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5 de Maio de 2024
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    Anteprojeto do Ministério da Justiça que propõe alterações na Lei da Adoção e no ECA recebe críticas de especialistas

    As normas brasileiras que regem o processo de adoção estão prestes a sofrer modificações substanciais. Isso porque o Governo lançou consulta pública que prevê a alteração da Lei da Adoção (nº 12.010, de 3 de agosto de 2009), além de mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990) e no Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 – Consolidação das Leis de Trabalho. O anteprojeto visa à celeridade e desburocratização das ações, com o objetivo de assegurar às crianças e aos adolescentes o direito à convivência familiar. A partir do dia 4 de novembro, o Ministério da Justiça e Cidadania (MJC) vai analisar as sugestões oriundas da consulta, antes de enviar o texto final ao Congresso Nacional.

    De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualmente, no Brasil, mais de 46 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos, sendo que apenas sete mil, deste total, podem ser adotadas. Em contrapartida, 37 mil pessoas, aproximadamente, aguardam na fila nacional de candidatos a pais adotivos. Com o objetivo de suprir esta carência, o anteprojeto visa à regulamentação de prazos, definição de regras para entrega voluntária, além de mudanças na adoção internacional, feita por estrangeiros. Com isso, o Ministério da Justiça e Cidadania pretende estabelecer prazo de 90 dias para o estágio de convivência entre os pretendentes e a criança, sendo ainda respeitado o período de 120 dias até a concretização do perfilhamento.

    As duas etapas podem se repetir – totalizando um ano e dois meses, aproximadamente –, caso haja necessidade. Já no caso da entrega voluntária, o texto determina que a mãe tenha até dois meses para reivindicar a guarda da criança, havendo a possibilidade de indicar um parente para ser o guardião, caso se arrependa. Quanto à adoção internacional, a proposta prevê a diminuição do tempo mínimo de convivência prévia, de 30 para 15 dias, sendo estabelecido um prazo máximo de 45 dias, inexistente até então. O apadrinhamento afetivo também foi citado. Conforme o dispositivo, os padrinhos deverão ter 18 anos, no mínimo, além de serem dez anos mais velhos que o afilhado.



    Vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a advogada Maria Berenice Dias afirma que um movimento, iniciado pelo próprio Instituto, trouxe à tona questionamentos referentes à Lei da Adoção, provocando, assim, a apresentação deste anteprojeto. De acordo com ela, “o projeto trará mais percalços aos processos, pois não permitirá esta aceleração indispensável. Além disso, o cumprimento destes prazos não garantirá a efetividade necessária e não atenderá o interesse da própria criança”. Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, entende que quaisquer alterações que visam acelerar os procedimentos de adoção e destituição do poder familiar são sempre bem-vindas. Contudo, segundo ela, o anteprojeto não apresenta medidas que atendam a tal celeridade.

    “A diminuição do prazo de estágio de convivência, ou a limitação do tempo, não atende ao melhor interesse da criança, pois cada uma delas tem sua própria singularidade, e o período só poderá ser fixado a partir do acompanhamento do estágio. Algumas crianças podem requerer 30 dias, outras 90, já outras 180”, opina Silvana do Monte Moreira, para quem o tempo para a consulta pública foi exíguo. “Trinta dias para tratar do único sujeito de direito a quem foi conferida prioridade absoluta?! Absurdo. Também não vi, na redação deste anteprojeto, a participação dos atores da área da infância e da juventude. Os operadores – magistrados, promotores de justiça, defensores públicos, advogados, psicólogos e assistentes sociais que atuam nas varas da infância – não foram ouvidos”, critica.

