indiciária pode ser utilizada, mas não pode ser a única fonte para a formação do livre convencimento do juiz.

    Como assim livre convencimento motivado? Quer dizer que o juiz pode analisar a prova como quer e decidir como bem entende, bastando que haja qualquer tipo de prova, ou, pior ainda, indícios de autoria ou materialidade? Ora, Otelo tinha motivação para matar Desdêmona; entretanto, essa motivação não tinha justificativa. Todos nós temos motivos para fazer algo; daí a estarem tais motivos justificados a distância é grande.

    Portanto e agora que estamos em véspera de aprovação de novos Códigos Processuais está na hora de d...

    Ver notícia na íntegra em Consultor Jurídico

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