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    ARTIGO DO DIA - Prova colhida durante a investigação não repetida em juízo: não vale

    há 14 anos

    LUIZ FLÁVIO GOMES

    Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora: Áurea Maria Ferraz de Sousa.

    Como citar este artigo: GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Prova colhida durante a investigação não repetida em juízo: não vale. Disponível em http:// www.lfg.com.br - 10 de setembro de 2010.

    A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal acaba de se posicionar contrariamente à condenação baseada unicamente em provas colhidas no inquérito policial. O tema foi discutido por ocasião do julgamento proferido no Habeas Corpus 96.356, do Rio Grande do Sul. Em primeiro grau o paciente foi absolvido, mas em recurso interposto pelo Ministério Público local a decisão foi reformada.

    A decisão da Primeira Turma (do STF) não foi unânime. O Ministro Ricardo Lewandowski divergiu de Março Aurélio (relator do writ ) e de Dias Toffoli, para os quais não foi possível encontrar qualquer outra prova ou elemento que fundamentasse a condenação, senão os depoimentos colhidos na fase de inquérito que, obviamente, não foram submetidos ao contraditório.

    De acordo com informações disponíveis na página on line do Supremo , o acusado foi condenado pelo Tribunal de Justiça gaúcho pela prática de latrocínio, sendo que na fase inquisitorial as testemunhas reconheceram-no e apontaram relato detalhado sobre os fatos que resultaram na morte da vítima. Mas em juízo não reafirmaram suas alegações, o que para o Ministério Público teria acontecido por medo de ameaças.

    De acordo com o Ministro Março Aurélio, o caso é emblemático, pois não se trata de valorar depoimentos prestados durante o inquérito e a posterior retratação em juízo. O real cerne da questão está em apontar se depoimentos colhidos durante o inquérito sem o contraditório, refutado em juízo, servem ou não à condenação. O paciente foi condenado pela prática de latrocínio e quanto mais grave a imputação maior a necessidade de se observar as garantias constitucionais.

    Para o Ministro relator: não está em jogo apenas a situação do paciente (acusado), mas princípios caros em um estado que se tenha como estado democrático.

    O Supremo já manifestou sobre o assunto anteriormente ao julgar o RE 287.658 de Minas Gerais, em 2003:

    RE 287658 / MG - MINAS GERAIS

    RECURSO EXTRAORDINÁRIO

    Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE

    Julgamento: 16/09/2003 Órgão Julgador: Primeira Turma

    EMENTA:

    I. Habeas corpus : falta de justa causa: inteligência. 1. A previsão legal de cabimento de habeas corpus quando não houver "justa causa" para a coação alcança tanto a instauração de processo penal, quanto, com maior razão, a condenação, sob pena de contrariar a Constituição. 2. Padece de falta de justa causa a condenação que se funde exclusivamente em elementos informativos do inquérito policial.

    II. Garantia do contraditório: inteligência. Ofende a garantia constitucional do contraditório fundar-se a condenação exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido obtidos mediante coação. (Destacamos)

    Note-se a menção a dois fundamentos processuais para a negativa da condenação baseada unicamente em provas colhidas na fase pré-processual: a ausência de justa causa para a condenação e a ofensa ao contraditório.

    A justa causa é exigida, normalmente, como condição para o ajuizamento da ação penal. Está prevista no Código de Processo Penal, mais especificamente no artigo 395, inciso III: A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (...) III - faltar justa causa para o exercício da ação penal. Neste contexto, a justa causa corresponde à necessidade da existência de um lastro probatório mínimo para a deflagração de uma ação penal.

    Aqui, no entanto, deve ser entendida como a existência mínima de provas capazes de levar à condenação do acusado, o que não pode ser compatível com a inobservância de regras constitucionais, como o contraditório.

    A persecução penal, como um todo, inclui a fase inquisitorial, mas nesta não há observância do contraditório, logo, as provas ali coligidas devem ser confirmadas em juízo, quando então as partes têm a oportunidade de participar não só de possíveis perícias, mas também de pessoalmente indagar as testemunhas (sistema da cross examination , agora incluído no CPP art. 212) quando da audiência de instrução e julgamento.

    Sendo assim, correta a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Concordamos com o Ministro Março Aurélio, para quem: existindo duas versões no processo (a do inquérito policial e a do processo judicial), deve prevalecer aquela que beneficia o réu, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo , segundo o qual na dúvida, a decisão deve ser a mais benéfica para o réu.

    O tema ora em debate foi cuidado pela Lei 11.690/2008, que alterou a redação do art. 155 do CPP, que (agora) diz: O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. O que manda é a prova produzida em contraditório. Exceções: provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. E as provas produzidas durante a investigação que não forem renovadas em juízo (sob o contraditório)? Não valem. Não podem ser valoradas juridicamente. Não podem ensejar condenação (por falta do contraditório). Essa é a correta interpretação do art. 155 do CPP (de acordo com nosso ponto de vista), que foi agora reiterada pelo STF (Primeira Turma, nos votos de Março Aurélio e Dias Toffoli).

    Assistam nossos comentários em "Jurisprudência Comentada", nosso "Direito em Pílulas" na TVLFG e no LFG News .

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