    A advogada conta que há poucas semelhanças entre a proposta do Governo e o posicionamento do IBDFAM acerca do tema. “Basicamente, há mais discordâncias, como, por exemplo, no aspecto da entrega direta pela genitora da criança à vara da infância. No nosso entendimento, não cabe buscar o genitor, que não acompanhou a gestação e, muito menos, a família extensa, eis que crianças recém-nascidas não têm vínculos de afinidade ou afetividade com quem quer que seja, a não ser com a própria gestante com quem compartilhou o corpo por nove meses”. De acordo com ela, a entrega de um filho não é uma decisão fácil, e torná-la mais sofrida é um “absurdo”, fazendo-se necessário respeitar a vontade da mãe.

    No dia 20 de outubro, ocorreu uma reunião extraordinária da Comissão Nacional Intersetorial para acompanhamento da implementação do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, promovida pela Coordenação Geral de Convivência Familiar e Comunitária. Realizada na sede da Secretaria de Direitos Humanos, um dos pontos de discussão foi o PL que trata da alteração da Lei 8.069 e do Decreto-Lei 5.452.





    Já amanhã, 27, em São Paulo, na sede da AASP – Associação dos Advogados de São Paulo -, será realizada uma audiência pública com vistas à elaboração de substitutivos ao anteprojeto de Lei do Ministério da Justiça e Cidadania. Promovida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e pela AASP, a coordenação é de Maria Berenice Dias, Silvana do Monte Moreira e Viviane Girardi. O evento, das 14 às 18 horas, reunirá operadores do direito comprometidos com a causa da adoção.

    ADOÇÃO INTERNACIONAL

    A proposta do Governo prevê que, diante da ausência de pretendentes habilitados residentes no Brasil, com perfil compatível ao da criança ou do adolescente que esteja no cadastro, este será encaminhado imediatamente à adoção internacional, independentemente de decisão judicial. A norma pretende atender à alta demanda, já que, desde março – período em que o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ, iniciou a inclusão de pretendentes de outras nacionalidades –, 285 candidatos de outros países se habilitaram à adoção no Brasil.

    A adoção de crianças brasileiras por pais de outra nacionalidade só ocorre quando não se encontra uma família brasileira disponível e apta a acolher a criança ou o adolescente. Conforme o artigo 31 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a colocação da criança em família substituta estrangeira é uma medida excepcional, cabível somente para fins de adoção. E, para isso, o país de origem do adotante precisa, assim como o Brasil, ser signatário da Convenção de Haia (Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, de 29 de maio de 1993).

    Para a presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, Silvana do Monte Moreira, qualquer alteração nos termos da adoção internacional é “desnecessária”, pois a norma “funciona a contento da forma que hoje se encontra inserida no ECA, espelhando, inclusive, normativos internacionais”





    Confira o artigo de Mônica Labuto, juíza da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso do Rio de Janeiro e membro do IBDFAM: “Cadastro Nacional de Adoção – Empecilhos do novo sistema operacional”

    O Cadastro Nacional de Adoção foi criado em 29/4/2008, através da Resolução nº 54 do Conselho Nacional de Justiça, após a Campanha da AMB denominada “Mude um Destino” e da pesquisa IPEA, de 2004, que concluiu que havia cerca 40.000 crianças e adolescentes em unidades de acolhimento institucional, muitas delas sem qualquer processo ou mesmo comunicação do acolhimento ao Juiz da Vara de Infância competente.

    O CNA é um sistema de informações, hospedado nos servidores do CNJ, que consolida os dados de todas as Varas da Infância e da Juventude referentes a crianças e adolescentes em condições de serem adotados e a pretendentes habilitados à adoção.

    Importante ressaltar que o CNA foi criado pelo Conselho Nacional de Justiça antes da mudança legislativa do Estatuto da Criança e do Adolescente, a qual se seu posteriormente em 3 de agosto de 2009, através da Lei nº 12010, que dispôs sobre o tema no atual artigo 50 da citada norma legal.

    Após a criação do Cadastro Nacional de Adoção, o CNJ criou o Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas, através da Resolução nº 93, de 27 de outubro de 2009, com a finalidade de consolidar os dados de crianças e adolescentes acolhidos em unidade institucional ou em famílias acolhedoras em todo o país.

