Mesmo depois de sua morte, Dona Marisa continuou sendo vítima dos boçais de plantão
Do princípio constitucional da pessoalidade ou personalidade da pena, segundo o qual, “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” (art. 5º, XLV, da Constituição da República) decorre o princípio “Mors Omnia Solvit” (a morte resolve tudo). O referido princípio tem total correlação com o princípio da responsabilidade pessoal, que proíbe a imposição de pena por fato de outrem. Ninguém pode ser punido por fato alheio, posto que, de acordo com o Código Penal, a extingue-se a punibilidade pela morte do agente (art. 107, I do Código Penal).
Assim, no que diz respeito às consequências jurídicas do falecimento da ex-primeira-dama D. Marisa Letícia será, como reconhecido em nota pelos seus eminentes advogados, “a extinção, em relação a ela das duas ações penais propostas de forma irresponsável pelo Ministério Público Federal”. Segundo a nota subscrita pelos advogados Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Martins, Larissa Teixeira e Roberto Teixeira, “D. Marisa não poderá, lamentavelmente, ver triunfar o reconhecimento de sua inocência por um juiz imparcial”.
Sim, ainda que tudo leve a crer que D. Marisa Letícia tenha sido denunciada sem que houvesse “justa causa” para tal – como também foi Lula – ainda assim, lamentavelmente, como bem disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, D. Marisa morreu triste e não se livrou dessa “canalhice”. Sim, “canalhice”, já que uma mulher sabidamente inocente foi jogada as feras.
Como bem observado por Carnelutti:
“O homem quando é suspeito de um delito, é jogado às feras, como se dizia uma vez dos condenados oferecidos como alimento às feras. A fera, a indomável e insaciável fera, é a multidão. O artigo da Constituição, que se ilude a garantir a incolumidade do acusado, é praticamente inconciliável com aquele outro que sanciona a liberdade de imprensa. Logo que surge o suspeito, o acusado, a sua família, a sua casa, o seu trabalho são inquiridos, investigados, despidos na presença de todos. O individuo, assim, é feito em pedaços. E o individuo, assim, relembremo-nos, é o único valor da civilização que deveria ser protegido”.
Marisa Letícia foi acusada sem que houvesse o mínimo de lastro probatório para o oferecimento das denúncias, sem que houvesse justa causa. É a justa causa, no dizer de Casara e Melchior, que demonstra “a seriedade da acusação, que impede acusações levianas ou imputações temerárias, despidas de suporte fático”.
Mas, no caso de D. Marisa Letícia a morte não resolveu tudo já que ela faleceu com o coração magoado e partido por acusações levianas e injustas.
Como é sabido, ainda que vigore o princípio da presunção de inocência – mitigado pelo Supremo Tribunal Federal – a acusação, ainda que absurda e improvável, acaba, por si só, maculando a imagem e a honra do acusado, mormente, quando transformada em espetáculo midiático.
Desgraçadamente e inumanamente D. Marisa Letícia continuou mesmo depois de morte sendo vítima dos boçais de plantão que, como já dito alhures, faz com que se duvide da humanidade.
Não, a morte não resolve e nem soluciona tudo, posto que a tristeza, como disse o poeta, “não tem fim, felicidade sim”.
Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado e Doutor em Ciências Penais pela UFMG.
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.