Ministério da Justiça e Segurança Pública brasileira volta a questionar a Apple e Samsung sobre a ausência de carregadores de seus smartphones.
Possível reconhecimento de venda casada.
Recentemente, as empresas Apple e Samsung voltaram à mira do Ministério da Justiça e Segurança Pública brasileira [1] (Secretaria Nacional do Consumidor), por razões relacionadas à “nova política ambiental” adotada pelos fabricantes, conforme trecho da matéria extraída do site governamental defesadoconsumidor.gov:
“Brasília, 17/05/2022 (MJSP) — O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) inicia os destaques desta semana com a orientação a todos os Procon do país a abrir processos administrativos contra a Apple e a Samsung. As empresas deixaram de incluir carregadores de energia nos telefones móveis vendidos. Por isso, a determinação da Secretaria Nacional do Consumidor, do MJSP, considera que há possíveis irregularidades na ação das empresas”.
Sob o pretexto de dar mais proteção ao meio ambiente, ambas as fabricantes tomaram a iniciativa de não mais incluir carregadores de bateria nas caixas de seus Smartphones (celulares), argumentando-se que a medida reduziria o tamanho de suas embalagens e, consequentemente, haveria diminuição na emissão de carbono.
No entanto, o argumento parece não ter convencido o Governo Federal [2] e Entidades protetoras dos direitos dos consumidores, já que “tal componente se trata de parte essencial ao próprio uso do terminal”, o que inclusive ensejou a criação do Projeto de Lei54511/20, cujas razões são parcialmente transcritas a seguir:
“A exclusão de tais componentes constitui clara tentativa por parte da fabricante de maximizar suas margens de lucro de forma injustificada. Com efeito, o consumidor precisará comprar fones e carregador separadamente na própria Apple, a preços muitas das vezes exorbitantes”.
Ainda que a intenção (queira-se acreditar) seja das melhores, sob a ótica da legislação consumerista, a conduta, num primeiro momento, enquadrar-se-ia na disposição do artigo 39, I, do CDC, que dispõe ser abusiva a denominada “venda casada” de produtos ou serviços:
“É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;”.
Nos ensinamentos de Flávio Tartuce [3], “conclui-se que é venda casada a hipótese em que o fornecedor somente resolve um problema quanto a um produto ou serviço se um outro produto ou serviço for adquirido”.
Ou seja, ao deixar de fornecer um item essencial para o funcionamento do produto, forçando-se o consumidor a adquiri-lo de forma separada, poderia-se caracterizar como venda casada.
No entanto, apesar do esforço dos Poderes Executivo (imposições de multas administrativas) e Legislativo (criação de normas legais para o assunto), o reconhecimento da abusividade ainda é matéria não sedimentada pelo Poder Judiciário, o que se extrai dos seguintes julgados:
Venda casada não configurada:
“Produto que não veio acompanhado do "bico carregador USB-C de 20W" – Alegação de venda casada. Pedido de condenação na obrigação de fazer (entrega do bico carregador) e indenização por dano moral. Sentença de procedência que merece ser reformada. Venda casada não configurada – Cumprimento do dever de informação previsto no artigo 6º, III, e artigo 30, do CDC) – Inexistência de danos morais. Recursos a que se dá provimento, para julgar improcedente a ação. (TJSP; Recurso Inominado Cível 1004915-28.2021.8.26.0297; Relator (a): Adílson Vagner Ballotti; Órgão Julgador: 3ª Turma Cível e Criminal; Foro de Jales - Vara do Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 30/11/2021; Data de Registro: 30/11/2021)”.
Venda casada configurada:
“Ademais, a ao fornecer o aparelho sem o seu adaptador, a fabricante Apple condiciona o consumo ou aproveitamento econômico do bem à aquisição de outro produto: adaptador ¿ agora somente disponível para venda em separado, nas lojas da acionada. Nesse ponto, entendo que tal prática se identifica com a venda casada, pelo fato de impor, ainda que indiretamente, a compra de outro bem com a finalidade de utilizar o aparelho celular. Destarte, de olho em tal prática comercial, os órgãos de defesa das relações de consumo já vêm se manifestando sobre a abusividade da venda do produto objeto da lide desacompanhado do adaptador/carregador, a exemplo do Procon-SP, que impôs multa no importe de R$ 10.546.442,48 (dez milhões, quinhentos e quarenta e seis, quatrocentos e quarenta e dois reais e quarenta e oito centavos) à fabricante Apple, pela venda do Iphone 12 desacompanhado do carregador, para além de outras práticas abusivas”. (TJBA. Acórdão. Processo nº 0174695-17.2020.8.05.0001;. Órgão Julgador: Quinta Turma Recursal. Relator (a): Eliene Simone Silva Oliveira;. Data do julgamento: 20210810. Data de publicação: 20210810)”.
Apesar da divergência entre os entendimentos jurisprudenciais acerca da matéria, o Ministério da Justiça e Segurança Pública orienta que as mais de 900 unidades do Procon devem iniciar processos administrativos contra a Apple e Samsung, porquanto “a não inclusão dos carregadores dá lucro de US$ 6,5 bilhões só para Apple”, o que afastaria qualquer manto de preocupação em relação a redução de danos ao meio ambiente.
Note-se que essas empresas não deixaram de fabricar esses produtos, pois em seus próprios sites constata-se a comercialização individual desses itens, inclusive a preços não tão agradáveis: R$ 191,00 para a Apple, e R$ 149,00 para a Samsung, de forma que o argumento de redução do número de embalagens, em tese, não se justificaria.
Portanto, caso o consumidor sinta-se lesado com essa “nova política ambiental”, a medida mais sensata seria levar a discussão ao poder judiciário, a fim de que seja analisada eventual conduta ilícita por parte desses fornecedores.
[1] https://www.defesadoconsumidor.gov.br/portal/ultimas-noticias/2147-processo-administrativo-contra-ap...
[2] https://www.câmara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=node0337h4bpnqs2nndla09xwqqp...
[3] Manual de Direito do Consumidor, Flávio Tartuce e Daniel Amorim Assumpção Neves, edição 2017, 6ª edição, Editora Método, fls. 471.
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