    O CNCA visa complementar o banco de dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e contém o histórico de crianças e adolescentes, destituídos ou não do poder familiar, que se encontram em entidades de acolhimento. A partir de sua criação todas as crianças ou adolescentes passaram a ter guia numerada judicial para ingressar em alguma unidade de acolhimento institucional ou familiar.

    A Resolução nº 54 foi alterada pelas Resoluções nº 93/2010 e 190/2014, mas desde a sua origem prevê que somente crianças órfãs e destituídas do poder familiar, com sentença transitada em julgado, podem ser incluídas no sistema operacional, além de pretendentes à adoção. Tal fato está expresso no artigo 1º da Resolução Nº 54/2008 que prevê o que são crianças disponíveis para adoção, pois menciona a expressão “após o trânsito em julgado dos respectivos processos”.

    O registro de pretendentes à adoção domiciliados no exterior se deu com a Resolução nº 190 de 1º de abril de 2014, portanto, antes o registro era somente de pretendentes nacionais ou estrangeiros domiciliados no Brasil.

    O uso da expressão “após o trânsito em julgado dos respectivos processos” no artigo 1º da Resolução nº 54/2008 é contraditória com o artigo 157 e 199-B, ambos do ECA, que permite a inclusão de crianças em guarda após a suspensão do poder familiar, dada em liminar e também com o disposto no artigo 199-B, que prevê que as apelações de sentenças que destituir os genitores do poder familiar só podem ser recebidas em efeito devolutivo. Ora, se não há efeito suspensivo, por que as crianças e adolescentes já destituídos, por sentença, não podem ser incluídas no sistema operacional? Se possível o deferimento liminar, inclusive antes da citação, para suspensão do poder familiar, por que não pode ser usado o sistema operacional para a busca de habilitados em ordem cronológica?

    Esta contradição foi agravada com a alteração do sistema operacional que seu deu em 2015, que faz um cruzamento obrigatório entre crianças/adolescentes e pretendentes à adoção, incluídos no sistema operacional, não permitindo mais a busca livre pelo perfil das crianças. Fora isto, o atual sistema impede a visualização dos pretendentes de outras Varas de Infância, mesmo que sejam da mesma cidade e ainda impede a busca livre dos pretendentes da própria Vara de Infância. Ressalta-se também que na migração de sistema operacional, por erro sistêmico, há pretendentes sem nome, endereço, telefone ou e-mail.

    Como então o magistrado pode obedecer à ordem cronológica da sentença, prevista no artigo 197 do ECA, se nos casos de crianças ou adolescentes com suspensão do poder familiar, é vedada a inclusão e o sistema não nos fornece a relação de habilitados de outras Varas de Infância e nem relaciona por perfil os da mesma Comarca?

    Como colocar as crianças/adolescentes com sentença sem transitado em julgado (artigo 199-B, do ECA), havendo menção expressa na lei de que não há efeito suspensivo do recurso, obedecendo à ordem cronológica da sentença de habilitação (artigo 197, do ECA), ante a impossibilidade de inclusão no CNA destas crianças, somado ao fato de só se ter acesso aos pretendentes quando se faz a inclusão no sistema?

    Não estaria o CNJ obstruindo o livre convencimento do juiz e sua independência funcional ao lhe impor um cadastro que só permite achar pretendente no caso de sentença transitada em julgado, quando a lei permite a guarda provisória, nos casos de liminar e de sentença sem trânsito em julgado?

    Outro problema visualizado no novo sistema operacional é a impossibilidade atual de se fazer busca livre por aproximação, pois o cruzamento obrigatório é apenas pelo perfil exato, incluído no sistema. Portanto, a título de exemplo, para uma criança de sete anos e um mês não se acha um pretendente que colocou o perfil de seis anos e onze meses e nem quem colocou de oito a doze anos.

