O princípio da insignificância como fundamento para a concessão, de ofício, de habeas corpus.
LUIZ FLÁVIO GOMES ( www.blogdolfg.com.br )
Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP e Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Pesquisadora: Patricia Donati e Danilo F. Christófaro
Como citar este comentário: GOMES, Luiz Flávio. DONATI, Patricia. CHRISTÓFARO, Danilo F. Matar uma formiga: caso típico de erro de proibição. Disponível em http://www.lfg.com.br 20 junho. 2009.
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Decisão da Segunda Turma do STF: O princípio da insignificância, como fator de descaracterização material da própria atipicidade penal, constitui, por si só, motivo bastante para a concessão de ofício da ordem de habeas corpus. Com base nesse entendimento, a Turma deferiu, de ofício, habeas corpus para determinar a extinção definitiva do procedimento penal instaurado contra o paciente, invalidando-se todos os atos processuais, desde a denúncia, inclusive, até a condenação eventualmente já imposta. Registrou-se que, embora o tema relativo ao princípio da insignificância não tivesse sido examinado pelo STJ, no caso, cuidar-se-ia de furto de uma folha de cheque (CP , art. 157 , caput) na quantia de R$ 80,00, valor esse que se ajustaria ao critério de aplicabilidade desse princípio ? assentado por esta Corte em vários precedentes ?, o que descaracterizaria, no plano material, a própria tipicidade penal. HC 97836/RS , rel. Min. Celso de Mello, 19.5.2009. (HC-97836)
Comentários: a decisão em tela traz consigo mais uma hipótese de aplicação do princípio insignificância. Desta vez, a possibilidade de o mesmo servir de fundamento para a concessão, de ofício, de habeas corpus.
Trata-se de caso em que o paciente fora acusado da subtração de UMA folha de cheque (de um cheque) no valor de R$ 80,00.
A tipicidade, de acordo com a teoria constitucionalista do Direito, que deve ser adotada por um Estado constitucional e democrático de Direito como o Brasil, é composta pela dimensão formal (objetiva) e material. Assim, conforme visto em outras oportunidades, para que uma conduta possa ser considerada crime, não basta a sua adequação formal à norma penal incriminadora, sendo indispensável o reconhecimento da sua ofensividiade relevante ao bem jurídico protegido.
O raciocínio é simples: em se tratando de infração bagatelar em sentido próprio, cabe ao Ministério Público solcitar o arquivamento das investigações, fundamentando o pedido no princípio da insignificância (já que se trata de hipótese de atipicidade). Se, mesmo assim, houver o oferecimento da denúncia, cabe ao juiz absolver sumariamente o acusado (CPP , art. 397 , III : se o fato narrado evidentemente não constitui crime). Mas, se isso não acontecer, o único caminho (e mais célere) é a impetração de HC para o trancamento da ação penal.
Foi exatamente esse o entendimento firmado pelo Ministro Celso de Mello no caso objeto de estudo. A nosso ver, outra não poderia ser a decisão. Afinal, nada mais absurdo que sujeitar o indivíduo aos infortúnios de uma ação penal, por um fato atípico.
Absurdo maior é uma ação como essa precisar chegar ao STF. Em razão do legalismo e, principalmente, da falta de coragem das instâncias inferiores, esse cidadão conviveu, por anos, com a infelicidade de ser réu em uma ação penal. "Pequenas coisas só afetam as mentes pequenas" (Benjamim Disrali, inglês, 1804-1881, estadista e primeiro-ministro). O que acaba de ser dito não significa que o agente do fato tenha que ficar totalmente impune. Outras sanções podem ter incidência (civis, trabalhistas etc.). Só não se justifica usar o Direito penal para isso.
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