Defensor público pode patrocinar ações penais privadas subsidiárias da pública
Um dos temas mais polêmicos relacionados à Defensoria Pública é o exercício da atividade acusatória pela instituição, a qual se concretiza, por exemplo, com o patrocínio de ação penal privada e subsidiária da pública, com a legitimidade para atuar em favor da vítima como assistente de acusação ou também para pleitear, em hipóteses excepcionais, pedidos de prisão e de outras medidas cautelares. Meu interesse em abordar aqui esse delicado tema se deu por dois motivos. Primeiro, para desmistificá-lo. Depois, para compreendê-lo a partir de uma proposta que estabeleça os pressupostos para o desempenho da atividade acusatória pela Defensoria.
É do sociólogo e criminológico norueguês Nils Christie[1] a célebre crítica de que o Estado “rouba” o conflito das pessoas envolvidas e coloca a vítima, portanto, totalmente alheia ao caso penal, “enojada, quiçá humilhada por um interrogatório cruzado no tribunal, sem contato humano com o delinquente”. Mera fonte de prova para a acusação, a vítima escapa do processo penal “mais necessitada que nunca de uma descrição dos delinquentes como não-humanos”[2]. E com isso, o sistema de justiça criminal, aplicando uma pena ao autor do crime, finge que soluciona o conflito. Se a vítima não pode ser considerada mera convidada de pedra do sistema penal[3], como a Defensoria Pública pode defendê-la, isto é, exercer uma atividade acusatória, sem trair seus objetivos enquanto instituição vocacionada a conter o poder punitivo?
Pois bem. Inicialmente, convém esclarecer que não está escrito em lugar nenhum que a Defensoria somente pode atuar em favor dos acusados, ou de quem ocupa o polo passivo da ação penal. Muito pelo contrário, aliás. A Lei Complementar 80/1994 prevê pelo menos três funções institucionais da Defensoria Pública que se identificam com a proteção da vítima. Quais sejam: “Exercer a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente, do idoso, da pessoa portadora de necessidades especiais, da mulher vítima de violência doméstica e familiar e de outros grupos sociais que mereçam proteção especial do Estado” (artigo 4o, inciso XI), “patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública” (artigo 4o, inciso XV) e “atuar na preservação e reparação dos direitos de pessoas vítimas de torturas, abusos sexuais, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência, propiciando o acompanhamento e o atendimento interdisciplinar das vítimas” (artigo 4o, inciso XVIII).
Da mesma forma, quando o artigo 134, caput, da Constituição, incumbe à Defensoria a prestação da assistência jurídica gratuita “de forma integral” aos necessitados, a intenção do constituinte não foi a de limitar tal direito fundamental de acesso à justiça aos acusados, mas sim o de ampliá-lo para que também as vítimas, em determinadas ocasiões, pudessem dele usufruir[4]. Assim sendo, e em conformidade com o que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, “É função institucional da Defensoria Pública patrocinar tanto a ação penal privada quanto a subsidiária da pública, não havendo nenhuma incompatibilidade com a função acusatória, mais precisamente a de assistência da acusação”[5].
Estabelecidas as compatibilidades legal e constitucional da atividade acusatória com a Defensoria Pública, resta enfrentarmos a seguinte questão: tal função institucional deve obedecer a alguns pressupostos? Divergindo dos colegas da Defensoria Pública de São Paulo Reis, Zveibil e Junqueira, para quem “tal mister deve ser exercido sem reservas, eis que é um direito do usuário”[6], entendo que o exercício da atividade acusatória pela Defensoria está sujeito à verificação de – pelo menos – três pressupostos, os quais explico a seguir.
O primeiro deles é a comprovação do estado de hipossuficiência econômica, nos termos do artigo 5o, inciso LXXIV, da Constituição (“o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”). Tratando-se condutas processuais ativas (ajuizamento de ação penal privada e subsidiária da pública, ingresso como assistente da acusação etc.), não haverá que se falar, aqui, em hipossuficiência jurídica para legitimar a atuação em favor das vítimas[7].
O segundo pressuposto orienta a que a Defensoria Pública somente exerça a atividade acusatória quando o Ministério Público não ...
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