Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024
    Adicione tópicos

    Art. 290 do CPM, posse de drogas e princípio da insignificância - Luiz Flávio Gomes

    há 16 anos

    Como citar este comentário: GOMES, Luiz Flávio. Art. 290 do CPM , posse de drogas e princípio da insignificância . Disponível em http://www.lfg.com.br . 29 julho. 2008.

    "Em face do empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus para reconhecer a atipicidade material da conduta (1) por aplicação do princípio da insignificância (2) a militar condenado pela prática do crime de posse de substância entorpecente (3) em lugar sujeito à administração castrense (CPM , art. 290). (4) Inicialmente, salientou-se que a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da incidência do aludido princípio. (5) Enfatizou-se que a Le11.34343 /2006 veda a prisão do usuário, devendo a este ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-lo do vício. (6) Asseverou-se, ainda, que incumbiria ao STF confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação daNova Lei de Drogass, com o princípio da dignidade humana, arrolado como princípio fundamental (CF , art. , III). (7) Ademais, afirmou-se que outros ramos do Direito seriam suficientes a sancionar o paciente. (8) Vencidos os Ministros Ellen Gracie, relatora, e Joaquim Barbosa que denegavam a ordem ao fundamento de que, diante dos valores e bens jurídicos tutelados pelo aludido art. 2900 doCPMM , revelar-se-ia inadmissível a consideração de alteração normativa pelo advento da Lei11.3433 /2006. Assentaram que a conduta prevista no referido dispositivo legal ofenderia as instituições militares, a operacionalidade das Forças Armadas, além de violar os princípios da hierarquia e da disciplina na própria interpretação do tipo penal. (9) HC 90125-RS , rel. orig. Min. Ellen Gracie, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 24.6.2008".

    Comentários : muito adequados os dois votos em favor da concessão do habeas-corpus.

    (1) Desde logo, o primeiro acerto reside no reconhecimento da atipicidade material da conduta por aplicação do princípio da insignificância. Não contamos com um dispositivo claro a respeito desse princípio. Ele é inferido do sistema constitucional vigente. Faz parte do Direito brasileiro (embora não haja um dispositivo legal claro e geral). Mas Direito não confunde com a lei. É certo que o fato insignificante é formalmente típico. O que fica excluída é a tipicidade material (que retrata o campo eminentemente valorativo do tipo). Cabe ao juiz sempre valorar a conduta e o resultado.

    (2) Decidiu-se a causa com base em um princípio. Essa é a perspectiva sugerida pelo neoconstitucionalismo (onde preponderam os princípios, não as regras legais).

    (3) O princípio da insignificância também pode ser invocado no âmbito dos delitos de posse de entorpecentes. Há uma velha polêmica sobre isso. Mas hoje está solidificado o entendimento de que o delito relacionado com as drogas não afasta a incidência do princípio da insignificância.

    (4) Cabe o princípio da insignificância inclusive no âmbito dos crimes militares. Seus princípios regentes (hierarquia, disciplina etc.) não são suficientes para afastar a incidência do princípio da dignidade humana (de onde emana o princípio da insignificância).

    (5) A decisão ora comentada reiterou a doutrina do STF relacionada com os requisitos do princípio da insignificância. São eles: (a) a mínima ofensividade da conduta, (b) a ausência de periculosidade social da ação, (c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica.

    (6) Enfatizou-se "que a Lei11.3433 /2006 veda a prisão do usuário, devendo a este ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-lo do vício". Essa nova tendência da legislação brasileira retrata a chamada política criminal de redução de danos. Em nenhuma hipótese cabe prisão ao usuário de drogas.

    (7) A especialidade da lei militar (do Código Penal militar) não é razão suficiente para afastar a incidência danova lei de drogass. Ou seja: também no âmbito militar já não se justifica a imposição da pena de prisão. De outro lado, cabe o princípio da insignificância no âmbito militar. Por quê? Porque o princípio da dignidade humana possui valor superior.

    Com essa fundamentação o STF (ou seja: os dois votos preponderantes) sai do legalismo (todo Direito fundado na lei soberana, consoante pregavam Savigny, Kelsen, Hart etc.) e passa para o principialismo (justiça fundada nos princípios e valores constitucionais, consoante Alexy, Dworkin, Ferrajoli, Zagrebelsky, Nino etc.): nisso reside a constitucionalização do Direito (ou o chamado neoconstitucionalismo), que consagra uma forte operatividade, antes nunca vista, dos direitos humanos.

    Visão legalista versus visão principialista: essa é a aporia que divide Kelsen de Esser, afirmando o primeiro que a teoria pura do direito não podia admitir o ingresso dos princípios, porque por meio deles entrariam no direito a moral e os valores, retirando-lhe o caráter científico. Antagonistas também foram as doutrinas (no mundo anglosaxônico) de Hart e Dworkin (sustentando o último, em contraposição ao primeiro, o "system of principles"). Com base nos princípios pode uma lei ser declarada inconstitucional e isso deve ser feito sempre que ela consagrar uma iniqüidade ou uma irrazoabilidade manifesta; quando a lei não for declarada inconstitucional, ao menos deve deixar de ter incidência no caso concreto, quando deve preponderar um princípio (essa é uma situação em que a regra legal conflita com um princípio constitucional).

    (8) Afirmou-se, ademais, "que outros ramos do Direito seriam suficientes a sancionar o paciente". Nisso reside o princípio da subsidiariedade do Direito penal (que é um dos aspectos da intervenção mínima), que só deve ter incidência quando outros ramos do Direito não são suficientes como respostas para o fato. No caso do militar, não tendo incidência o Direito penal (em razão da insignificância), é certo que ele será punido administrativamente (sendo possível inclusive sua expulsão da corporação). A sanção administrativa é mais do que proporcional para o fato praticado.

    (9) Ficaram vencidos os Ministros Ellen Gracie, relatora, e Joaquim Barbosa. Denegaram a ordem ao fundamento de que "diante dos valores e bens jurídicos tutelados pelo aludido art. 290 do CPM , revelar-se-ia inadmissível a consideração de alteração normativa pelo advento da Lei 11.343/2006". Assentaram, ademais, "que a conduta prevista no referido dispositivo legal ofenderia as instituições militares, a operacionalidade das Forças Armadas, além de violar os princípios da hierarquia e da disciplina na própria interpretação do tipo penal".

    Os valores, bens jurídicos específicos, a operacionalidade das Forças Armadas, os princípios da hierarquia e da disciplina etc. somente podem ser invocados com pertinência quando se trata de crimes militares próprios. Nesses crimes tudo que foi invocado pelos votos vencidos tem coerência. Nos chamados crimes militares impróprios (ou seja: os que estão previstos no CPM e também no Código Penal comum), em regra, qualquer tratamento diferenciado configura discriminação odiosa, que viola, sobretudo, o princípio da igualdade. A interpretação legalista conduz tudo para o princípio da especialidade. Ocorre que todas as regras devem ser interpretadas de acordo com a Constituição (interpretação conforme). A perspectiva constitucional não autoriza discriminações não justificadas.

    • Sobre o autorTradição em cursos para OAB, concursos e atualização e prática profissional
    • Publicações15363
    • Seguidores876049
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações1920
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/art-290-do-cpm-posse-de-drogas-e-principio-da-insignificancia-luiz-flavio-gomes/80379

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)