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7 de Maio de 2024

Intersecções entre os filmes da Barbie e Oppenheimer, e a banalidade do mal

há 9 meses

O mês de julho de 2023 ficará marcado pela intensa onda de frio no sul do Brasil, de extremo calor na Europa, e com o lançamento de dois filmes pela indústria cinematográfica hollywoodiana: Barbie e Oppenheimer.

Não sou crítica de cinema e dos dois filmes assisti apenas o Oppenheimer. Não assisti, ainda, à produção comercialmente concorrente, Barbie, que pretende abranger a parcela do público que não se sente atraída pelo tema bélico.

Convém, de todo modo, até para que esta resenha alcance maior amplitude, debater um pouco sobre a influência da boneca Barbie na vida das meninas que tem mais de trinta e cinco anos.

A Barbie realmente foi um ícone na vida das meninas dos anos 80, ela era “tudo o que você quer ser”: podia ser astronauta, podia ser advogada, podia ser juíza, engenheira, médica e até mesmo física. E se quisesse, certamente poderia desenvolver uma bomba atômica, caso isso fosse sua ambição pessoal.

Sem dúvida um empoderamento à mulher branca, magra, cabelos e olhos claros. Naquela época nem se falava em inclusão/respeito às diferenças. Esse sequer era tema em pauta. Mas sem dúvida foi o passo inicial no longo caminho que vem sendo percorrido pela mulher na sociedade em busca do empoderamento, respeito e isonomia face aos homens.

Porém, não creio que isso importe em verdadeiro empoderamento, emancipação ou superação de desigualdades. A Barbie hollywoodiana, que eu não assisti, tem pretensões que escapam a visão superficial da crítica sobre o mundo cor de rosa que a boneca originária desfrutava.

É notório que o filme pretende ampliar as vendas da Matel, empresa multinacional que vem vivenciando uma crise em razão da abrupta queda no volume de vendas nos últimos anos.

Não passa despercebida a pretensão de potencializar a venda de produtos e resgatar o apego emocional à boneca (mulher) empoderada, transpondo a influência outrora existente no mundo real para o metaverso.

A empresa multinacional certamente não ignora que as meninas contemporâneas não sentem qualquer atração pela boneca de plástico. A opção seria transportar o produto para o mundo virtual, e aí pode ser encontrada a chave para desvendar o sucesso do filme. Grande prova disso é a ampla divulgação da película em redes sociais, com aderência maciça dos usuários da rede mundial de computadores, constatada pela onda rosa chiclete nas ruas nos últimos dias.

Para quem não suporta a Barbie, seja porque nasceu em outra época, seja porque era menino na década de 80, e que, também por influência da televisão ou cinema, gostava de brinquedos de guerra, tais como o Comandos em Ação ou Falcon, foi lançado o filme Oppenheimer, porque, claro, o mercado cinematográfico precisa abarcar gostos diversos.

Esse sim eu assisti, e, portanto, sinto-me sinto mais à vontade para comentar.

O filme americano conta a história épica de J. Robert Oppenheimer, físico teórico americano, diretor do Laboratório Nacional de Los Alamos durante o final da Segunda Guerra Mundial, usualmente creditado como o “pai da bomba atômica”.

Obviamente a obra cinematográfica é conduzida de modo a enaltecer a atuação do físico estadunidense, concebido como um gênio em sua área do conhecimento.

Dentro da tradicional lógica maniqueísta, a atuação do herói do filme (pai da bomba atômica) é contraposta às cenas em preto e branco na qual é contraditado pelo vilão, Sr. Lewis Strauss.

Aliás, convém observar que o personagem Oppenheimer construído para a película é muito semelhante ao estereótipo dos bonecos Falcon e Comandos em Ação, externando a figura de um verdadeiro herói americano. Em uma cena chega a vestir uniforme militar, e em outras, contracena em conjunto com a bandeira americana deixando transparecer o orgulho nacional quanto à saga do personagem.

Na película, logo após os primeiros testes da bomba, narrada como um evento realizado no deserto, consumado sem sopesar os impactos ambientais que uma explosão de tamanha magnitude poderia causar, tampouco sobre a previsível possibilidade de explosão do mundo, sobressai o dilema ético do filme quando Oppenheimer supostamente passa a questionar a amplitude de sua criação: “I have blood in my hands”.

Chego a questionar: será que ele disso isso mesmo? Ou será que sempre se sentiu orgulhoso de sua criação, conforme estampado na capa da Revista Times contemporânea dos fatos?

