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6 de Maio de 2024
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    Lei Maria da Penha não se aplica a troca de ofensas entre irmãs

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 15 anos

    A Lei Maria da Penha não foi idealizada para ser aplicada a qualquer tipo de "desavenças" entre parentes. O Supreior Tribunal de Justiça decidiu que a troca de ofensas entre duas irmãs, sem a comprovada condição de inferioridade física ou econômica de uma em relação à outra, não se insere nas hipóteses previstas pela Lei nº 11.340 /06. "Se assim fosse, qualquer briga entre parentes daria ensejo ao enquadramento na Lei nº 11.340 /06 ", frisou o ministro Og Fernandes, da Terceira Seção do Superior Tribunal (STJ).

    "O objetivo da Lei Maria da Penha é a proteção da mulher em situação de fragilidade diante do homem ou de uma mulher em decorrência de qualquer relação íntima, com ou sem coabitação, em que possam ocorrer atos de violência contra esta mulher", explicou. "Entretanto, a troca de ofensas entre duas irmãs, sem a comprovada condição de inferioridade física ou econômica de uma em relação à outra, não se insere nesta hipótese, pois, se assim fosse, qualquer briga entre parentes daria ensejo ao enquadramento na Lei n. 11.340 /06 ", concluiu o ministro, ao julgar um conflito de competência envolvendo o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Governador Valadares (MG) e o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal da mesma cidade.

    Marilza S. O. ingressou com representação contra a irmã M. S. O., alegando ter sido ofendida verbalmente na porta de sua casa. Sustentou ser vítima de constrangimento moral, uma vez que a irmã teria feito um escândalo na rua, buzinando e gritando palavras ofensivas como "prostituta e vagabunda" contra ela. Marilza relatou, também, que o proprietário do imóvel, ao saber do incidente, teria solicitado que ela deixasse o imóvel, pois não pretendia que ela permanecesse como inquilina.

    De acordo com as informações do processo, as duas irmãs sempre viveram em constante atrito. O Juizado Especial Criminal de Governador Valadares, acolhendo parecer ministerial, manifestou-se no sentido de que o caso se enquadraria na Lei Maria da Penha e, por isso, a competência para julgar seria de uma das varas criminais da cidade, uma vez que a nova lei teria retirado dos Juizados Especiais Criminais a competência para processar delitos dessa natureza. Sendo assim, o juiz encarregado encaminhou os autos para a 1ª Vara Criminal de Governador Valadares.

    Por sua vez, o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal entendeu que o caso não se enquadraria nos termos da Lei nº 11.340 /06 e suscitou o conflito de competência, determinando a remessa do processo ao STJ. Ao se manifestar sobre o recurso, o Ministério Público Federal (MPF) deu parecer para declarar a competência do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares.

    Para o ministro Og Fernandes, relator do recurso, "a nova lei refere-se a crimes praticados contra a mulher, numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica em relações patriarcais, o que não ficou demonstrado na análise dos autos". Segundo o magistrado, o crime praticado não envolve qualquer motivação de gênero (sexo feminino ou masculino), mas sim um problema de relacionamento antigo entre irmãs que não se entendem e vivem trocando ofensas.

    Diante de tais fatos, Og Fernandes conheceu do recurso e declarou competente para processar e julgar a representação o Juízo de Direito do Juizado Especial de Governador Valadares. O voto do relator foi acompanhado, por unanimidade, pelos demais ministros da Terceira Seção.

    Processo CC nº 88.027 - MG

    Leia, abaixo, a íntegra da decisão:

    "CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 88.027 - MG (2007⁄0171806-1)

    RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES

    AUTOR : JUSTIÇA PÚBLICA

    RÉU : M. S. O.*

    SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DA 1A VARA CRIMINAL DE GOVERNADOR VALADARES - MG

    SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE GOVERNADOR VALADARES - MG

    EMENTA

    CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. CRIME CONTRA HONRA PRATICADO POR IRMÃ DA VÍTIMA. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340 ⁄06 . COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL.

    1. Delito contra honra, envolvendo irmãs, não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340 ⁄06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica.

