“O lixo nosso de cada dia” e o constitucionalismo ecológico
Em agosto/2013 entrou em vigor a lei municipal do Rio de Janeiro que multa aqueles que jogarem lixo nas ruas e receberão auto de infração por meio da identificação do CPF. Estão também incluídos quem jogar lixo pela janela de automóveis, e, nesta situação, a multa será aplicada pela identificação da placa. Caso o infrator decida não pagar a multa, terá o título protestado pela prefeitura. Ou ainda, se o infrator se recusar a informar o CPF, será encaminhado a uma delegacia de polícia.
A quantidade de lixo produzido pelo homem cresce assustadoramente nas cidades acompanhando o crescimento populacional. Percebe-se também que jogar lixo no chão é algo relacionado à cultura e à educação, e, no caso do Brasil, é evidente a falta desta, especialmente quando se verifica que mesmo próximo às lixeiras há quem prefira não utilizar o recipiente, colaborando, assim, para as enchentes, proliferação de doenças como a leptospirose, além do alto gasto do orçamento público destinado para a limpeza das cidades, entre outros problemas.
Mesmo recebendo severas críticas pelos defensores de que há outras prioridades, como também é relevante ausência de ações positivas por parte da administração pública, o município carioca não é o primeiro no país a pensar na matéria. Em Guarulhos, SP, por exemplo, o simples fato de dispor lixo fora do dia e horário fixado gera multa; em Salvador, BA, falta apenas a regulamentação de uma lei de mesmo teor criada em 1996; em Vitória, ES, a lei já existe desde 2000, no entanto, a fiscalização é insuficiente, uma vez que não é feita em conjunto com a PM e a guarda municipal. Fora do país, cidades como Singapura (conhecida como a mais limpa do mundo), Londres, Cidade do Cabo, Dubai, Paris, Hong Kong entre outras, também são adeptas da sanção, e algumas até levam à prisão.
O texto constitucional brasileiro não traz expressamente a vedação de o cidadão jogar lixo no chão, porém, em seu artigo 225 indica que o meio ambiente equilibrado é um direito de todos, bem como assinala que é dever do poder público e da sociedade defendê-lo e preservá-lo. O direito à vida e à proteção ambiental é direito fundamental previsto na Constituição federal brasileira. Assim, é possível que o legislador decrete uma lei desse viés, uma vez que estudos apontaram como uma das maneiras de essa lei realmente surtir os efeitos desejados seria com a imposição de multa ao infrator. Reafirmando isso, a Comlurb (Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro) divulgou que antes mesmo do início da operação intitulada “lixo zero” houve uma diminuição substancial da quantidade de lixo nas ruas, apenas devido à comunicação de multa após a entrada em vigor da lei.
A Constituição brasileira de 1988 inaugurou a abordagem expressa sobre a preservação do meio ambiente, todavia, na América Latina o destaque é das constituições da Bolívia e do Equador, pois fundaram na região o chamado Constitucionalismo Ecológico, o qual põe no texto da Carta Magna o direito à convivência harmônica entre a natureza e os cidadãos. Foi a partir de 1978, com a Declaração de Estocolmo, que as inquietações sobre o meio ambiente foram constitucionalizadas, ou seja, foi quando, conforme a jurista Maria Helena Diniz, “a maioria dos países, em norma constitucional, impôs ao Estado o dever de defender o meio ambiente e de controlar as atividades que o possam poluir e a todos a obrigação de abster-se de ações atentatórias ou lesivas ao meio ambiente, conferindo aos lesados o direito de fazer cessar, por meio do emprego de medidas não jurisdicionais, ou jurisdicionais, esses atentados e de pleitear indenizações por danos patrimoniais e/ou morais”.
Tudo indica que essa é a tendência da modernidade, sem deixar de lado, sem dúvida, o dever do Estado de implementar políticas públicas com resultados significativos.
* Fabiana de Almeida Maia Santos, advogada, é pós-graduanda em direito constitucional.
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