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16 de Junho de 2024
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    Magistrados, procuradores e especialistas debatem em Araçatuba a proteção da criança e do adolescente

    O combate ao trabalho infantil e a implementação de uma rede de proteção da criança e do adolescente brasileiros foram os temas do seminário promovido em 11 de setembro pelo TRT-15, pela Escola Judicial da Corte e pelo Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil no Âmbito do Regional. Realizado no auditório do Centro Universitário Toledo (UniToledo) de Araçatuba (SP), o evento reuniu mais de 350 pessoas – entre magistrados, procuradores, advogados, secretários municipais, representantes da sociedade civil e estudantes – e foi encerrado com a aprovação da "Carta de Araçatuba de Combate ao Trabalho Infantil".

    O seminário foi aberto pelo presidente do TRT, desembargador Lorival Ferreira dos Santos, que compôs a mesa alta ao lado do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Lelio Bentes Corrêa, responsável pela conferência de abertura, dos desembargadores Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, diretor da Escola Judicial, e João Batista Martins César, presidente do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil da 15ª, das juízas Andrea Guelfi Cunha, magistrada auxiliar da Vice-Presidência Judicial do Tribunal, e Jaide Souza Rizzo, titular da Vara do Trabalho (VT) de Birigui e que representou a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região (Amatra XV), do reitor do UniToledo, Bruno Roberto Pereira de Toledo, da secretária municipal de Assistência Social, Aparecida Marta Dourado e Castro, representando o prefeito Cido Sério, do presidente da Câmara de Vereadores, Cido Saraiva, da procuradora do trabalho no Município de Araçatuba Ana Raquel Machado Bueno de Moraes e do advogado Pedro Augusto Chagas Júnior, representando a subseção local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

    Além da conferência inaugural proferida pelo ministro Bentes Corrêa (leia matéria aqui), a programação compreendeu três painéis, integrados por magistrados, procuradores e especialistas no tema do seminário.

    Riqueza de debates

    A cientista social Isa Maria de Oliveira, secretária executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), e a juíza Eliana dos Santos Alves Nogueira, diretora do Fórum Trabalhista de Franca e membro do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil no Âmbito da Justiça do Trabalho da 15ª Região, discorreram sobre "A rede de proteção da criança e do adolescente e o combate ao trabalho infantil", tema do primeiro painel, que teve a mediação do juiz Adhemar Prisco da Cunha Neto, titular da 1ª VT de Araçatuba.

    Isa Maria de Oliveira abordou a realidade e os desafios da erradicação do trabalho infantil, considerado pela pesquisadora uma grave violação dos direitos fundamentais e humanos da criança e do adolescente e cuja prevenção e eliminação, entende a palestrante, são de responsabilidade do poder público e da sociedade e requerem a articulação de uma Rede de Proteção da Criança e do Adolescente.

    Criado em 1994, o FNPETI surgiu como instância democrática de construção de consensos, formulação de diretrizes e promoção do diálogo social, atuando com voz própria e legitimado por representações de trabalhadores, empregadores, governo, ONGs, sistema de Justiça e organismos internacionais. Ao Fórum cabe a articulação e coordenação da Rede Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, integrada por 27 Fóruns Estaduais de Erradicação do Trabalho Infantil e 47 entidades-membro.

    Com base na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a cientista social definiu o trabalho infantil como "toda atividade econômica e/ou de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remunerada ou não, realizada por crianças e adolescentes com idade inferior a 16 anos". A legislação nacional permite uma única exceção: a aprendizagem a partir de 14 anos. As piores formas de trabalho infantil, de acordo com a palestrante, "são atividades que violam os direitos de crianças e adolescentes com relação à vida, à saúde, à educação, à aprendizagem e ao lazer, e ainda acarretam prejuízos que comprometem o seu pleno desenvolvimento".