    2. Sujeito passivo da violência doméstica, objeto da referida lei, é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade.

    2. No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar contra a mulher. Não se aplica a Lei nº 11.340 ⁄06.

    3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares⁄MG, o suscitado.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, A Seção, por unanimidade, conhecer do conflito e declarar competente o Suscitado, Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares - MG, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator a Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ⁄MG) e os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi.

    Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer, Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Nilson Naves.

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.

    Brasília, 05 de dezembro de 2008 (data do julgamento).

    MINISTRO OG FERNANDES

    Relator

    RELATÓRIO

    O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Cuida-se de conflito negativo de competência, em que são partes o Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Governador Valadares-MG, suscitante, e o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares⁄MG, suscitado, que se declararam incompetentes para o processar e julgar do feito.

    Depreende-se dos autos que M. S. O. ingressou com representação contra M. S. O., alegando ter sido ofendida verbalmente à porta de sua casa, sendo vítima de constrangimento moral, uma vez que, em virtude do acontecido, foi-lhe pedido que se retirasse do imóvel em que residia pelo proprietário do mesmo. Consta que a autora do suposto delito (art. 139 e 140 do CP) seria irmã da vítima e que as duas estariam constantemente em atrito.

    O Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares-MG, acolhendo o parecer ministerial, manifestou-se no sentido de que o caso se enquadra na hipótese da Lei nº 11.340 ⁄06, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo que a competência para julgamento seria de uma das Varas Criminais da Comarca, uma vez que a referida lei retirou dos Juizados Especiais Criminais a competência para o processo e julgamento dos delitos desta natureza. Isto posto, encaminhou os autos à 1ª Vara Criminal de Governador Valadares-MG.

    O Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Governador Valadares-MG entendeu que o caso não se enquadra nos termos do art. da Lei nº 11.340 ⁄06. Desta forma, suscitou o conflito de competência e determinou a remessa dos autos a esta Corte Superior.

    O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 13⁄17 pela competência do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares⁄MG.

    É o relatório.

    VOTO

    O SR. MINISTRO OG FERNANDES (Relator): O caso dos autos não evidencia a ocorrência de crime da Lei nº 11.340 ⁄06, como bem asseverou o Ministério Público Federal em seu parecer.

    A Lei nº 11.340 ⁄06 definiu os crimes cometidos com violência doméstica e familiar contra a mulher:

    Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura-se violência doméstica e familiar contra mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

    I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

    II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou vontade expressa;

    III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

    Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (com detalhes)

    A nova Lei refere-se a crimes praticados com violência familiar contra a mulher, deixando de prever delitos da mesma natureza praticados contra homem ou contra qualquer outro tipo de pessoa. Infere-se, desta forma, que o legislador tem em conta a mulher, numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica em relações patriarcais.

    O escopo da lei é a proteção da mulher em situação de fragilidade diante do homem (ou mulher) em decorrência de qualquer relação íntima, com ou sem coabitação, em que possa ocorrer atos de violência contra esta mulher.

    O sujeito ativo da violência doméstica tanto pode ser o homem, quanto a mulher, em virtude de o parágrafo único do art. 5º estabelecer que as relações pessoais independem de orientação sexual.

    Segundo a corrente defendida por vários juristas, dentre eles Sérgio Ricardo de Souza (SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à Lei de Combate à Violência Contra a Mulher, 2ª Edição, Juruá Editora, Curitiba, 2008), a ênfase principal da lei não é a questão de gênero, tendo o legislador dado prioridade à criação de mecanismos que coíbam e previnam a violência doméstica e familiar contra a mulher, sem importar o gênero do agressor que tanto pode ser homem quanto mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade.

