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1 de Maio de 2024
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    Depositário infiel livre

    há 15 anos

    Proposta de emenda constitucional apresentada na Câmara dos Deputados no final do ano passado deverá esquentar o debate acerca da possibilidade de extinção da prisão para depositários infiéis. Sugerida pelo deputado Geraldo Pudim (PMDB-RJ), a proposição, que terá a admissibilidade avaliada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da casa, após o recesso parlamentar, visa a excluir a punição prevista na Constituição, sob o argumento de que ela contraria a jurisprudência consolidada pelos tribunais e os tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Advogados ouvidos divergem quanto à necessidade da proposta. Embora considerem a pena um retrocesso, o consenso é que a eliminação dela da Carta poderá trazer mais prejuízos que benefícios.

    É considerado depositário infiel quem se desfez de um bem móvel ou imóvel cuja guarda lhe foi confiada pela Justiça. Enquadra-se nesse tipo o devedor que vende a propriedade dada como garantia de empréstimo ou em alienação fiduciária. A jurisprudência dos tribunais caminha no sentido de se negar a prisão nesses casos. O Supremo Tribunal Federal (STF), mais alta corte do Judiciário brasileiro, confirmou essa tendência em dezembro passado ao restringir a prisão civil por dívida apenas para os casos em que inadimplência é voluntária.

    Recursos

    A posição foi firmada no julgamento de dois recursos, por meio dos quais os bancos Itaú e Bradesco questionavam decisões judiciais que consideraram o contrato de alienação fiduciária em garantia equiparado ao contrato de depósito de bem alheio (depositário infiel) para efeito de excluir a prisão civil. Na ocasião, a corte julgou também um habeas corpus por meio do qual o autor visava à revogação de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que decretava a sua prisão. Ele argumentou que, com a aplicação dessa medida, estaria "respondendo pela dívida com sua liberdade, o que não pode ser aceito no moderno Estado Democrático de Direito, não havendo razoabilidade e utilidade da pena de prisão para os fins do processo".

    É com base na posição da Corte Suprema que Geraldo Pudim fundamenta a PEC. "Anteriormente a esse entendimento, a Segunda Turma do STF já havia deferido cinco ordens de habeas corpus no sentido de não mais admitir a possibilidade da prisão civil decretada contra depositários infiéis. A despeito do entendimento já pacificado pelo STF, enquanto permanecer na Constituição a previsão de prisão civil, sempre haverá litigância acerca do tema", disse o deputado, lembrando que, desde 1992, o Brasil é signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - o Pacto de San José da Costa Rica. Os tratados preveem a impossibilidade de prisão civil do depositário infiel.

    Eduardo Antonio da Silva, do Martinelli Advogados, explicou que prevaleceu entre os ministros do Supremo a tese de que a norma internacional derrogou a legislação ordinária que prevê essa espécie de prisão por dívida. "Entendeu o STF que o Pacto de San José está, na hierarquia das normas, abaixo da Constituição , mas acima das leis que permitem as prisões por dívida. Tal entendimento acabou por tornar sem efeito a Súmula 619 do próprio STF, que dispunha que a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito", afirmou.

    Na opinião dele, a PEC é salutar porque visa a uniformizar o tema."Não cremos que o fim da prisão poderá aumentar o número de depositários infiéis, pois há outros fatores maiores causadores de tal fenômeno, como os culturais, sociológicos e econômicos. Se a restrição de liberdade tivesse o condão de impor efetivamente os limites trazidos em alguma norma, não haveria mais prisões. A restrição de liberdade afeta os efeitos e nunca as causas de um problema que pretenda resolver", afirmou.

    Para a advogada Carla Rahal Benedetti, sócia da banca CRB Advocacia Criminal, a PEC é inviável e que a jurisprudência não pode contrariar a Constituição ."Não se pode utilizar ferramentas para solucionar conflitos entre posicionamentos jurisprudenciais que por si só são nulos, vez que não há que se falar em inaplicabilidade de um dispositivo constitucional previsto em cláusula de inamovibilidade. Neste caso, entende-se pela inconstitucionalidade da posição da jurisprudência contrária ao texto expresso da Constituição", afirmou.

    Previsão

    O advogado Marcelo Tanaka, do escritório Bechara Jr. Advocacia, explicou que a prisão para depositários infiéis está prevista em vários dispositivos do ordenamento jurídico brasileiro: inicialmente, na Lei 911 /1969, que tratava da alienação fiduciária; depois, na Constituição de 1988, no artigo , inciso 67. Ele explicou que, posteriormente, a medida foi reforçada na Lei 8.866 /1994, que definiu o depositário infiel por dívidas tributárias e previdenciárias frente à Fazenda do Estado; e no artigo 652 do Código Civil de 2002.

    Na avaliação de Tanaka, o fim da prisão poderá aumentar o número de casos de depósitos infiéis e lesar muitos credores, principalmente os trabalhistas e que têm crédito de natureza alimentar. Ele destacou, no entanto, que essa é uma questão extremamente controversa. "Do ponto de vista jurídico, o projeto é benéfico na medida em que harmoniza os conflitos de normas existentes atualmente. Isto porque o próprio texto da Constituição que permite a decretação da prisão do depositário infiel colide com as regras do Direito Internacional, além de evidenciar desarmonia com os princípios fundamentais por ela própria consagrados, sobretudo se consideramos o princípio da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos do Estado brasileiro", disse o especialista.

    Tanaka acrescentou que,"por outro lado, acabar com a prisão do depositário infiel traria uma enorme insegurança jurídica e inviabilizaria a satisfação do crédito nas inúmeras ações de execução existentes. Ou seja, facilitaria a fraude à execução".

    Na avaliação do advogado Claus Nogueira Aragão, do Gonçalves, do Arruda, Brasil & Serra Advogados, não há necessidade de se tratar esse tema na Constituição . "Ao meu ver, essa PEC apenas acabará com um equívoco histórico, na medida em que não se trata de matéria de cunho constitucional e que o Brasil é signatário de tratados internacionais que vedam a prisão civil. Até onde sei, essa é a base da jurisprudência que reverteu essas prisões", afirmou.

    Integridade

    Segundo o advogado, o ideal seria buscar outros meios para garantir a integridade do bem enquanto este for mantido sob depósito."A PEC, se é que já não o faz, deveria estar vinculada a uma alteração do Código Civil tratando de tal matéria. Uma idéia, por exemplo, seria atribuir ao depositário a obrigação de restituir o bem e, caso isso não seja possível, pagar uma multa de dez vezes o valor do bem", sugeriu.

    Juliana Faleiros, do escritório Correia da Silva Advogados, ao contrário, avalia o projeto como oportuno."A PEC é oportuna uma vez que se coaduna com o ordenamento jurídico. O artigo , parágrafo 2º da Constituição Federal , determina que os tratados ratificados pelo Brasil devam ingressar no ordenamento jurídico como lei ordinária. E em 6 de novembro de 1992, o Pacto de San José da Costa Rica, que prevê que ninguém deve ser detido por dívida", explicou.

    De acordo com a advogada, a aprovação da proposta será positiva."Entendo que a aprovação da PEC nº 312 uniformizará o texto constitucional com o entendimento de nossos tribunais e da sociedade em geral. Como afirmado, essa matéria tem sido discutida no meio jurídico há muitos anos e, apesar da existência de posicionamento contrário, a inadmissibilidade da prisão do depositário infiel é corrente majoritária", afirmou.

    Caso seja admitido pela CCJ, o texto será analisado por uma comissão especial.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/depositario-infiel-livre/673461

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