"Descobri a compra e venda de imóvel de minha propriedade sem o meu conhecimento, doutora! E agora?"
Café com Direito☕️
Recebi um cliente que informou ter descoberto a venda de imóvel rural que lhe pertencia sem o seu consentimento há anos atrás e gostaria de reaver aquele patrimônio, pois desejava que fosse "passado a seus filhos".
O cliente estava aparentemente bastante aborrecido com toda a situação que se desenrolou de forma curiosa e que trago aqui para reflexão, inclusive, como forma de exercício e análise do que fazer diante de situação similar.
Verifiquei Certidão de Casamento, Formal de Partilha, Certidão de Interdição, Levantamento de Interdição, Escritura Pública de Venda e Compra, Certidão de Inteiro Teor de Imóvel Rural; estudei o Código Civil de 1916, Códigos de Normas anteriores e Leis esparsas.
Em análise a documentação que me foi apresentada, verifiquei que a terra rural foi objeto de partilha de herança da esposa do cliente, com este casada desde 1970 e, portanto, sob regime de comunhão total de bens. De modo que o meu cliente de fato fazia jus a quota parte daquele imóvel há anos atrás.
Verifiquei também que o cliente esteve interditado entre os anos de 1994 a 2018 por força de ordem judicial, e que, neste ínterim, houve a feitura de uma Escritura Pública de Venda e compra devidamente lavrada em Tabelionato de Notas da comarca de localidade do bem, que foi posteriormente levada a Registro.
Quando da análise da Escritura Pública, verifiquei que não houve alvará judicial para aquela venda em quantia irrisória de pouco mais de R$ 2.000,00 (dois mil reais), houve a anuência daquela transação por pessoa diversa se passando como curadora do cliente, aproveitando de documento equivocado para tanto e sem qualquer análise dos requisitos para aquele tipo de transação.
Ou seja, pessoa, à época, absolutamente incapaz teve parte de seu patrimônio reduzido através de clara simulação de venda e compra.
A princípio averiguei a veracidade de toda a documentação e em seguida descobri em visita in loco algumas peculiaridades que nem mesmo eram de conhecimento do cliente, quais sejam:
1. A referida propriedade rural possui em verdade mais de 400 hectares, sem registro, ao passo que a área alienada por simulação não chega a 80 hectares;
2. Somente houve a partilha de cerca de 30% de toda a área;
3. As pessoas que fizeram aquela simulação transacionaram apenas a fração mínima de parcelamento do solo naquele documento;
4. A área possui extração mineral de grande valia.
É interessante analisar o caso concreto para perceber os efeitos da propriedade em questão, que se encontra sob a posse formal de terceiro a tempo suficiente para, por exemplo, a usucapir; ainda que exista clara nulidade na forma de aquisição da posse e propriedade da área.
A situação ocorreu dentro da família do cliente, de modo que a minha primeira sugestão foi uma resolução amigável através de cancelamento do registro com a anuência e concordância de todas as partes com fundamento em Lei nº 6.015/1973, art. 167, II, item 2, e art. 248.
De certo que o objetivo aqui é o cancelamento do título e a forma mais simples seria com a concordância de todos. Mas como nem tudo são flores, primeiro foi necessário a propositura de ação judicial pedindo a declaração de nulidade da Escritura Pública de Venda e Compra para, em seguida, solicitarmos o cancelamento involuntário daquele registro.
Mas como garantir que este terceiro, agora, não aliene o bem? Requerendo que seja lançado indisponibilidade naquela matrícula.
O direito sempre confronta diversas questões, e é exatamente o SABER que diferencia a forma de resolução de situações também conflitantes, daí porque sempre bato na tecla da necessidade de atendimento especializado para solucionar problemas antigos sem criar novos.
1 Comentário
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Excelente exposição de fato. continuar lendo