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17 de Junho de 2024
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    O direito de não ser conduzido ao local da investigação

    Publicado por Justificando
    há 6 anos

    Na recém data de 14.06.2018 o Supremo Tribunal Federal, por apertado 6×5, optou por privilegiar a Constituição em detrimento das arbitrariedades e do processo penal de cunho autoritário, declarando a inconstitucionalidade da condução coercitiva de investigados para que prestem depoimentos pessoais/interrogatórios.

    Muitos apontaram tal medida como um contragolpe na Operação Lava-Jato, instituição esta que, embora destituída de existência formal, que não pode ser ignorada no plano fático. Afinal, malgrado não exista juridicamente um órgão Lava-Jato, fato é que esta operação se tornou um poder abstrato, que tem dominado a pauta nacional.

    Não obstante, não é pelo fato de dominar a pauta nacional que a Lava-Jato, e seus subterfúgios, não devem sofrer críticas, muito pelo contrário. Por se tratar de um importante instrumento de visibilidade do sistema jurídico nacional, esta operação deve ser amplamente questionada, sob pena de redundar em um poder arbitrário, nas mãos de uma República de poucos.

    Assim, o objeto do presente artigo não se relaciona com a condução coercitiva, mas, sim, com o fundamento esposado para se declarar a inconstitucionalidade de tal expediente, o princípio nemotenetur se detergere, consectário do direito ao silêncio (art. 5.º, inciso LXIIIda CRFB/88).

    Pois bem. Desde que tiveram início as prisões na Operação Lava Jato, foi possível se vislumbrar, com grande frequência, a condução dos presos à capital paranaense, foro onde tramitava a aludida investigação e os processos penais dela decorrentes, com a finalidade de se colocarem os presos à disposição da investigação, ainda que sem a sua anuência ou qualquer manifestação de vontade em tal sentido.

    O ponto nevrálgico, contudo, é que a Constituição impõe um regime Democrático, que instaura a necessidade de um processo acusatório[5] e de garantias, que confere direitos individuais aos acusados, o que torna imprescindível a filtragem constitucional da práxis forense.

    A Constituição da República, ao assegurar o direito de não produzir provas contra si (art. 5.º, inciso LXIII) e a presunção de inocência (art. 5.º, inciso LVII), alinhando-se ao que prevê o art. 8.2.g da CADH[6], consagrando o brocardo nemotenetur se detegere (nada temer ao se omitir), faz com que o ônus da prova recaia inteiramente sobre a acusação e, assim, o acusado não tenha qualquer mister probatório, não tendo de provar sua inocência e podendo, inclusive, optar por não participar do processo – autodefesa negativa.

    Nesse talvegue, é possível se vislumbrar a natureza jurídica do interrogatório e, por extensão, dos demais atos que dependam de condutas ativas do imputado, como verdadeiros atos de defesa, sendo, portanto, direitos (jamais deveres) do acusado, que pode optar por exercê-los, inclusive, de forma negativa.

    Sobre o assunto, afirma Aury Lopes Jr.:

    Ora, inequívoco que aos investigados e acusados de modo geral, presos ou não, é assegurado o direito de não participar dos atos investigatórios, porquanto devem ser vistos como sujeito de direitos, e não como objeto de prova (como no sistema inquisitivo), inclusive por imperativo constitucional, porquanto o Estado brasileiro adotou como fundamento da República a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, inciso III, da CRFB/88).

    Portanto, há que se vislumbrar que todo ato de transporte de presos para que estes fiquem “à disposição” do investigador, contra a sua vontade, objetifica o sujeito, agravando a sua situação de hipossuficiência e vulnerabilidade diante das agências de persecução penal.

    Assim, haja vista que os presos, com exceção da liberdade, mantêm incólumes seus direitos, mormente os processuais, é inequívoco visualizar que é assegurado ao recluso permanecer em unidade prisional mais próxima possível de sua família, com a finalidade de ter uma melhor assistência enquanto preso[8].

    Afinal, é inequívoco o fato de que as conduções dos presos ao epicentro da espetacularizada investigação busca a desestabilização dos investigados, tornando custosa (material e financeiramente) a defesa técnica e o apoio familiar, além de ferir fatalmente o direito de defesa pessoal.

    Todavia, ainda que dotadas de boas intenções, a adoção de práticas autoritárias (por uma noção de jogo processual de guerra, ou não) além de conduzir a graves erros, eis que por detrás de cada processo existem pessoas e vidas reais e seria antiético[10]objetificá-las, também se constitui naquilo que Alexandre Morais da Rosa chamou de dopping processual, porquanto, ao ser adotada uma prática contrária a lei democraticamente eleita, se está trapaceando, conforme aduz o autor:

    Talvez a assunção alienada da noção de guerra seja verificável quando o jogador, em nome do resultado, aceita mitigar os princípios da própria guerra, uma vez que a necessidade da vitória exclui a legalidade impeditiva do êxito. Vira uma guerra suja, como visto comumente nos regimes de exceção. Ainda que haja vitória, tal qual na trapaça, há mácula democrática. Se o resultado condenar sempre é um leitmov, pouco resta para impedir a fraude e a ilegalidade.[11]

    Dessarte, é possível se vislumbrar uma grave violação aos direitos dos investigados (presumidamente inocentes, por força de imperativo constitucional – art. 5.º, LVII) presos que são conduzidos, à revelia de sua vontade, para que fiquem à disposição das autoridades investigadoras, afinal, aos mesmos é dado o direito de defesa pessoal negativa, podendo estes, por isso, optarem por permanecer ausente do centro das investigações, devendo, neste caso, ficarem próximos de suas respectivas famílias, a fim de que sejam reduzidos os danos das prisões cautelares.

    José Edilson da Cunha Fontenelle Neto é Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Mestrando em Direito da União Europeia pela Universidade da Região do Minho – UMINHO (Braga/Portugal). Especialista em Direito Penal e Criminologia pelo Instituto de Criminologia e Política Criminal ICPC/UNINTER.Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. Advogado. E-mail: [email protected]

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