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3 de Maio de 2024

Criminalista no Supremo poderia compensar ‘populismo penal’ do Congresso, afirma jurista

Juarez Tavares defende ‘democrata com visão humanista’ para vaga aberta na Corte; carta enviada a Dilma cobra indicação de um penalista

Publicado por Joao Montenegro
há 10 anos

Após a saída do ministro Joaquim Barbosa do STF (Supremo Tribunal Federal) no final do mês de julho, um conjunto de juristas especializados em Direito Penal enviou para a presidente Dilma Rousseff uma carta aberta reivindicando a indicação de um criminalista para a vaga aberta na Corte.

“O STF precisa de um jurista que seja um democrata por excelência, que tenha uma visão humanista da democracia. E nada melhor do que um penalista, pois um penalista trabalha com a miséria humana”, afirma Juarez Tavares, professor titular da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Ao lado de nomes como Amilton Bueno (desembargador do TJ do Rio Grande do Sul) e Márcio Sotelo Felippe (ex-Procurador Geral de Justiça de São Paulo), o docente é um dos signatários da carta enviada a presidente Dilma.

No documento, que também foi entregue ao Senado e ao Judiciário, cinco nomes são apontados como favoritos para assumir a vaga deixada por Barbosa. São eles: Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, Paulo de Souza Queiroz, Pedro Estevam Serrano, Salo de Carvalho e Vera Regina Pereira de Andrade. “Há muitos outros nomes de gabarito, mas nós escolhemos essas pessoas porque são juristas que representam uma ideologia libertária, de preocupação com a pessoa humana, de contenção do poder punitivo”, explica Juarez Tavares.

Em entrevista exclusiva concedida a Última Instância, o professor da Uerj destaca que, nos últimos 63 anos, apenas dois criminalistas foram indicados para o Supremo (Nélson Hungria e Sepúlveda Pertence), e ressalta que um especialista na área é essencial para combater a escalada de projetos de Lei apresentados no Congresso que buscam apenas o aumento de penas como única solução para os conflitos sociais.

“Um criminalista no Supremo iria desempenhar um papel importante: compensar o populismo penal que impera no Congresso. O legislativo editaria leis absurdas, mas o Supremo Tribunal Federal teria um sujeito lá a favor da garantia fundamental da pessoa humana, que diria: aqui não pode!”, afirma o jurista.

Professor titular da Uerj e pós-doutor pela Universidade de Frankfurt (Alemanha), Juarez Tavares é Sub-Procurador Geral da República aposentado e especialista em teoria do delito, Direito Penal e globalização, princípios fundamentais de Direito Penal, crimes omissivos e crimes culposos.

Confira abaixo a entrevista completa com o jurista:

Última Instância: Atualmente, diversos projetos de Lei em matéria de Direito Penal apresentados no Congresso Nacional têm como principal solução ao combate a atos criminosos o aumento de penas para diferentes delitos. Para o senhor, qual é a origem desta perspectiva ‘punitivista’ entre os parlamentares brasileiros? Juarez Tavares: Este punitivismo tem duas vertentes. Primeiramente, é fruto do movimento de Lei e Ordem promovido pelos Estados Unidos e também pela Inglaterra na época do Ronald Reagan e da Margareth Thatcher. Eles achavam que poderiam conter qualquer infração. Isto traz consigo um dado político importante: não basta simplesmente conter a ação, mas também reprimir as classes políticas subalternas mediante o uso cada vez mais intenso da repressão penal, da pena.

Esse movimento de Lei e Ordem, mais tarde, se uniu também com um populismo penal. Ou seja, houve uma mescla do movimento de Lei e Ordem por um lado, com o populismo penal do outro.

Juarez Tavares: O populismo penal angariou a simpatia da população justamente porque a grande mídia deu muita ênfase e encampou a ideologia do movimento de Lei e Ordem. Com isso, passou a ser interessante que os parlamentares também se engajassem neste tipo de movimento, porque eles perceberam que isso dava votos.

Este populismo penal é encampado apenas por parlamentares de ‘direita’? Juarez Tavares: Esta perspectiva é adotada no Congresso não só por parlamentares de direita, mas de esquerda também. O populismo penal foi um câncer que se espalhou de uma maneira absurda e promove uma perspectiva que a solução é só o aumento de pena sem parar. Isso acontece sem nenhuma proporcionalidade. Se nós verificarmos, em comparação com o cenário internacional, a nossa legislação é muito mais rigorosa do que a de qualquer outro país. Nos crimes contra a liberdade sexual, nos crimes patrimoniais, em todos os delitos em geral, nós somos muito mais rigorosos.

Penas mais duras são capazes de ‘proteger’ mais a sociedade?

