Jurisprudência reconhece direitos e limites à proteção jurídica do nascituro
Ainda que o artigo 2º do Código Civil condicione a aquisição de personalidade jurídica ao nascimento, o ordenamento jurídico brasileiro reconhece e concede ao nascituro uma categoria especial de direitos – os quais abrangem situações jurídicas destinadas a garantir o desenvolvimento digno e saudável no meio intrauterino e o consequente nascimento com vida –, a exemplo do direito à vida e à assistência pré-natal. Não há, no entanto, uma delimitação expressa do rol de tais direitos.
As correntes doutrinárias que buscam balizar a proteção jurídica devida àqueles que ainda não nasceram se dividem em três.
A primeira, natalista, defende que a titularização de direitos e a personalidade jurídica são conceitos inexoravelmente vinculados, de modo que, inexistindo personalidade jurídica anterior ao nascimento, a consequência lógica é que também não há direitos titularizados pelo nascituro, mas mera expectativa de direitos.
Já para a teoria concepcionista, a personalidade jurídica se inicia com a concepção, muito embora alguns direitos só possam ser plenamente exercitáveis com o nascimento, como os decorrentes de herança, legado e doação.
Por último, há a teoria da personalidade condicional, para a qual a personalidade tem início com a concepção, porém fica submetida a uma condição suspensiva (o nascimento com vida), assegurados, no entanto, desde a concepção, os direitos da personalidade, inclusive para assegurar o nascimento.
Direito à vida
Ao reconhecer a uma mulher o direito de receber o seguro DPVAT após sofrer aborto em decorrência de acidente de carro, o relator do recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Luis Felipe Salomão, esclareceu que o ordenamento jurídico como um todo – e não apenas o Código Civil de 2002 – alinhou-se mais à teoria concepcionista para a construção da situação jurídica do nascituro.
Em seu voto no REsp 1.415.727, o ministro ressaltou que é garantida aos ainda não nascidos a possibilidade de receber doação (artigo 542 do CC) e de ser curatelado (artigo 1.779 do CC), além da especial proteção do atendimento pré-natal (artigo 8º do Estatuto da Criança e do Adolescente). O relator ainda citou as disposições do Código Penal, no qual o crime de aborto é alocado no título referente a “crimes contra a pessoa”, no capítulo dos “crimes contra a vida”.
“Mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante”, afirmou.
Para ele, garantir ao nascituro expectativas de direitos – ou mesmo direitos condicionados ao nascimento – “só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais”.
Seguro DPVAT
Salomão destacou que, mesmo em sua literalidade, o Código Civil não mistura os conceitos de existência da pessoa e de aquisição da personalidade jurídica. De acordo com o ministro, ainda que não se possa falar em personalidade jurídica, é possível falar em pessoa. “Caso contrário, não se vislumbraria nenhum sentido lógico na fórmula ‘a personalidade civil da pessoa começa’ se ambas – pessoa e personalidade civil – tivessem como começo o mesmo acontecimento.”
Ao analisar o caso concreto, o relator avaliou que o artigo 3º da Lei 6.194/1974 garante indenização por morte; assim, “o aborto causado pelo acidente subsume-se à perfeição ao comando normativo, haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do nascituro, ou o perecimento de uma vida intrauterina”.
O ministro ressaltou que a solução apresentada está alinhada com a natureza jurídica do seguro DPVAT, uma vez que a sua finalidade é garantir que os danos pessoais sofridos por vítimas de acidentes com veículos sejam compensados, ao menos parcialmente.
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