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5 de Maio de 2024

Alguns problemas decorrentes da Nova Regra de Citação prevista pelo Novo CPC

Publicado por Justificando
há 8 anos

Você já se imaginou voltar de viagem, após um longo período de estudos fora do país ou até mesmo após o retorno de suas tão merecidas férias, e deparar-se com a notícia de que você deveria ter comparecido a uma audiência de conciliação sob pena de prática de ato atentatório à dignidade da justiça, sendo punido com multa de 2% sobre o valor de um processo que sequer você tinha conhecimento?

Ou pior: você já se imaginou ser pego de surpresa com a ocorrência de revelia de um processo do qual você também não teve ciência, mas para o qual você foi dado como citado, nos termos da lei?

Não pense que a situação não pode piorar. Você já se imaginou viajando e, de repente, quando você resolve realizar um pagamento ou um saque, não conseguir, uma vez que você teve os valores de sua conta penhorados novamente em razão de um processo que você sequer sabia da existência?

Tais situações podem vir a acontecer, de acordo com o Novo CPC.

Isto porque, de acordo com a regra geral prevista para o Novo CPC, “a citação será feita pelo correio”, como regra (art. 247). Esta, aliás, já era a regra do CPC/1973. A novidade reside no § 4º, do art. 248, segundo o qual nas hipóteses de o citando residir em condomínio edilício ou em loteamento com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência (§ 4º do art. 248).

Visou o legislador uma maior simplicidade, informalidade e celeridade ao ato citatório. Isso porque usualmente, as correspondências são entregues aos seus respectivos destinatários – como regra ou, ao menos, são colocadas nas caixas de correio da unidade autônoma, para retirada pelo condômino.

Ocorre, entretanto, que o morador será tido por citado a partir do momento em que a correspondência foi entregue pelo carteiro ao porteiro ou funcionário responsável pelo recebimento das correspondências, que poderá recusar o recebimento, declarando, por escrito e, nos termos da Lei, que o morador não se encontra. Caso contrário, o morador será tido por citado.

Não obstante, como sabemos, tal citação não é certeza de que o morador tomou ciência. Apesar de a citação não ter sido realizada pessoalmente, ela é tida pelo ordenamento como modalidade de citação real.

Diante da problemática apresentada no início do presente texto, verificamos a possibilidade de a pessoa ser pega de surpresa, tendo sido citada, quando sequer tomou ciência real sobre a existência da demanda, podendo, inclusive, ter suas contas penhoradas, uma vez que não há mais a vedação da citação postal nas execuções. O art. 247 não traz mais a vedação da citação postal para as execuções [1].

A problemática não para por aí. Pode até mesmo já ter transcorrido in albis eventual prazo para apresentação de defesa (seja na ação de conhecimento, seja na execução) e a pessoa não conseguir apresentar sua defesa até mesmo na execução.

O § 4º do art. 248, procurando dar prevalência à celeridade processual, esqueceu-se de que a celeridade processual não deve ser entendida como celeridade a todo custo – no caso, foi dada prevalência à celeridade em detrimento ao due process.

Se o réu ou o executado estiver fora do país ou em alguma localidade para onde viajou de ônibus, avião ou outro meio pelo qual consiga comprovar onde ainda está ou esteve durante o tempo, poderá comprovar que não tomou ciência da demanda (por meio da passagem de ônibus, navio, avião, por exemplo). Poderá também demonstrar que não estava em seu domicílio por meio de algum outro documento comprovantes de pedágio notas e comprovantes de despesas de outra localidade. Mas e se a pessoa foi para uma casa de veraneio no campo? Como comprovar que não estava em seu domicílio?

Perceba que houve uma inversão: o réu vai ter que provar que não tomou ciência. Tal situação, todavia, poderá não ser fácil em algumas das vezes. Nestas situações haverá uma mera presunção relativa de que a citação ocorreu, devendo ceder diante de prova em sentido contrário.

A problemática, contudo, pode ainda ser maior e mais complexa: pensemos na hipótese de extravio das comunicações – o que pode acontecer e, muitas das vezes, acontece. Quem nunca pegou em sua caixa de correio uma correspondência destinada a outra unidade ou não teve sua própria correspondência extraviada? Se o vizinho entregar a correspondência ao destinatário correto, problema resolvido. Mas e se não entregar? Isso sem falar na possibilidade de o empregado do condomínio, por uma razão qualquer, deixar de entregar a correspondência. Veja que o problema não é dos mais simples e aqui a situação piora, pois será ainda mais difícil fazer prova no sentido de afastar a presunção (ainda que relativa) de citação.

Apesar das problemáticas apontadas, verificamos que a doutrina vem entendendo pela possibilidade e validade desta citação na pessoa do porteiro ou empregado responsável pelo recebimento das correspondências [2]. Poucas são as manifestações em sentido contrário[3].

A nosso sentir, todavia, entendemos que esta modalidade de citação trará benefícios, fazendo com que o réu ou o executado compareça e que o processo tenha seu devido andamento (princípio da instrumentalidade das formas).

Não obstante, pensamos que se o interessado não comparecer, ele não poderá ser tido como revel, sofrer punição por não comparecimento à audiência de conciliação, nem ter sua conta penhorada. Tal presunção deve ser vista cum grano salis, devendo o magistrado tomar as cautelas devidas para evitar posterior alegação de nulidade. Isto porque, se aplicarmos à risca o § 4º do art. 248, haverá nulidade processual, pois inconstitucional. Tal nulidade, todavia, poderá ser suprida pelo comparecimento espontâneo do réu ou executado.

Desta forma, o § 4º do art. 248, se aplicado à risca, deve ser tido por inconstitucional. Entretanto, o comparecimento espontâneo do réu supre a nulidade desta citação.

Luiz Antonio Ferrari Neto é Especialista, Mestre e Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Advogado. Professor Universitário e Coordenador Jurídico de Contencioso. Membro da Comissão de Direito Processual Civil da OAB-SP – Subseção de Pinheiros. Membro do Centro de Estudos Avançados de Processo - CEAPRO.

REFERÊNCIAS

1 Há, na doutrina, quem defenda a necessidade de a citação nas execuções continuar sendo feita por meio de oficial de justiça. Nesse sentido: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 431 e 432. Em sentido contrário: ASSIS, Araken. Processo Civil Brasileiro. Vol. II. Tomo I. São Paulo: RT, 2015, p. 1531.

2 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 550;WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Op. Cit. P. 433; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JÚNIOR, André. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Forense, 2015, p. 757; OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Verbatim, 2015, p. 549; NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 793; BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 204; DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 17. Ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 610; ABDO, Helena. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et ali (Coord). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 698. A autora assevera, contudo, que esta regra não se aplica ao JEC, pois lá se exige a entrega do AR em “mão própria”.

3 A jurisprudência do STJ afirmava não ser possível essa forma de citação. A exemplo: SEC 1.102, rel. Min. Aldir Passarinho, j. 12.04.2010. ASSIS, Araken. Processo Civil Brasileiro. Vol. II. Tomo I. São Paulo: RT, 2015, p. 1537.

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