Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024

Brasil é referência no mundo por assumir e combater o trabalho escravo, afirma o coordenador-geral da Conatrae

Ocorreu nesta sexta-feira, 28 de julho, a oficina de sensibilização Trabalho Decente e a Coletivização do Processo. Destinada a magistrados e procuradores do trabalho, auditores fiscais do trabalho, servidores públicos e instituições convidadas, a oficina realizada na sede da Escola Judicial do TRT4 promoveu debates sobre temas como o trabalho escravo, a atuação do Ministério Público do Trabalho no processo coletivo e a fiscalização do trabalho.

Palestrante do evento, o coordenador-geral da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Contrae), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, José Armando Fraga Diniz Guerra, concedeu uma entrevista ao site do TRT4 sobre o trabalho escravo no Brasil:

Qual é o papel da Conatrae?

A Conatrae é o órgão central de discussão das políticas públicas contra o trabalho escravo. Nós temos uma composição paritária, de governo e sociedade civil. Em cima de um plano nacional, nós discutimos, debatemos, e implementamos políticas para erradicar o trabalho escravo. Não apenas de libertação, mas também de prevenção, reinserção, e repressão econômica dos agentes que o exploram.

Como é definido, hoje, o conceito de trabalho escravo?

O conceito do trabalho escravo contemporâneo é fundamentado no art. 149 do Código Penal. São quatro elementos que podem constituí-lo, isoladamente ou de forma combinada: trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívida e trabalho em condições degradantes (quando a dignidade da pessoa é violada na relação de trabalho).

Por que também se utiliza o termo trabalho análogo à escravidão?

O problema é que o trabalho escravo no Brasil foi abolido em 1888, mas ainda acontecem situações que o tipo penal acaba definindo como análogo ao escravo. Pode ser utilizado também o termo escravidão contemporânea.

Então o Brasil reconhece esta ocorrência?

O Brasil reconhece frente aos órgãos internacionais a existência de escravidão contemporânea, ou trabalho análogo ao escravo, e se compromete a combatê-lo. Talvez por isso, por assumir e combater, o Brasil seja uma referência deste assunto no mundo.

Quais os casos de maior repercussão no país?

Temos alguns casos mais famosos no setor têxtil em São Paulo, envolvendo grandes marcas de varejo. Preferimos não citar nomes, até porque são situações pontuais. Mas também tivemos algumas libertações em grandes usinas, grandes grupos econômicos de agroenergia. É uma situação relativamente espalhada pela economia brasileira. Embora seja, e é bom ressaltar, uma minoria. Ainda que tenhamos apenas estimativas, acreditamos que não mais de 1% da economia brasileira esteja envolvida com esse crime.

Há setores da economia onde o crime é mais verificado?

Sim. Há setores onde há mais libertações, mais resgates. Como no setor rural, devido à maior utilização de mão-de-obra intensiva e não qualificada. E no setor urbano, em algumas situações como construção civil e indústria têxtil.

Qual é o perfil deste trabalhador?

No meio rural, onde temos mais tempo de combate, e portanto mais dados, o perfil é de um trabalhador do sexo masculino, entre 18 e 44 anos, com pouca educação formal. Ou seja, é um trabalhador que só tem para vender a sua força bruta. Ele é utilizado em diversas atividades, como a derrubada de matos pra fazer pasto, a retirada de erva daninhas, a carvoaria e o extrativismo. São situações que não exigem qualificação e requerem o emprego de muita força.

E no setor urbano, também prevalecem os homens?

No setor urbano temos encontrado uma certa divisão mais igualitária de sexo. Até porque nós encontramos muitos trabalhadores migrantes, da Bolívia principalmente, mas de outros países também. No setor têxtil temos muitas mulheres sendo resgatadas.

Pode ser apontada alguma relação entre o trabalho escravo e o trabalho infantil?

