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15 de Junho de 2024
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    Não cabe ao titular da vara exercer retratação em decisões dos mutirões

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 14 anos

    A ideia de escrever sobre o assunto nos recorreu após a passagem do mutirão carcerário, composto por membros do Judiciário do Estado de Mato Grosso do Sul, por nossa comarca, sobretudo pelo fato de que nos deparamos com vários agravos em execução interpostos contras as decisões proferidas pelo mutirão em questão, em sua maioria pelo Ministério Público local, porém alguns também pela Defensoria Pública do Estado.

    Ao nos depararmos com tais recursos, no momento do juízo de retratação, chegamos à conclusão de que não cabe ao juiz titular da comarca, afastado dos processos direcionados ao mutirão, realizá-lo, isso em razão dos argumentos que a seguir serão expostos.

    A iniciativa de tecer esses breves comentários também tem a singela pretensão de colaborar para a discussão do tema e, quiçá, auxiliar operadores do Direito que se virem envoltos em questionamentos afetos ao tema.

    Os mutirões carcerários

    Os denominados Mutirões Carcerários buscam sustentação atualmente na Resolução Conjunta 01/2009, do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público.

    Segundo extraímos do ato normativo, as atividades dos grupos de trabalho de cada Estado devem focar a revisão de penas provisórias e definitivas, medidas de segurança, condições em que tais penas são cumpridas, bem como desenvolver atividades e atos relativos ao retorno do interno à sociedade[1].

    Ainda da leitura da resolução citada concluímos que os Mutirões Carcerários serão compostos por grupo de magistrados e membros do Ministério Público, acompanhados de servidores necessários para a execução dos trabalhos, todos com atribuições extensivas a todo o território do ente federativo.

    A resolução também permite a integração do grupo de trabalho por membros da Defensoria Pública, Ordem dos Advogados, administração penitenciária e segurança pública, entidades educacionais e outras correlatas.

    No Estado de Mato Grosso do Sul, até onde temos conhecimento e em virtude da própria experiência em nossa comarca, os mutirões, compostos e coordenados pelo grupo de Monitoramento, Acompanhamento e Aperfeiçoamento do Sistema Carcerário, denominação contida nos atos normativos do nosso estado, são compostos unicamente por magistrados e servidores do Tribunal de Justiça, sendo os trabalhos coordenados por um dos magistrados, com supervisão e orientação da Corregedoria Geral de Justiça.

    Neste estado foi por meio do Provimento 179 do Conselho Superior da Magistratura, posteriormente substituído pelo 190, do mesmo órgão, que se implementou o Grupo de Monitoramento do Sistema Carcerário. As atribuições do grupo estão previstas no artigo 2º do Provimento 190 CSM/MS, ao qual remetemos o leitor[2].

    Como se denota, a medidas necessárias foram tomadas neste Estado para a execução e implementação das metas previstas pelo Conselho Nacional de Justiça, as quais têm surtido ótimos resultados, conforme estatísticas que podem ser extraídas do próprio sítio eletrônico do Tribunal de Justiça local.

    Lá consta, entre outras informações, que o Mutirão Carcerário realizado no Estado entre os meses de agosto e novembro de 2009 resultou na concessão de 1.302 benefícios de liberdade e 1.794 progressões de regime. [3]

    Acreditamos que são louváveis as iniciativas do CNJ, assim como do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, porém não podemos nos descurar de que o problema carcerário no Brasil é crônico e sistêmico, sendo a deficiência oriunda de diversos anos de esquecimento e má gestão por parte do Poder Executivo e, quiçá, ineficiência e improvidência do Poder Legislativo, o qual, por vezes, tem o péssimo hábito de vislumbrar a alteração da realidade por meio da simples edição de Leis. Esquecem-se, nossos nobres legisladores, de que a implementação do que consta na Lei demanda aparato humano e logístico. Não basta aprovar uma norma para alterar a realidade social de um país. São também imprescindíveis recursos, de toda ordem, para que ela seja executada. Um bom exemplo do que aqui se fala é a própria Lei de Execução Penal, Lei 7.210/84, em boa parte hoje relegada ao esquecimento, principalmente em virtude da impossibilidade prática de implementação do que lá consta.

    Como se vê, o Poder Judiciário tem se empenhado e contribuído para a melhoria do sistema, porém tais medidas, por si só, não serão suficientes, uma vez que, como dito acima, lançando mão de metáfora simplória, mas que bem explica a situação, de nada adianta enxugarmos a água do chão se não cuidarmos de dar fim à goteira. Os mutirões continuarão sendo realizados, o choque de gestão dentro do Poder Judiciário surtiu e continuará surtindo efeitos, porém somente veremos melhorias permanentes, nesse campo em específico, quando a causa, e não apenas seus efeitos, for controlada e isso, como bem sabemos, percorre caminhos como a educação de base, distribuição de renda, segurança pública, melhorias quantitativa e qualitativa dos estabelecimentos penais, ressocialização de presos, entre tantas outras questões que aqui poderiam ser abordadas, mas que deixamos de lado sob pena de perdermos nosso foco.