    O novo sistema operacional teve como objetivo achar uma criança para um pretendente e não uma família para uma criança, na medida que reduziu os dados de informação dos pretendentes, violando assim o princípio da proteção integral.

    Entre as mazelas do novo sistema, quanto aos dados dos pretendentes, podemos citar: número limitado de telefones e e-mails, inexistência de estudo social e psicológico da habilitação no espaço de anexo - já que não há mais anexo para pretendentes, ausência de fotos, ausência de número de CPF (importante no caso de homônimos) e de RG (importante para verificar antecedentes), não esclarecimento da renda familiar (importante para estágio local), não informação de número de filhos biológicos ou adotivos (importante no caso de crianças com problemas mais graves de saúde), não informação da idade dos pretendentes (fundamental face a exigência legal de diferença mínima de 16 anos), inexistência de escolaridade (importante no caso de crianças com déficit cognitivo), naturalidade e estado civil, entre outros.

    Quanto aos dados da criança, não há mais no novo CNA: fotos, local onde está acolhida, número de irmãos em geral, motivo pelo qual está acolhida, sendo que há famílias que não aceitam casos de abuso sexual, além de não descrever com exatidão os problemas de saúde dos infantes.

    Com menos dados de pretendentes e das crianças, mais difícil de se fazer um cruzamento para melhor atender aos interesses da própria criança ou adolescente. Quanto maior o número de dados, melhor será a aproximação e o estágio de convivência, progredindo-se para uma adoção bem mais exitosa, sobretudo se tardia.

    Observa-se que o novo sistema operacional é: lento; abertura de inúmeras páginas para se executar uma atividade; número excessivo de alertas ao juiz, pois se incluímos um bebê de 5 meses, aparece um alerta para cada pretendente com este perfil; não apresenta estatística, o que dificulta as políticas públicas (o sistema operacional era excelente quanto as estatísticas); não fornece recibo para os pretendentes e com isto o mesmo não tem como saber se está realmente incluído e com os dados pessoais e de perfis corretos; não existe manual, pois o único manual é de 2009 e o sistema é completamente diverso, migra pretendentes de outras Varas de Infância, sem aceitação previa do outro juiz e sem o envio do processo de habilitação, impedindo que se suscite conflito de competência e ainda sem os dados de nome, endereço e telefone do habilitado migrado; alterou toda a base operacional sem qualquer capacitação dos juízes e técnicos, inviabilizando por completo o uso do cadastro como ferramenta para colocação de crianças em família adotiva e fazendo com que Varas de Infância de todo pais voltassem ao sistema de ficha de papel e arquivo de seus próprios habilitados, já que não lista por perfil os pretendentes do próprio Juízo.

    O novo cadastro de adoção, de residentes no exterior, é também ilógico, pois permite a vinculação de pretendentes, enquanto a habilitação nestes casos é estadual e não nacional. De modo que não se tem como fazer um cruzamento, sem que haja habilitação previa pela CEJAI do Estado de acolhimento da criança ou adolescente.

    Após mais de 12 meses do novo e inoperante Cadastro Nacional de Adoção, constata-se que se gastou dinheiro público para a alteração de um sistema operacional que não atende aos interesses das crianças e adolescentes, enquanto o anterior era excelente. O novo sistema é inoperante e houve redução do número de adoções, pelo cadastro, após a mudança operacional.

    Não podemos mais prejudicar nossas crianças aptas à adoção e não podemos mais usar dinheiro público em vão para mudanças de um sistema que não atende às milhares de crianças ou adolescentes, a espera de uma família, acolhidas em todo o país.

    Urge a volta do sistema operacional anterior, pois, como diz a poetisa Gabriela Mistral, “muitas das coisas, de que necessitamos
    podem esperar.... A criança não pode, A ela não podemos responder ‘amanhã’: Seu nome é hoje.”

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/anteprojeto-do-ministerio-da-justica-que-propoe-alteracoes-na-lei-da-adocao-e-no-eca-recebe-criticas-de-especialistas/399048560

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