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem pesquisas demonstrando que, no setor rural, 90% dos trabalhadores resgatados afirmam ter tido alguma experiência de trabalho infantil. Há uma relação clara entre a pessoa que foi vítima do trabalho infantil e a que não teve acesso à educação formal, que não pôde se qualificar. Ela entra no mercado tendo para vender apenas sua força bruta. Nem toda vítima do trabalho infantil é escravizada na vida adulta, mas os dados mostram que quase toda pessoa libertada da escravidão já passou pelo trabalho infantil.

A Conatrae também discute os casos de exploração sexual?

Temos encontrado muitas situações de trabalhadoras utilizadas em prostíbulos, que são exploradas e estão em situação análoga à de escravo. É uma coisa que a Conatrae tem começado a discutir: precisamos, sim, enquadrar o trabalho dessas pessoas. Há relação de trabalho, situação degradante, e servidão por dívida. Logo, caracteriza-se o trabalho escravo.

A persistência do trabalho escravo no Brasil pode ser explicada pelas razões históricas?

Creio que existe uma relação histórica. O Brasil foi construído, infelizmente, sob o patamar da escravidão. Mas além disso, em alguns setores, há uma valorização do trabalho intelectual e uma desvalorização do braçal. Isso cria a situação de aceitabilidade social do trabalho escravo.

Há, inclusive, uma nova situação que temos que debater agora. Acabamos de aprovar no país uma PEC referente aos direitos das empregadas domésticas. Pode estar ocorrendo uma superexploração de trabalhadores nesta área, que deve ser debatida. Precisamos levar o Direito do Trabalho e os Direitos Humanos a esse grande público também.

Que postura o Brasil deve adotar na América Latina com relação a este tema?

Acredito que devemos levar adiante o que já vem sendo feito, fortalecendo a parceria e a cooperação entre o Brasil e outros países da América Latina. Nós já levamos ao Fórum do Mercosul nossa experiência. Temos, junto com a OIT, uma parceria com o Peru, que estamos tentando levar para o Equador. Compartilhamos tanto nossa experiência de fiscalização como a da estrutura do Conatrae, um órgão de discussão. Esperamos que os outros países façam como o Brasil, assumindo a existência do trabalho e prendendo esforços para combater e livrar a América Latina dessa chaga.

Há quanto tempo existe a Conatrae?

A Conatrae vai fazer dez anos em julho de 2013, ela foi criada em 31 de julho de 2003. Mas o combate ao trabalho escravo é mais antigo. Desde 1995 nós temos o grupo especial de fiscalização móvel que é formado por auditores do trabalho, procuradores do Ministério Público do Trabalho e por policiais, libertando trabalhadores. Já foram libertados mais de 45 mil trabalhadores nesses 18 anos.

O trabalho escravo contemporâneo é reconhecido desde essa época?

Sim, desde 1995. É uma evolução da política pública. Criou-se a estrutura para combater, e alguns anos depois uma comissão para discutir a política de forma integrada. A gente vai lentamente evoluindo para erradicar a existência de trabalho escravo no país. É a prova de que o Estado brasileiro não aceita esta prática.

Como pode ser feita a denúncia do trabalho escravo?

A denúncia pode ser feita através da Secretaria dos Direitos Humanos. Nós temos o serviço Disque 100: basta discar 100 para denunciar o trabalho escravo. Essas denúncias são enviadas para a Secretaria de Inspeção do Ministério do Trabalho e Emprego, que a partir de uma análise faz a libertação e o resgate dos trabalhadores.

A oficina

A oficina Trabalho Decente e a Coletivização do Processo também contou com as palestras de Jonas Ratier Moreno, Procurador do Trabalho da 24ª Região/MS; Martha Halfeld Furtado de Mendonça Schmidt, Juíza do Trabalho da 3ª Região/MG; Jaqueline Carrijo, Auditora Fiscal do Trabalho/GO e representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT); e Rinaldo Guedes Rapassi, Juíz do Trabalho da 5ª Região/BA.

  • Publicações6219
  • Seguidores630934
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações118
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/brasil-e-referencia-no-mundo-por-assumir-e-combater-o-trabalho-escravo-afirma-o-coordenador-geral-da-conatrae/100585850

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)