    Segundo Isa, o trabalho realizado por crianças e adolescentes de 5 a 17 anos sofreu uma significativa redução nos últimos vinte anos, caindo de mais de 8,4 milhões de casos registrados em 1992 para 3,1 milhões em 2013, conforme apurado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE) de 2013. "Desse total, 61 mil trabalhadores têm de 5 a 9 anos; 446 mil, de 10 a 13 anos; 807 mil, 14 ou 15 anos, e cerca de 1,875 milhão, 16 ou 17 anos. São crianças que vivem em famílias pobres, em que os adultos têm baixa ou nenhuma escolaridade."

    Dentre os desafios do combate ao trabalho infantil, ela apontou a necessidade de investimentos em educação, em especial em escolas de tempo integral para crianças e adolescentes da cidade e do campo, de amplo acesso dos adolescentes à aprendizagem e ao trabalho protegido, e de articulação e implementação de políticas públicas de estruturação de serviços de qualidade para crianças e adolescentes retirados do trabalho infantil. "É preciso adotar estratégias de sensibilização para desconstruir e mudar os padrões simbólicos e culturais que naturalizam o trabalho infantil e promover um controle social efetivo das políticas públicas e das ações de enfrentamento do trabalho infantil pela sociedade civil", ressaltou a palestrante.

    Boas práticas em Franca

    A exposição da juíza Eliana Nogueira focou as boas práticas de combate ao trabalho infantil adotadas na região de Franca, com a mobilização da Justiça do Trabalho, das Defensorias Públicas Estadual e Federal, dos Ministérios Públicos do Trabalho (MPT) e Estadual, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Justiça Estadual, além das secretarias municipais, conselhos tutelares, sindicatos, escolas de aprendizagem e instituições sociais, por intermédio do Fórum Municipal para Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente.

    Com base no relatório da OIT sobre Trabalho Decente, a magistrada traçou o ciclo da pobreza em Franca, município que, em 2011, apresentava renda per capita de R$ 17.803, um pouco mais que a metade daquela observada no resto do Estado (R$ 32.449). No período de apuração da pesquisa, a população registrava baixo índice de escolaridade – 35,8% dos adolescentes com mais de 15 anos nunca haviam frequentado a escola ou possuíam ensino fundamental incompleto. "Eram cerca de 7.700 jovens de 15 a 24 anos, e 13,9% desse total não trabalhavam nem estudavam. Na faixa etária de 10 a 13 anos, em que o trabalho é proibido, Franca tinha 647 crianças atuando no mercado", assinalou a juíza. De acordo com Eliana, de um universo de 1.565 trabalhadores de 14 a 15 anos, existiam apenas 70 adolescentes na condição de aprendizes no município. Mais de 4.500 adolescentes de 16 a 17 anos trabalhavam, o que correspondia a 43,4% de todo o contingente.

    A juíza apresentou também algumas considerações com relação ao nível de estudo, empregabilidade e remuneração desses menores. Segundo ela, a cada ano a mais de estudo, o salário do trabalhador pode aumentar em 15%. "O indivíduo com 18 anos de escolaridade possui salário médio de R$ 4.454,69. Já aquele sem estudo recebe uma média de R$ 392,14. A cada ano a mais de estudo, a chance de empregabilidade aumenta em 3,38%", explicou. Nesse sentido, observou Eliana, "o trabalho de adolescentes antes da idade mínima em Franca não foge à regra, caracterizando-se pelo despreparo, pela falta de qualificação profissional e pelos riscos evidenciados".

    De acordo com a palestrante, a rede estabelecida por meio do Fórum Municipal e a forte atuação da Justiça do Trabalho possibilitaram diversas ações de conscientização, como a realização de seminários e de audiências públicas com empresas para orientação quanto às piores formas de trabalho infantil. Eliana destacou também a negação a mais de 150 pedidos de autorização para o trabalho infantil no município, com o encaminhamento das crianças e adolescentes para escolas de aprendizagem. "Realizamos também audiências conjuntas para erradicação da prática de contratação de adolescentes com autorização judicial, culminando em 30 Termos de Ajustamento de Conduta firmados", contabilizou.