    E o problema não é novo, vem de longa data, tanto que há aproximadamente dez anos o brilhante desembargador do estado de São Paulo, Celso Luiz Limongi, já dizia:

    Os textos até agora citados e a triste discrepância entre a determinação legal e a realidade assustam: todos nós temos conhecimento das agruras pelas quais passam os presidiários em todo o país, a começar pela superpopulação carcerária, o que implica falta de espaço até para dormir. É pública e notória essa condição, revezando-se os presos: uns dormem, enquanto outros aguardam sua vez, pois não há espaço para que todos possam dormir. Surgiu disso um personagem: o homem-morcego, que dorme em pé, pendurado em coradas![4].

    Mais atual, porém não menos trágico, é o relato feito pelo magistrado bandeirante Octavio Augusto Machado de Barros Filho, corregedor de presídios em São Paulo, sobre o sistema carcerário brasileiro, conforme podemos conferir abaixo:

    Lamentavelmente, a prisão foi entronizada como a rainha das penas e sem seu nome se decreta o expurgo social. Mas o cárcere já não responde à necessidade prioritária do estado de direito, social e democrático; ou seja, pacificar a convivência e resolver os conflitos de especial gravidade. Das 223.220 (duzentas e vinte e três mil, duzentas e vinte) pessoas encarceradas no País, a maioria não encontra perspectiva de retorno social; pois, ao ingressar na prisão, o indivíduo se despersonaliza e sofre o impacto da degradação humana provocada pelo ambiente promíscuo e pelo convívio com delinqüentes de vários matizes; sem que, em contrapartida, as atividades internas lhe proporcionem melhora qualitativa de vida quando alcançar a liberdade. O preso sabe porque está entrando na cadeia, mas dificilmente sabe porque está saindo dela. Os altos índices de reincidência estão a demonstrar que o sistema prisional quase não oferece oportunidade de recuperação. Pelo contrário, amplia e diversifica ainda mais a ação criminosa. Nesse contexto, particularmente sombrio, a atividade correcional busca aproximar o hiato abissal que separa o cárcere real do cárcere legal, apartados por nefasto processo histórico-cultural de prisionização, em que o magistrado deve se empenhar para coibir injustiças, não admitindo que presos permaneçam indefesos, relegados à condição subumana e abandonados em seus direitos fundamentais, de maneira que a sociedade não tenha de suportar os altos custos sociais e econômicos dessa iniqüidade[5]

    O panorama apresentado fornece uma vaga idéia do caos em que se encontra nosso sistema carcerário, sendo que tais deficiências, como já dito, são oriundas de diversos fatores, mas certamente o menor deles é a suposta ineficiência do Poder Judiciário. Em minha breve carreira como magistrado tive a oportunidade de comprovar que a Lei de Execução Penal não é cumprida principalmente em razão da ineficiência Estatal, no caso do Poder Executivo.

    Como se nota, devemos, sim, aplaudir e elogiar todas as iniciativas do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, porém, rogamos, a fim de alterar a realidade descrita por Octavio Augusto, que os Poderes Executivo e Legislativo também se empenhem, com a mesma dedicação, na melhoria do sistema carcerário brasileiro.

    Decisões proferidas em execução criminal

    Após os breves comentários sobre os mutirões carcerários, retomemos a linha central do articulado.

    O artigo 197 da Lei de Execução Penal, a Lei 7.210/84, dispõe sobre a possibilidade de interposição de recurso, simplesmente denominado agravo, contra decisões proferidas em sede de execução penal, dizendo que tal recurso não tem efeito suspensivo.

    Ocorre que a LEP não previu o regime de tal recurso, ficando a tarefa a cargo da doutrina e jurisprudência. O tema não é pacífico, sinalizando nossos doutrinadores para dois entendimentos distintos. O primeiro prega que em virtude do Código de Processo Penal não ter previsto recurso sob a denominação de agravo, devem ser aplicadas as regras do Código de Processo Civil, as quais regem o agravo de instrumento previsto naquele diploma.

    O outro entendimento cunhado pela doutrina prega que a matéria deve ser resolvida pelas disposições do Código de Processo Penal, isso em razão do que dispõe o artigo da LEP, o qual diz que o Código de Processo Penal aplica-se ao Processo de Execução da Pena, de modo que a conclusão do grupo que defende tal tese é de que devem ser observadas as regras do Recurso em Sentido Estrito quando à interposição e processamento do agravo em execução.

    O primeiro entendimento é defendido, entre outros, pelos mestres Ada Pellegrini Grinover, Júlio Mirabete, Antônio Scaiance Fernandes e Carlos Frederico Coelho. Já no grupo que prega o segundo entendimentos encontramos também juristas de peso, tais como Fernando da Costa Tourinho Filho, Magalhães Noronha e Adalberto Camargo Aranha.

    Acreditamos, com a vênia necessária aos que pensam em sentido contrário, que a melhor interpretação é a fornecida por aqueles que defendem a solução da lacuna por meio de regras do Direito Processual Penal, isso em razão do que dispõe o já citado artigo da LEP, Lei 7.210/84, re...

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