Juarez Tavares: Nossa legislação dá uma ênfase muito grande na proteção de patrimônio. Vale muito mais para o nosso Código e para as nossas leis penais a proteção do patrimônio do que a proteção da pessoa, da vida humana e da integridade corporal. A pena da violação da integridade corporal é de até um ano, e a pena do furto é de até 4 anos. Quer dizer, uma pessoa que furta uma bolsa de uma senhora que seja bem abastada e tal, está sujeito a uma pena maior do que alguém que dá um soco na cara de outra pessoa. A diferença é muito grande e o populismo penal não vê isso porque o importante é a resposta da opinião pública. E tudo isto é gerado por essa ideia absolutamente sem comprovação de que quanto mais penas menos delitos, o que não é verdade. Tanto é que o Brasil hoje tem 600 mil presos, a terceira maior população carcerária do mundo.

Juarez Tavares: Nesta perspectiva, qual é a importância de um criminalista do Supremo?

Juarez Tavares: O STF, há muito anos, não tem um criminalista entre seus ministros. O último criminalista foi o ministro Sepúlveda Pertence, originariamente a matéria dele era Penal. Antes dele tivemos apenas o ministro Nelson Hungria, na década de 50. Ele foi autor do Código Penal, um penalista liberal. Depois disso, nunca mais. Durante a ditadura não houve nenhum criminalista, tivemos só ministros ligados ao Regime. E depois, quando houve a redemocratização, foi nomeado o ministro Sepúlveda Pertence, que era, de fato, um criminalista. Então, há necessidade realmente de se produzir este tipo de ministro, um ministro que fique atento à matéria penal.

Mas as matérias penais não são minoria no Supremo?

Juarez Tavares: Existem esses argumentos que dizem assim: ‘ah, mas a matéria penal no Supremo representa só 12% dos feitos do Supremo.’ Tudo bem! Mas são 12% que se relacionam a um direito fundamental da pessoa humana que é a liberdade. O direito mais importante que existe é a liberdade.

Então, consequentemente, os outros direitos patrimoniais, que representam os 90% dos fatos no Supremo, são direitos descartáveis. O direito fundamental, da liberdade, é que tem de ser preservado. E daí vem a necessidade de um sujeito que tenha profundo conhecimento de direito criminal, direito penal e processo penal, para poder justamente ajustar a jurisprudência à defesa da pessoa humana.

Qual o efeito prático de um criminalista no STF? Juarez Tavares: É o de desempenhar um papel importante: compensar o populismo penal que impera no Congresso. Um criminalista compensaria isto. O Congresso edita leis absurdas, mas o Supremo Tribunal Federal tem um sujeito lá que é a favor da garantia fundamental da pessoa humana que diz: aqui não pode! Um dos exemplos clássicos de matéria penal mais absurdo que existe é a Lei Geral da Copa. Esta Lei é uma vergonha. Como é que pode uma Lei classificar como delito o fato de alguém comercializar até 5Km dos estádios uma cerveja que não seja aquela da marca autorizada pela Fifa? Isso é um absurdo. Este é um exemplo de uma Lei inconstitucional que não foi decretada inconstitucional pelo STF. Ela é inconstitucional porque criminaliza fatos apenas para proteção de uma entidade privada que é a Fifa. Uma Lei penal não pode identificar o beneficiário da incriminação. Isto viola o princípio da imparcialidade da ordem jurídica.

Um criminalista no Supremo poderia ter um efeito benéfico mais amplo em todo o Judiciário?

Juarez Tavares: Eu acho que sim. Mas ser apenas um criminalista não adianta. Temos criminalistas de esquerda e criminalistas de direita, com viés liberal e viés autoritário. Nós precisamos de um criminalista liberal mesmo, capaz de fazer uma apreciação das normas penais em face da Constituição, no sentido de suas limitações. O STF precisa de um jurista que seja um democrata por excelência, que tenha uma visão humanista da democracia. E nada melhor do que um penalista, pois um penalista trabalha com a miséria humana. A miséria humana está no direito penal. Não está no Direito Civil, onde tem um lado rico e um lado pobre. A miséria mesmo está no Direito Penal. Não tenha dúvida que, entre estes 600 mil sujeitos que estão presos, a grande maioria é de pobres.

Porque a indicação destes cinco nomes?

Juarez Tavares: Há muitos outros nomes de gabarito, mas nós escolhemos essas pessoas porque são juristas que representam uma ideologia libertária, de preocupação com a pessoa humana, de contenção do poder punitivo, de proteção aos direitos fundamentais, do direito de defesa, do contraditório. Podíamos ter incluído outras pessoas, mas resolvemos limitar a cinco pra não dizer que nós estamos sendo ‘proselitistas’ ou que estamos fazendo uma ação entre amigos.

Apesar dos cinco nomes serem muito habilitados, o senhor tem preferência por algum dos indicados?

Juarez Tavares: Eu acho que todos eles estão mais ou menos no mesmo gabarito. Cada um tem a sua particularidade. O Jacinto é um homem mais vinculado ao Processo Penal. A Vera Regina é mais da criminologia. E o Pedro Serrano faz a ponte entre o processo penal e a Constituição. Nós pensamos neste leque inteiro de possibilidades. Acho que se a presidente da República indicar qualquer um dos cinco nomes ela estará beneficiando o País em sua integralidade e prestando um serviço inestimável à democracia.

Fonte: http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/72530/criminalista+no+supremo+poderia+compensar+...

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