    A exposição foi finalizada com a exibição de depoimentos positivos, gravados em vídeo, de adolescentes que foram beneficiados pela atuação da rede de proteção municipal.

    A aprendizagem como novo paradigma

    O seminário prosseguiu com o painel "A aprendizagem como meio eficaz de combate ao trabalho infantil", que reuniu o desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, do TRT da 9ª Região (PR), e o juiz José Roberto Dantas Oliva, diretor do Fórum Trabalhista de Presidente Prudente, gestor nacional e regional do Programa de Combate ao Trabalho Infantil da Justiça do Trabalho e membro do Comitê de Erradicação do Trabalho Infantil no Âmbito da Justiça do Trabalho da 15ª Região. A coordenação dos debates coube ao desembargador Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani, diretor da Escola Judicial do TRT-15.

    Ricardo Tadeu focou sua exposição no contrato de aprendizagem, previsto nos artigos 428 a 433 da CLT, que receberam nova redação a partir das disposições das Leis 10.097/2000, 11.180/2005 e 11.788/2008. Segundo o desembargador – que integrou o MPT em Campinas e no Paraná antes de ser nomeado titular do TRT paranaense, em vaga do quinto constitucional –, o programa de aprendizado representou "um passo importante para a superação do paradigma do ‘minorismo', fundado em uma política assistencialista e repressiva com relação aos menores, baseada na ideia de que é melhor trabalhar do que roubar". Tal avanço, afirma ele, está amparado no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que estabelece que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". Para Ricardo Tadeu, o terceiro parágrafo do artigo "deixa claro que o direito à proteção especial abrange a fixação da idade mínima de 14 anos para admissão ao trabalho e a garantia, ao trabalhador adolescente e jovem, de direitos previdenciários e trabalhistas, bem como do direito ao acesso à escola".

    Na avaliação do desembargador, o ideal seria assegurar a educação integral até os 17 anos, mas a aprendizagem apresenta-se, hoje, como um caminho para se garantir a permanência na escola e a proteção dos menores. "Além de pressupor a anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social e a matrícula e freqüência do aprendiz na escola, caso ele ainda não tenha concluído o ensino médio, o contrato de aprendizagem exige a inscrição em programa desenvolvido sob orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica", argumentou Ricardo Tadeu. Para ele, um programa efetivo de aprendizagem tem de ser implementado como política pública, por meio de uma ação combinada entre o Sistema S (Senai, Sesc, Sesi etc.), organizações não governamentais (ONGs) e escolas técnicas. "Trata-se de um aprendizado no e pelo trabalho, distinguindo-se do estágio genérico no ensino médio, que é uma continuidade do ensino escolar e não tem nada a ver com o mundo produtivo."

    O trabalho infantil doméstico e o trabalho artístico dos menores

    O juiz Dantas Oliva iniciou sua exposição comemorando os avanços alcançados pelo Brasil, nas últimas décadas, no combate ao trabalho de menores, mas advertiu que "ainda temos um longo caminho a percorrer até o cumprimento do compromisso assumido internacionalmente pelo País, de extinguir o trabalho infantil até 2020". Ele sublinhou o fato de apenas um sexto dos 3,1 milhões de crianças e adolescentes que trabalhavam em 2013 serem registrados, incluindo os casos de "falsa aprendizagem", e de 506 mil desses trabalhadores terem de 5 a 13 anos.

    O magistrado abordou especialmente o trabalho infantil doméstico, incluído na lista das piores formas de trabalho infantil pela Convenção 182 da OIT, regulamentada no Brasil pelo Decreto 6.481/2008. "Trata-se de um trabalho invisível, oculto, de difícil fiscalização, vetado aos menores de 18 anos pela Lei Complementar 150/2015, que dispõe sobre o contrato de trabalho doméstico, tendo em vista não só o alto índice de acidentes de trabalho no âmbito doméstico e a exposição sexual das menores trabalhadoras, mas também a incompatibilidade desse tipo de trabalho com a escola." Oliva defendeu também a exclusão, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do artigo 248, que trata da regularização da "guarda" de adolescentes para o serviço doméstico, por confrontar-se, segundo ele, com a doutrina da proteção integral em que se funda o Estatuto.