Sem dar spoiler sobre o desfecho do filme, o qual é um relato histórico da criação da bomba atômica e do Projeto Manhattan, impossível desvendar o verdadeiro conteúdo subjetivo do cientista Oppenheimer, pois o filme não possibilita conclusões precisas a respeito.

Dou um salto do recorte ficcional para o debate filosófico, mas não sem antes pensar nos trailers expostos antes do filme Oppenheimer: antes das 3 horas de filme começarem, foram divulgadas as próximas estreias hollywoodianas, dentre elas duas obras que se autodenominam perversas, com conteúdo de terror , sangue e ódio escorrendo das telas. É o que a sociedade contemporânea gosta de consumir: violência, sangue e muita banalidade do mal.

Obviamente essa resenha não é uma crítica de cinema, eu pouco entendo de cinema. Confesso que dormi em algumas cenas do Oppenheimer.

Então, ouso convidar para fazer parte dessa singela resenha a filósofa Hannah Arendt, citando-a como uma versão da Barbie Filósofa, uma mulher à frente de seu tempo, que poderia ser tudo o que quisesse ser e resolveu, por meio do jornalismo, fazer reflexões sobre história e política.

O que a Filósofa relataria caso os países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) tivessem saído vitoriosos, e os Aliados (França, Inglaterra, EUA e posteriormente, URSS) tivessem sido derrotados?

Oppenheimer certamente não seria exaltado como herói, e a figura do ‘pai’ de uma arma de extermínio em massa não seria concebida como um avanço. Quiçá ele seria equiparado a Hitler e sua descoberta científica seria equiparada aos campos de concentração.

O filme relata que, dentre mortos diretos e indiretos, as vítimas das duas bombas atômicas chegaram a aproximadamente 220 mil vidas. Uma barbárie comparada apenas aos campos de concentração europeus.

Num contexto diverso, de fracasso dos EUA na Segunda Guerra, procedendo uma análise desapaixonada e neutra acerca dos efeitos da invenção de Oppenheimer e sua arma de destruição em massa, ao invés de receber condecorações pelo governo americano, talvez ele fosse conduzido a julgamento pelas mortes resultantes do fruto de sua inteligência, tal como Eichmann em Jerusalém, analisado de forma cirúrgica por Hannah Arendt.

Quiçá ele dissesse em seu julgamento, tal como afirmou Eichmann, que utilizou seus conhecimentos em favor do desenvolvimento da ciência, e que atuara em atendimento às ordens de seus superiores, que não houvera escolha, que fora compelido pela ideologia dominante e pelas autoridades americanas a aplicar seu conhecimento para criar a bomba atômica. Diria também que não pensou nos efeitos deletérios de sua criação.

O filme de Oppenheimer aponta que o cientista teve consciência das consequências de sua criação somente após o arremesso das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki, mas em nenhum momento sugere sequer resquícios de arrependimento pelo criador.

O sucesso do experimento no deserto foi comemorado amplamente, como sendo fruto do trabalho de 400 pessoas e do investimento, pelo governo americano, de mais de 2 bilhões de dólares (na época).

Fica subentendido no filme que o brilhantismo da descoberta de Oppenheimer foi subcelebrado pela sociedade acadêmica mundial, e alvo de críticas e protestos tidos pelo cientista como impertinentes.

Acredito que pessoas com viés pacifista talvez tenham saído das salas de cinema com inquietação, exatamente o que me impulsiona a escrever essa resenha.

De tudo isso, seja o filme da Barbie e sua inocuidade no discurso de inclusão e empoderamento da mulher, seja a versão épica e heroica do mentor de uma das mais temíveis armas de destruição em massa, sobressai a inquietação filosófica sobre os rumos que a sociedade contemporânea vem percorrendo em prol do capitalismo e da destruição paulatina do único mundo que temos a nosso dispor.

Os índices alarmantes de violência doméstica, de agressões mutuas, de desrespeito, chacinas e ataques a escolas vem crescendo, e os limites éticos e morais se mostram agora quase inexistentes.

Somente os limites éticos e morais é que que eventualmente poderiam refrear o ímpeto do ser humano em sua gana de angariar lucros desenfreadamente, seja pelo apelo emocional do resgate e monetização de um brinquedo dos anos 80, seja pelo emprego de uma arma de extermínio em massa e que poderia reduzir o planeta a pó em poucos segundos.

Certo é que os vieses adotados pelos filmes da Barbie e Oppenheimer são notoriamente diferentes, mas o intento final é o mesmo: a máquina do capitalismo, por meio de suas ferramentas ideológicas (in casu, o cinema) querendo se impor na sociedade, se reinventando a todo momento e a qualquer preço de forma a perpetuar a dominação das massas.

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