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6 de Maio de 2024
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    Indo além do caso Lula, porque o jogo midiático é fundamental

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Arte: André Zanardo

    Por: Grazielle Albuquerque

    No início do mês, o polêmico caso “Lula preso/Lula solto” demonstrou indiscutivelmente que, no Brasil, as fortes emoções voltaram com força ao campo da política. O assunto já é quase batido e rendeu ótimas análises que, vistas em um plano geral, tinham algo em comum: pensavam na estratégia midiática ao redor do episódio. Inclusive, parece consenso que, nessa disputa, a Operação Lava Jato saiu perdendo em relação à isca plantada pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Seria difícil imaginar que Lula realmente conseguisse, ao menos por algumas horas, deixar a carceragem da Polícia Federal em Curitiba, onde está preso provisoriamente pelo processo relativo ao triplex do Guarujá. Contudo, o manejo feito pelo PT conseguiu que, em um pacato domingo, pelo menos três magistrados se revezassem em um esforço incomum para evitar que uma decisão, cujo destino certamente seria a revogação no dia seguinte, sequer chegasse a ser cumprida.

    O fato é que, desde que acatado o HC, seguiu-se uma espécie de montanha-russa judicial que em poucos minutos mudava a situação de Lula, entre preso e solto, e as expectativas em torno desse fato. Por volta do meio-dia, a decisão de Favreto foi contestada em despacho pelo juiz Sérgio Moro. Pouco depois, descobriu-se que Moro estava de férias.

    Nesse ínterim, as perguntas sobre a quem se destinava a ordem de soltura e a contestação foram só o começo de uma série de reviravoltas processuais que tomaram o domingo. A professora da GV de São Paulo Eloísa Machado fez uma ótima análise da questão processual para o Nexo. Fato é que, até o final do domingo, Favreto tinha expedido três despachos com ordens de soltura destinadas a Lula. Uma delas foi revogada pelo relator do processo contra Lula no TRF-4, o desembargador João Pedro Gebran Neto, que estava de folga. Depois, Favreto reafirmou a decisão. O Ministério Público arguiu conflito positivo de competência e, ao fim do dia, atuando como uma instância recursal, o presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores, acabou por decidir: Lula continuaria preso.

    Em uma entrevista ao Jota, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ex-corregedor-geral de Justiça, Gilson Dipp, classificou o episódio com as seguintes palavras: “A cena mais patética que eu jamais vi na minha vida em todo o Judiciário”. É usual no jornalismo se usar uma citação mais forte para encabeçar uma matéria, ainda mais no caso de uma entrevista. Contudo, a frase aqui é pinçada muito mais por representar uma sensação do público geral do que uma consideração particular. A maioria das pessoas que acompanhavam o vaievém processual se sentia vendo um jogo voluntarista que pouco tem a ver com a ideia clássica da deusa Themis serena, de olhos fechados. É este precisamente o ponto de análise: em um processo em que o Judiciário aparece como ator político e, ressalte-se, aparece tão exacerbadamente, é impossível que não haja uma cobrança pública nas mesmas dimensões. Na entrevista ao Jota, Dipp também fala: “Sem apontar qualquer culpa de ninguém, mas foi um processo altamente politizado. E agora a gente sabe quem é quem”.

    Visto assim, o episódio do domingo, 8 de julho, é apenas mais um em que a Justiça se comporta como antagônica (ou favorável, a depender do magistrado) a um réu, e não como fiel da balança. Independentemente do “time” para o qual se torça, isso tem pelo menos três consequências sérias: 1 – o que colocar no lugar do mito do juiz imparcial?; 2 – como é possível ter previsibilidade jurídica com tamanho ativismo?; e 3 – não é possível fazer nada diante de tanta bagunça? São perguntas que teriam um peso se fossem feitas de forma institucional, veladamente, dentro dos salões e dos ofícios. Há, contudo, uma “novidade” que muda os resultados. Essas são perguntas feitas na mídia, nas redes sociais e com ampla abrangência na agenda pública. Vista num plano menor, foi exatamente por isso que a estratégia do PT deu certo. Ao conseguir uma decisão que pendesse para o seu lado, o que o partido expôs foi um grande esforço organizado do lado oposto. Nesse sentido, o episódio do dia 8 é cumulativo de uma série em que o Judiciário aparece com esse acentuado viés político, antagonizando-se ao réu.

