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16 de Junho de 2024
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    Anulação de garantia de propriedade fiduciária

    Publicado por Correio Forense
    há 7 anos

    Em 07 de fevereiro de 2017, foi proferida decisão inédita sobre a garantia de propriedade fiduciária pela 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial da Comarca de São Paulo, na qual o juiz decidiu considerar nulas as garantias de alienação e cessão fiduciárias sobre bens móveis de titularidade da recuperanda, Zamim Amapá Mineração S.A. e demais empresas do grupo, em favor de instituições financeiras estrangeiras, Intesa Sanpaolo S.p.a, Canara Bank, State Bank of India e Syndicate Bank (impugnação de crédito n.º 0015946-47.2016.8.26.0100).

    O principal argumento acatado pela decisão foi de que as garantias não encontraram fundamento ou base legal para sua constituição, o que é exigido em caso de outorga de garantias reais, como é o caso da propriedade fiduciária sobre bens móveis e direitos, já que, nos termos da decisão, as credoras, enquanto instituições financeiras estrangeiras não autorizadas a funcionar no Brasil, não poderiam ser titulares das garantias outorgadas.

    Tal discussão se pauta basicamente em dois regimes legais, o Código Civil, que em seu artigo 1.361 e seguintes autoriza a constituição desse tipo de garantia sobre bens móveis infungíveis, sem restringir quem poderia ser o credor de tal garantia, e a Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965 (“Lei 4.728/65”), que disciplina o mercado de capitais, e em sua Seção XIV trata especificamente da alienação fiduciária em garantia no âmbito do mercado financeiro e de capitais, autorizando a constituição desse tipo de garantia especificamente sobre bens móveis fungíveis. A fungibilidade, em poucas palavras, tem a ver com a possibilidade de se substituir o bem por outro de mesma espécie, qualidade e quantidade, mantendo as mesmas características, e sem que haja qualquer prejuízo para o titular do direito de receber tal bem.

    A constituição desse tipo de garantia sobre bens imóveis é regulada pela Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, fugindo, de qualquer forma, à discussão da decisão aqui comentada.
    Conforme explicado, a Lei n.º 4.728/65, em seu artigo 66-B, autoriza a constituição da garantia de alienação fiduciária sobre bens móveis, que sejam fungíveis, no âmbito do mercado financeiro e de capitais. A questão central aqui é definir o que significa o “âmbito do mercado financeiro e de capitais”. Uma interpretação lógica, e que parece estar fora de polêmica, é que somente as obrigações oriundas de transações típicas do mercado financeiro e de capitais estariam abrangidas pela referida autorização legal. Uma emissão de debêntures, por exemplo, ou um simples empréstimo feito por uma instituição financeira, podem ser garantidas pela alienação ou cessão fiduciária de bens móveis fungíveis nos termos da referida lei.

    Contudo, a questão chave, e que foi objeto da referida decisão, é se tal garantia poderia ser constituída em favor de uma instituição financeira estrangeira que não fosse autorizada a funcionar no Brasil. Do ponto de vista prático, a interpretação restritiva dada pela referida decisão, de que o credor deve ser uma instituição financeira brasileira ou uma instituição financeira estrangeira autorizada a funcionar no Brasil, acabaria forçando credores nessa última categoria a optarem pela utilização do penhor quando se tratar de garantia de bens fungíveis, o que claramente coloca tais credores em situação de desvantagem quando comparados aos bancos brasileiros.

    E por quê? A razão é simples. Por mais que o penhor seja considerado um direito real de garantia e coloque o credor em situação de vantagem ou preferência sobre diversos outros credores do devedor falido, o credor titular do penhor, ou credor pignoratício, tem que concorrer com os demais credores pelo mesmo patrimônio, podendo fazer valer, contudo, sua prioridade legal até o limite do valor do bem dado em garantia. A alienação fiduciária, por outro lado, coloca tal credor em situação mais confortável, uma vez que nessa modalidade de garantia o crédito do credor é considerado extraconcursal, não concorrendo com o crédito dos demais credores da devedora falida ou em recuperação judicial, podendo, portanto, fazer valer seus direitos sobre o bem dado em garantia independentemente do processo de recuperação ou falência da devedora. Em outras palavras, o credor de uma alienação fiduciária cobra seu crédito executando a garantia sobre o respectivo bem, sem que tenha que se preocupar com o universo de credores da devedora. Trata-se, portanto, de uma garantia muito mais líquida e segura do que o penhor (o que vale também para a alienação fiduciária de imóvel quando comparada à clássica hipoteca).

    Outro argumento explorado na decisão aqui comentada é a fungibilidade dos bens dados em garantia. Foram dados em garantia minérios de ferro, direitos creditórios, dentre outros bens móveis de natureza semelhante. Como comentado acima, caso o bem seja considerado como bem móvel fungível, a base legal seria a Lei 4.728/65, hipótese em que a discussão passa pela categoria do credor que estaria habilitado a receber tal garantia, ou seja, se se trata de uma instituição financeira brasileira ou estrangeira autorizada a funcionar no Brasil. A alegação dos credores de tais garantias, que acabou não vingando, foi de que como a garantia foi constituída sobre toda a produção de minério de ferro da devedora, tal fato por si só conferiria o caráter de infungibilidade a tais bens, já que não haveria possibilidade de substituição, o que autorizaria que a garantia se fundamentasse no Código Civil que, por sua vez, não restringe a categoria de credores, tal como fez a Lei 4.728/65. Infelizmente para os credores, tal alegação não prosperou, tendo o juiz decidido pela fungibilidade dos bens.

    Consequência prática dessa decisão para os credores estrangeiros acima citados é que foram do céu ao inferno, vez que passaram da posição de credores extraconcursais para a de credores concursais. Para piorar mais ainda a situação, serão considerados, no concurso de credores, como corredores quirografários, o que em uma eventual situação de quebra da recuperanda pode significar que não consigam recuperar nada, ou na melhor das hipóteses muito pouco, do seu crédito.

    Ainda cabe recurso da decisão por parte das credoras prejudicadas, mas independentemente dos aspectos técnicos da discussão em voga, fato é que se tal decisão judicial prosperar, será um desserviço ao nosso mercado de crédito, reforçando o receio do investimento estrangeiro no Brasil, e premiando a inadimplência. Isso claramente não ajuda nosso país, ainda mais em uma fase em que nossas empresas tanto necessitam de capital para saírem desse período de forte recessão pelo qual estamos passando.

    Autor: Marcelo Cosac – sócio de Mercado de Capitais e Financeiro do Madrona Advogados

    FONTE. JOTA.INFO

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/anulacao-de-garantia-de-propriedade-fiduciaria/447813921

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