Os vinte anos da Lei de improbidade administrativa
A Lei de Improbidade Administrativa nasceu do Projeto de Lei 1.446/91, enviado pelo então presidente Fernando Collor de Mello, que necessitava dar um basta à onda de corrupção que assolava o País naquela época.
Sob o rótulo da moralidade, o ministro de Estado da Justiça, Jarbas Passarinho, [1] integrante do citado governo, deixou registrado em sua exposição de motivos que o combate à corrupção era necessário, pois se trata de uma das maiores mazelas que, infelizmente, ainda afligem o País.
Sempre foi uma cultura nefasta em nosso país, como nos países da América do Sul, ver os homens públicos rompendo a coletividade pelos seus maus tratos à coisa pública. Ora, a corrupção atrasou muitos povos do nosso continente, que obtiveram dos políticos o retrocesso e a conduta desleal, em vez de zelarem pela boa e pura intenção dos seus atos.
Portanto, a Lei de Improbidade integrou-se ao ordenamento jurídico com a finalidade de combater atos que afetem a moralidade e dilapidem a coisa pública, regulamentando o disposto no artigo 39, § 4º, da Constituição Federal.
Todavia, como a Lei em comento possui comandos muito abertos, é necessário que haja uma certa prudência no manejo indiscriminado de ações de improbidade administrativa para que não caia em lugar comum e se torne vulgarizada, pelo excesso da sua utilização, para os casos que não comportem a devida tipificação.
Isso porque o comando legal em questão (Lei 8.429/92) se preocupou apenas em definir os três tipos da improbidade administrativa (artigos 9º, 10 e 11), sem, contudo, definir o que venha a ser ato ímprobo.
Ao deixar de definir o conteúdo jurídico do que venha a ser o ato de improbidade administrativa, a Lei 8.429/92 permitiu ao intérprete uma utilização ampla da ação de improbidade administrativa, gerando grandes equívocos, pois possibilitou que atos administrativos ilegais, instituídos sem má-fé, ou sem prejuízo ao ente público fossem confundidos com os tipos previstos na presente lei (enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e violação aos bons princípios da Administração Pública).
Tal equívoco, como aduzido, resulta da falta de uma definição jurídica do ato de improbidade administrativa (núcleo do tipo), apresentando-se, portanto, como norma de conteúdo incompleto.
A Lei em questão se assemelha à norma penal em branco, por possuir conteúdo incompleto [2] e cujo aperfeiçoamento fica a critério de quem interpreta aLei de improbidade administrativaa.
O dever de identificar com clareza e precisão os elementos definidores do ato de improbidade administrativa competiria à Lei 8.429/92, que preferiu se omitir sobre tal questão, fixando apenas os seus três tipos. Ou seja, não há a definição do núcleo do tipo do ato ímprobo, pois parte a Lei de Improbidade Administrativa de seus três tipos sem se preocupar com a definição do que seja ato ímprobo.
A acusação, desatenta, desatrelada de um mínimo de plausibilidade jurídica, é possibilitada pelo caráter aberto da norma sub oculis.
Tal qual o ato de tipificação penal, teria sido dever indelegável da Lei 8.429/92 identificar com clareza e precisão os elementos definidores da conduta de improbidade administrativa, para, após, fixar os seus tipos.
A definição de improbidade administrativa não pode ser um cheque em branco ou ato de prepotência do membro do Ministério Público, pois a segurança jurídica que permeia um Estado Democrático de Direito como o nosso não permite essa indefinição jurídica.
Perfeita foi a síntese do ministro Celso de Mello em seu voto de Relator, no Plenário da Excelsa Corte, no processo de Extradição 633: [3]: O ato de tipificação penal impõe ao Estado o dever de identificar, com clareza e precisão, os elementos definidores da conduta delituosa. As normas de incriminação que desatendem essa exigência de objetividade além de descumprirem a função de garantia que é inerente ao tipo penal qualificam-se como expressão de um discurso normativo absoluto incompatível com a essência mesma dos princípios que estruturam o sistema penal no contexto dos regimes democráticos. (i.n.).
Mesmo focando o aspecto penal, o princípio pode ser aplicado subsidiariamente à Lei em comento, pois uma norma penal em branco é definida como um corpo errante sem alma, assemelhando-se à Lei de Improbidade Administrativa que deixou de estabelecer, com clareza e precisão a definição jurídica da conduta ímproba, ficando a mesma sem conteúdo descritivo.
Mais uma vez, louvando-se das colocações do ministro Celso de Mello [4] extrai-se: O reconhecimento da possibilidade de instituição de estruturas típicas flexíveis não confere ao Estado o poder de construir figuras penais com utilização, pelo legislador, de expressões ambíguas, vagas, imprecisas e indefinidas. É que o regime de indeterminação do tipo penal implica, em última análise, a própria subversão do postulado constitucional da reserva de lei, daí resultando como efeito consequêncial imediato, o gravíssimo comprometimento do sistema das liberdades públicas.
A norma em branco é aplicada ao direito administrativo, pois o princípio da tipicidade retira a subjetividade do intérprete, em homenagem ao princípio da legalidade.
Não resta dúvida que o princípio da reserva legal (art. 5º, II, da CF) impede que a Administração Pública se utilize de uma norma incompleta para punir. É necessário, nesses casos, a integração de outra norma legal, para evitar sanções injustas.
Contudo, após 20 anos de promulgação da Lei de Improbidade Administrativa, se verifica que citada falha legislativa, qual seja, a do texto legal não descrever com precisão e clareza o núcleo do tipo do ato ímprobo possibilitou muitas distorções na aplicação da Lei 8.429/92, com o manejo de inúmeras ações natimortas.
Não resta dúvida que distorções ocorreram pela má utilização do texto legal em questão no curso dos anos, o que possibilitou uma série de injustiças contra o homem público de bem, alçando ilegalmente a condição de possível ímprobo.
Por essa razão, o Ministério Público passou a utilizar-se da via da ação de improbidade administrativa para todos os casos possíveis e imagináveis, inclusive os que não violavam os deveres de honestidade e de imoralidade por parte dos agentes públicos.
Inúmeras disparidades foram verificadas no curso dos anos, levando o Superior Tribunal de Justiça em 1999, pelo Recurso Especial 213.994-0/MG, 1ª Turma, relator ministro Garcia Vieira (DOU de 27.09.1999) a fixar o entendimento de que a Lei 8.429/92, alcança o administrador desonesto, não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado.
A partir desse momento, onde a mais alta Corte em matéria infraconstitucional estabeleceu limites para a irresponsável utilização da ação de improbidade administrativa, e, consciente da fragilidade do texto legal, foi a vez do Poder Executivo editar a Medida Provisória 2.180-35, de 2001, que trouxe ao corpo a Lei 8.429/2 importantes determinaçõ...
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