    Questionamentos processuais

    Um indicativo de que a questão vai além do caso Lula é que, a reboque do seu personagem principal, o que se questiona são os próprios procedimentos da Justiça. Vale perguntar: como Moro, estando de férias, poderia contestar formalmente uma ordem de uma instância superior? Esse papel não seria do Ministério Público, o titular da ação penal? Por que a Polícia Federal e a Vara de Execuções não cumpriram a ordem de soltura de imediato? O magistrado de plantão pode ter suas decisões revogadas por seus pares durante o tempo em que, pelo calendário do Tribunal, tem a competência para oficiar nos processos? Tais questionamentos até parecem um estudo de caso feito nas aulas desses cursinhos preparatórios para as carreiras de Estado. Mas, na realidade, eram as pautas de política que tomaram aquele fim de semana na imprensa e nas redes sociais.

    Pensando em episódios seriados, a frase do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio, “que fique registrado nos anais do STF: venceu a estratégia”, é talvez a mais representativa desse processo. A fala do ministro, proferida no plenário do Tribunal, no dia 4 de abril, quando se julgava o habeas corpus de Lula, expõe não são só as preferências, mas a “flexibilidade” das regras.

    Com isso, é revelado algo intrínseco ao processo judicial. Revelado e, portanto, passível de questionamento de todas as ordens. Com traços positivos e negativos, esse parece ser um caminho sem volta. Por isso, em certa medida, o caso Lula representa algo maior. O julgamento da cassação da chapa Dilma/Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e os embates protagonizados e televisionados ali são outro exemplo. É possível citar diversos para ratificar os dois pontos levantados: há um Judiciário que mostra suas preferências políticas e também há um Judiciário que revela a maleabilidade de suas regras.

    Nessa argumentação, todas essas questões são levantadas menos para analisar o caso de Lula em si e mais para mostrar a estratégia do PT e o que ela revela. Essa é uma reação do campo político que vem do partido mais atacado na conjuntura atual, mas que não se restringe a ele. Em diversos textos, inclusive aqui nessa coluna, já analisei aspectos de um Judiciário que se expõe. A diferença, nesse caso, é que são os tradicionais atores políticos a chamar a Justiça para o jogo midiático. Em tom de troça, é quase como se os veteranos dissessem “desceu no play, vai ter que brincar”.

    A política ocorre na agenda pública

    O comportamento político do Judiciário nos leva a inúmeros caminhos, em especial aos trilhados pela Ciência Política com o modelo atitudinal, estratégico…. Esse é um trajeto à parte. Ocorre que, nesse caso, nosso ângulo de observação, em especial no que toca às eleições de 2018, é mostrar que, sejam as preferências ou seja a flexibilidade das regras, ao se expor esses elementos na agenda pública, o jogo muda de configuração, já que este é o espaço por excelência onde a política contemporânea ocorre.

    Se é comum pensarmos em contendas discursivas e deliberações públicas ao tratar de comunicação e eleições, no caso de um poder não eleito, como o Judiciário, a base deve ser outra. Contudo, há aqui um fato “novo”: quando o que aparece é uma Justiça política, os jogadores mais experientes vão levar o jogo para o espaço que lhe é costumeiro, usar as mesmas regras de uma Justiça ancorada na opinião pública e empurrar a disputa para esse cenário. Dito de forma direta, o PT usou a mídia e a repercussão pública como ferramenta do jogo. Mesmo sabendo que não ganharia a contenda jurídica, o partido sairia vitorioso ao expor como adversário aquele que deveria ter papel de árbitro.

    Esses dois lados, Moro versus Lula, podem parecer lugar-comum numa sociedade extremamente polarizada como a nossa. Mas, visto com calma, não é. É preciso tirar o foco dos personagens ao se observar esse fenômeno pela ótica de uma agenda de pesquisa mais perene. Lula e o PT, o que vale para outros partidos políticos e candidatos, são velhos conhecidos da opinião pública. Sabe-se o que esperar dos políticos, vota-se neles, há uma aposta feita e retirada, a depender dos resultados.

    Na esteira de personagens e disputas políticas, a Justiça revela sua forma de funcionamento – o que tem aspectos muito positivos. Resta saber se ela está preparada para as cobranças que resultam desse movimento. É preciso ir além, e se perguntar quais os impactos disso na democracia brasileira e como esse embate pode gerar espaço para pretensas e fáceis soluções que desqualifiquem o campo político para o debate. Junto com a Justiça que expõe seus ossos, outros processos aparecem desnudos.

    Grazielle Albuquerque é jornalista e doutoranda em Ciências Políticas pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi researchfellow no German Institute of Global and Area Studies (Giga), em Hamburg. É pesquisadora da área de Ciência Política, estuda Sistema de Justiça, em especial, sua interface com a mídia.

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