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6 de Maio de 2024

Entenda como votou a ministra Nancy Andrighi no julgamento do Rol da ANS

Para ministra do STJ, rol exemplificativo protege consumidor. Placar está empatado em 1 a 1

Divergindo do voto do relator, a ministra Nancy Andrighi votou para que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) seja considerado Exemplificativo. O julgamento do Rol da ANS, que ocorre na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), foi retomado nesta quarta-feira (23/2). O JOTA informou aos assinantes JOTA PRO Saúde no início desta semana que este seria o voto da ministra.

O julgamento do Rol

da ANS começou em setembro de 2021, com a leitura do voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, defendendo que o Rol fosse Taxativo, mas com excepcionalidades. Na ocasião, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vista de Nancy Andrighi.

Na retomada do julgamento do rol da ANS, em seu voto Andrighi ressaltou os limites do poder da ANS para regulamentar, o direito à Saúde garantido pela Constituição Federal, a prevalência da Lei 9656/98 ( lei dos planos de saúde) e os direitos previstos pelo Código de Defesa do Consumidor ( CDC).

Poder regulamentar da ANS

A ministra salientou que os atos editados pelas agências reguladoras não se sobrepõem, nem podem desrespeitar normas, leis e princípios constitucionais. Andrighi reforçou os limites do poder normativo das reguladoras. E ressaltou que não compete a elas legislar, mas promover a normatização dos setores, conforme a legislação disponível. Diante disso, a magistrada afirmou que no tema em discussão, a Lei 9656/98, lei dos planos de saúde se sobrepõe. Desta forma, a ANS não pode editar normas que restrinjam a lei.

Nancy lembrou que a lei dos planos de saúde prevê que as operadoras são obrigadas a cobrir o tratamento de todas as doenças já previstas no CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças). Logo, de acordo com a ministra, qualquer limitação na cobertura obrigatória que contrarie a Lei 9656/98, estaria em desacordo com as competências da ANS.

“É dizer, qualquer norma infralegal editada pela ANS que restrinja a cobertura de tratamento para as doenças listadas na CID, fora aquelas hipóteses excepcionais elencadas pela Lei 9.656/1998, extrapola os limites materiais do seu poder normativo, e, portanto, configura uma atuação abusiva e ilegal, que coloca o consumidor/aderente em desvantagem exagerada”, afirmou Nancy Andrighi.

Julgamento do Rol da ANS: Saúde como direito constitucional

Seguindo em seu voto, a magistrada citou o artigo 197, da Constituição Federal, que fala sobre a relevância de ações e serviços de saúde, executados também por pessoa jurídica de direito privado.

Utilizando-se de um voto do ex-ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), ela afirmou que as relações jurídicas estabelecidas no mercado da saúde suplementar envolvem não apenas a prestação continuada de serviços ou cobertura de custos com assistência à saúde, mas o interesse público, movido pelo espírito cooperativo que tem como protagonista a pessoa humana e não o lucro, embora seja este também desejado.

Em diversos momentos durante seu pronunciamento, ela citou dispositivos da Constituição, tanto para falar sobre o direito à Saúde, quanto para falar sobre o papel da ANS:

“Com relação à CF/1988, é inegável que a ANS deva confirmar a relevância pública atribuída aos serviços de saúde pelo texto constitucional, dada a importância social da atividade exercida pelas operadoras de planos de saúde ao contribuírem, ainda que em caráter suplementar, para a concretização do direito à saúde garantido a todos pelo constituinte”, diz a ministra em um trecho de seu voto a que o JOTA teve acesso.

Em outro momento, citando um voto do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, ela expressa que a expansão da saúde suplementar, paralelamente à universalização da saúde, além de estar calcada no direito constitucional de acesso à saúde, também atende aos ditames da livre iniciativa e da proteção ao consumidor, ambos princípios norteadores da ordem econômica nacional.

Lei dos planos e normas consumeristas

Nancy Andrighi reforçou que, embora a lei dos planos de saúde seja a lei especial que regula os planos privados de assistência à saúde, há expressa menção, em seu artigo 35-G, de aplicação do CDC aos contratos celebrados entre usuários e operadoras: “Sem falar nas outras 43 vezes em que o termo consumidor é mencionado na própria lei”, frisou a ministra.

Utilizando esse dispositivo de lei dos planos, ela salientou a existência de uma imposição da aplicação subsidiária da lei consumerista, ou seja, que a lei especializada (neste caso, a lei dos planos) tenha aplicação complementar com a lei consumerista, o CDC.

A ministra lembrou que o CDC não é aplicado em contratos de planos de saúde de autogestão, mas ressaltou que, mesmo os clientes desses planos possuem uma proteção consumerista prevista pelas regras de contrato estabelecidas no Código Civil.

