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4 de Maio de 2024

O Compliance católico

Publicado por Gustavo Tergolino
há 5 anos

Por volta do mês de abril deste ano, o Vaticano publicou um novo Decreto que altera o Direito Canônico e cria regras mais rigorosas para apurar denúncias de abusos sexuais, assédio e o encobrimento de tais atos pela hierarquia católica. Há quem diga que é apenas uma resposta às cobranças dos fiéis católicos por mais rigor neste tema, no entanto, sob a ótica do Compliance, fica claro que este é o início de um projeto para um canal de denúncias, ou seja, um “lugar” para denunciar os crimes cometidos pelos padres e demais colaboradores da Igreja e que atenda às vítimas.

Esse canal de denúncias, pelo que verificamos na informação divulgada, busca atender a uma exigência dos católicos fervorosos e seguidores de toda mídia católica, que cobravam medidas efetivas e ostensivas da igreja, desde que o Papa Francisco resolveu tirar toda essa poeira escondida debaixo dos tapetes do Vaticano. "Venhamos e convenhamos, desde que esse papa virou o Papa, a igreja vem passando por uma grande revolução".

O grande foco nessa discussão desde o início, é a revisão de decisões do passado, em especial no tocante a temas polêmicos como a homossexualidade dos padres, a utilização do capital da igreja, o banco da igreja e demais ativos que ela administra.

O Decreto determina que todas as dioceses do mundo deverão implementar dentro de um ano um sistema acessível ao público, para apresentar relatórios sobre as denúncias e investigar potenciais casos de abusos sexuais, que deverão ser examinados em um prazo de 90 dias.

Já é mais do que notório que esses atos cometidos principalmente por Padres, vêm por séculos abalando a Igreja Católica e que esse canal, por possuir princípios baseados em Compliance, pode pelo menos causar temor aos abusadores e assim, reduzir ou até mesmo cessar a incidência desses crimes.

Vale destacar, que os principais objetivos de um canal como este são: apurar se a denúncia é verdadeira, punir o culpado e extrair do caso as lacunas existentes no sistema, que permitiram que o crime ocorresse. A partir daí poderão desenvolver ações corretivas e preventivas para que tais crimes não reincidam.

É muito importante destacar que esse novo Decreto Papal também determina que a hierarquia da Igreja está proibida de conduzir “ações ou omissões tendentes a interferir ou contornar as investigações civis ou as investigações canônicas, administrativas ou criminais, contra um clérigo ou um religioso”, o que neste contexto fica claro que o processo de investigação tem a obrigação de comunicar às autoridades quando toma conhecimento de qualquer fato criminoso ou suspeita deles, ou seja, mais um princípio de integridade e ética de um programa de Compliance, que é reverberado através dessa norma ao proibir a omissão.

Nesta toada, se faz importante lembrar que a legislação brasileira, desde 2009, passou a tratar os crimes sexuais como representação incondicionada de ação penal pública: ou seja, a partir do momento que a denúncia é realizada, a vítima não precisa ser questionada se deseja que o processo criminal prossiga, pois é atribuição do Estado, fazê-lo, independente da vontade da vítima.

Esse marco da Lei Penal Brasileira e essa nova Legislação Canônica, reforçam o papel da Igreja em não poder agir de forma omissa, principalmente quando for de seu conhecimento, informações relativas a crimes sexuais dentro de sua organização ou com a participação de integrantes dela.

O Decreto também especifica a forma e o modo como esse veículo de comunicação das denúncias precisa ser estabelecido, com prazo para colocação em prática e sua gestão.

Apesar de o grande foco serem as apurações de abusos sexuais, um canal de denúncias também deve ter sua aplicação ampliada para os assédios morais e fraudes cometidas pela própria igreja católica no que tange à administração que é realizada dentro de milhares de comunidades onde estão estabelecidas.

Abrindo um parênteses para recapitularmos o que caracteriza o assédio moral, podemos exemplificar com a atitude de outros representantes da Igreja, além dos Padres, que ao se portarem, se referirem ou se dirigirem a pessoas à sua volta, atuam de forma rude, grosseira e principalmente constrangedora, seja em público ou em particular, além de sempre estarem ou se posicionarem de forma hierarquicamente/moralmente superiores, isto é, essas atitudes, causando constrangimento, podem ser caracterizadas como assédio moral.

No mais, como sabemos, como qualquer outra entidade religiosa, a Igreja Católica é uma entidade privada, não importando se com ou sem fins lucrativos e desta forma, para os casos de suborno privado, como tais atos não são crimes no Brasil, a atitude do representante religioso é considerada apenas como antiética e imoral, a título de exemplo: pode citar o indivíduo que pedi ou lhe é oferecido comissão e ele aceita para privilegiar um fornecedor. Diferentemente do exemplo acima, também temos a hipótese da pessoa que fraudou contratos para obter vantagens, neste caso estamos falando de um crime patrimonial e os detentores desse patrimônio precisaram se sentir lesados e provar o que alegam, portanto, sua investigação como crime dependerá de representação privativa do lesado. Outro detalhe, é quando o lesado der quitação do que alega ter sido lesado, nesta hipótese o crime perde sua eficácia e o acusado não poderá ser punido.

O grande paradoxo que podemos enfrentar nas hipóteses de fraude ou estelionato, é a do “fiel”, que na noite de domingo contribui com o dízimo, depois de convencido por aquele palestrante no púlpito – e se sente feliz em colaborar para as obras de alvenaria e de caridade da igreja. A partir do momento que toma conhecimento que o representante religioso superfaturou as notas fiscais na compra das ‘quentinhas’, para aferir vantagem pessoal, esse fiel pode se sentir induzido ao erro, enganado ou até mesmo entende que foi convencido em fazer aquela contribuição mediante artifício fraudulento. Neste caso, lhe é facultada a opção de denunciar o representante religioso, que será investigado por Estelionato.

Para esse fato e todas as demais ocorrências de ilegalidades, antiéticas e/ou imorais, que atacam a integridade de uma organização séria, é que serve um canal de denúncias sério, com segurança da informação, confiável, que garante o anonimato e que efetivamente apure as ocorrências com imparcialidade, repassando às autoridades sempre que houver o cometimento de crimes, e corrigindo os processos e fluxos sempre que verificados erros e gaps que dão margem a corrupção ou desvio de condutas.

Neste seguimento de institucionalização do Compliance nas igrejas católicas, um fato bastante interessante no mencionado Decreto são as orientações quanto às denúncias que ocorrem justamente contra os ‘investigadores’, o que por esse fato por se só já se constituiria num conflito de interesses. A solução da regulamentação é bem interessante e adequada, ou seja, “A denúncia pode ser feita diretamente para a Santa Sé ou a um arcebispo metropolitano". Dessa forma, podemos entender, até mesmo em função de mais um princípio de Compliance – a"Isonomia", que o caso será analisado com toda a lisura e imparcialidade necessárias.

Todo esse clamor e repercussão a essa nova medida, foi “startado” pelo Papa Francisco, que em fevereiro pediu medidas “concretas e eficazes”, no início de uma cúpula sem precedentes no Vaticano, para lutar contra os crimes sexuais cometidos contra menores, por membros do Clero, em resposta às vítimas que a tempo cobravam uma atitude mais enérgica e eficaz.

A conclusão que podemos tirar desta norma é que, sem perceber, o Papa iniciou um programa de Compliance na Igreja. Ou será que não foi essa a intenção? Ou o objetivo era não deixar claro essa intenção? Essas são perguntas das quais só saberemos as respostas quando o Vaticano Institucionalizar o seu Programa de Compliance.

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