    Outro tema tratado pelo palestrante foi a autorização judicial para o trabalho infantil artístico, autorizado pela Convenção 138 da OIT em casos excepcionais e mediante a concessão de permissão específica, que limite o número de horas do emprego ou trabalho e prescreva as condições em que ele poderá ser realizado. O magistrado se referiu, em especial, à liminar obtida em agosto passado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), no Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada pela entidade, que questiona a inclusão da apreciação dos pedidos de autorização de trabalho artístico de crianças e adolescentes no rol de competências da Justiça do Trabalho, estabelecido pela Recomendação Conjunta 1/2014, celebrada pelos TRTs da 2ª e da 15ª Região, pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, pelo MPT e pelo Ministério Público Estadual. Segundo Oliva, apesar desse recuo quanto às autorizações do trabalho artístico do menor, "a liminar concedida significa que, no restante, a competência da Justiça do Trabalho para a autorização do trabalho infantil está sendo referendada".

    Os perigos do trabalho precoce e a atuação do MPT

    Sob a coordenação do desembargador Flavio Allegretti de Campos Cooper, que presidiu o TRT-15 no biênio 2012-2014, o terceiro e último painel do seminário contou com a participação do procurador do trabalho Ronaldo José de Lira e do fisioterapeuta e professor Nivaldo Baldo.

    Ronaldo Lira centrou sua exposição na atuação do MPT com relação às crianças e adolescentes vítimas de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais. Segundo o procurador, o enfrentamento desse problema exige maior entrosamento entre os Ministérios do Trabalho e Emprego, da Saúde e da Previdência Social, além do envolvimento de toda a sociedade. "A gestão de riscos requer novos instrumentos, que vão muito além do uso de equipamentos de proteção individual", ressaltou o palestrante. Entre outros pontos, ele abordou a prevenção dos acidentes com máquinas e equipamentos, objeto da Norma Regulamentadora nº 12, do MTE. Segundo dados do INSS, a despeito do disposto na NR-12, em 2013 foram registrados 546 mil casos de acidentes do gênero, dos quais 55.118 foram provocados por apenas 11 tipos de máquinas (como serras, prensas, laminadoras e fresadoras).

    Por fim, Lira detalhou o trabalho realizado pelo MPT para garantir aos adolescentes aprendizes acidentados o retorno ao trabalho, a readaptação em uma nova função, a estabilidade no emprego até a aposentadoria, o atendimento médico e psicológico vitalício, o financiamento educacional e a indenização por danos morais.

    Nivaldo Baldo, o segundo painelista, falou das consequências do trabalho infantil para o desenvolvimento físico das crianças e adolescentes. Por meio de slides, o fisioterapeuta discorreu sobre os prejuízos que o trabalho precoce e a atividade esportiva excessiva podem acarretar para a maturidade óssea de menores de 17 anos. Muitos desses danos, como escolioses, artroses e hérnias de disco, advertiu o professor, são irreversíveis. "Até os 17 anos, o indivíduo ainda está em formação corporal, não pode sustentar cargas pesadas, pegar na enxada ou ficar de cócoras na colheita", frisou Baldo, que defendeu a elaboração de um prontuário médico de cada criança, "permitindo o acompanhamento do seu desenvolvimento até a idade adulta, medida já adotada por vários países".

    Encerrando o evento, o juiz Dantas Oliva leu a "Carta de Araçatuba de combate ao trabalho infantil", que sintetiza os entendimentos e as medidas discutidas no seminário (leia matéria aqui)

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