    Para Luiz Flavio Gomes:

    Sujeito ativo da violência pode ser qualquer pessoa vinculada com a vítima (pessoa de qualquer orientação sexual, conforme o art. 5º, parágrafo único ): do sexo masculino, feminino ou que tenha qualquer outra orientação sexual. Ou seja: qualquer pessoa pode ser sujeito ativo da violência; basta estar coligada a uma mulher por vínculo afetivo, familiar ou doméstico: todas se sujeitam à nova lei. Mulher que agride outra mulher com que tenha relação íntima: aplica a nova lei. A essa mesma conclusão se chega: na agressão de filho contra mãe, de marido contra mulher, de neto contra avó, de travesti contra mulher, empregador ou empregadora que agride empregada doméstica, de companheiro contra companheira, de quem esta em união estável contra a mulher etc." (GOMES, Luiz Flavio; BIANCHINI, Aline. Competência Criminal da Lei de Violência contra a Mulher II. Disponível no sítio ).

    O sujeito passivo é a mulher, uma vez que a violência perpetrada pressupõe uma relação caracterizada pelo poder e submissão sobre a mulher. Resguarda-se a primazia da mulher apenas enquanto vítima, uma vez que seria inaceitável que, no mesmo ambiente doméstico ou familiar, o neto que agrida a avó esteja sujeito às regras da Lei Maria da Penha , enquanto que a neta, que pratique os mesmos atos não se submeta às mesmas regras.

    É evidente, no caso, que a troca de ofensas entre irmãs não se insere na hipótese de incidência examinada. Se assim fosse, qualquer briga entre parentes daria ensejo ao enquadramento na Lei nº 11.340 ⁄06. Além do mais, a situação dos autos não demonstra qualquer relação de vulnerabilidade, hipossuficiência, inferioridade física ou econômica entre autora e vítima.

    Fica evidente, pela análise do caso, que o delito supostamente praticado não encerra qualquer motivação de gênero, tendo havido apenas discussões e ofensas entre duas irmãs com problemas de relacionamento preexistentes, conforme narrado na própria representação:

    A vítima relata que a autora é sua irmã e que constantemente estão em atrito. Que no dia 28⁄02⁄2007, a autora foi até a casa da vítima buscar a filha da vítima para levá-la para casa da autora. Que a vítima não tinha autorizado sua filha ir para casa da tia. Pelo fato da filha da vítima não ir, a autora começou a buzinar e gritar na porta da sua casa e ainda agredindo verbalmente a vítima dizendo: 'prostituta, vagabunda, você não é gente de morar na ilha', causando constrangimento moral para a vítima. Relata ainda que o proprietário do imóvel onde a vítima mora pediu para que a mesma se retirasse do imóvel, em virtude do acontecimento.

    Diante de tais considerações, conheço do conflito de competência e declaro competente para processamento e julgamento do feito o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares-MG, ora suscitado.

    É como voto.

    CERTIDÃO DE JULGAMENTO

    TERCEIRA SEÇÃO

    Número Registro: 2007⁄0171806-1 CC 88027 ⁄ MG

    MATÉRIA CRIMINAL

    Número Origem: 105072220616

    EM MESA JULGADO: 05⁄12⁄2008

    Relator

    Exmo. Sr. Ministro OG FERNANDES

    Presidenta da Sessão

    Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ

    Subprocurador-Geral da República

    Exmo. Sr. Dr. JAIR BRANDÃO DE SOUZA MEIRA

    Secretária

    Bela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

    AUTUAÇÃO

    AUTOR : JUSTIÇA PÚBLICA

    RÉU : MÁRCIA SILVA DE OLIVEIRA

    SUSCITANTE : JUÍZO DE DIREITO DA 1A VARA CRIMINAL DE GOVERNADOR VALADARES - MG

    SUSCITADO : JUÍZO DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DE GOVERNADOR VALADARES - MG

    ASSUNTO: Penal - Crimes contra a Pessoa (art. 121 a 154) - Crimes contra a Honra - Difamação (art. 139)

    CERTIDÃO

    Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

    A Seção, por unanimidade, conheceu do conflito e declarou competente o Suscitado, Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares - MG, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

    Votaram com o Relator a Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ⁄MG) e os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi.

    Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer, Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura e, ocasionalmente, o Sr. Ministro Nilson Naves.

    Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.

    Brasília, 05 de dezembro de 2008

    VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

    Secretária"

    Documento: 846323 Inteiro Teor do Acórdão - DJe: 18/12/2008

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