“Mesmo os poderes normativo e regulamentar da ANS devem ser exercidos com observância das normas insertas no CDC, inclusive os seus princípios, revelando-se ilegais, ofensivos à ordem jurídica, sempre que desses limites discrepar, sujeitando-se ao controle judicial em tais hipóteses”, disse Nancy no julgamento do Rol da ANS.

‘Rol Exemplificativo protege consumidor’

Para a ministra Nancy Andrighi, tradicional defensora do Rol Exemplificativo, esse entendimento protege o consumidor, nas palavras dela: “da exploração econômica predatória do serviço, manifestada por meio da negativa de cobertura sem respaldo na lei, visando satisfazer o intuito lucrativo das operadoras às custas da vulnerabilidade do usuário”.

Ela ponderou que não haveria como exigir que o consumidor, no ato de celebração do contrato, um conhecimento acerca de todos os eventos e procedimentos previstos da lista de cobertura obrigatória da ANS: “o rol elaborado pela ANS apresenta linguagem técnico-científica, absolutamente ininteligível para o leigo”, declarou em sua manifestação.

“Evidentemente, não é razoável impor ao consumidor/aderente que, no ato da contratação, avalie os quase 3.000 procedimentos elencados no Anexo I da Resolução ANS 465/2021, a fim de decidir, no momento da contratação, sobre as possíveis alternativas de tratamento para as eventuais enfermidades que possam vir a acometê-lo, como, a propósito, sugeriu a ANS em sua manifestação como amicus curiae, transcrita pelo e. Ministro Luis Felipe Salomão no voto condutor do REsp 1.733.013/PR”, argumentou Nancy Andrighi se referindo ao processo precedente da 4ª Turma que firmou o entendimento do colegiado pelo Rol Taxativo.

Lucro das operadoras

Seguindo para o final de seu voto, a ministra Nancy apresentou uma tabela de receitas e despesas das operadoras entre os anos de 2010 e 2020, com dados recolhidos na própria ANS.

A tabela consta no voto da ministra, ao qual o JOTA teve acesso. Ao apresentá-la, Nancy afirmou que, a despeito do aumento das despesas na última década, pode-se aferir que o lucro das operadoras foi mantido, o qual, atualmente, gira em torno de bilhões de reais por ano. Ela citou ainda uma análise desses dados da ANS feita pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), vinculado ao Ministério da Economia, que concluiu que o “lucro líquido per capita de planos de saúde mais que dobrou em quatro anos” e que, “de 2014 a 2018, receita do setor aumentou mesmo com queda no número de usuários”.

“Diante desse cenário, é possível afirmar que, dadas as circunstâncias delineadas, eventual elevação exponencial do preço não teria outra finalidade senão a de aumentar, ainda mais, a lucratividade das operadoras de planos de saúde, onerando, injustificadamente, o consumidor”, concluiu a magistrada.

Custo da assistência e fraudes

Nancy finalizou seu voto no julgamento do Rol da ANS destacando uma pesquisa do Instituto de Estudos e de Saúde Suplementar (IESS) demonstrando que, em 2017, quase R$ 28 bilhões dos gastos das operadoras médico-hospitalares do país com contas hospitalares e exames foram consumidos indevidamente por fraudes e desperdícios com procedimentos desnecessários.

“Essa informação alarmante revela que a elevação da despesa assistencial na saúde suplementar não decorre apenas dos gastos com o atendimento dos beneficiários ou com a incorporação de novas tecnologias para o tratamento das doenças, como se sugere, mas é também, e em grande parte, reflexo da prescrição de procedimentos indevidos ou desnecessários, que pode e deve ser fiscalizada e coibida pelas operadoras, e não suportada pelos beneficiários”, declarou a ministra, concluindo:

“Todos esses dados são apenas para demonstrar que não é possível traçar uma correlação direta, de causa e efeito imediato, entre a natureza exemplificativa do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS e o “risco de elevação exponencial do preço dos produtos, tornando as mensalidades mais caras”, como nos induz a crer aquela autarquia”.

Julgamento do Rol da ANS foi interrompido

Após o extenso voto da ministra Nancy Andrighi, o relator, Luis Felipe Salomão, pediu a palavra. Elogiou Nancy, e reforçou sua tese, defendida em setembro. Salomão anunciou aos colegas que fez um aditamento em seu voto, reforçando seus argumentos.

Em determinado momento, houve troca de farpas entre os dois magistrados, pois Salomão disse que Nancy estava acusando os colegas de “serem insensíveis”. A ministra rebateu negando as acusações e questionando o colega relator quando afirmou que sua tese não implicava em mudanças:

“Se terá as exceções, por que escrever que ele é taxativo? Com a taxatividade nós estamos fechando portas. Se não haverá prejuízo, não tem porque mudar a palavra?”, retrucou Nancy.

Ao final, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva pediu vista do processo. Por sugestão do presidente da 2ª Seção, o pedido de vista foi proclamado como coletivo e o julgamento do Rol da ANS foi suspenso.

Via: Site institucional JOTA

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