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16 de Junho de 2024
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    Penas alternativas aliviam presídios

    Publicado por Âmbito Jurídico
    há 7 anos

    Dos 27 Tribunais de Justiça do País, dez formam destacados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por apresentarem números de execuções penais não privativas de liberdade superiores às penas de prisão. As penas alternativas são uma tendência nos Tribunais de Justiça do Acre, Amapá, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Piauí, Roraima e Minas Gerais. Essas medidas se contrapõem à “cultura do encarceramento” e contribuem para reduzir a superlotação e as crises no sistema carcerário brasileiro.

    Os dados estão no relatório Justiça em Números de 2016 – ano base 2015, publicação lançada anualmente pelo CNJ com a radiografia detalhada do Judiciário brasileiro. Em 2015, foram 6.399 execuções penais não privativas de liberdade, sendo 5.985 do juízo de 1º grau e 414 oriundas das ações de Juizado Especial contra 5.171 execuções penais privativas de liberdade.

    Em relação ao Justiça em Números de 2015 – ano base 2014, o aumento de penas alternativas à prisão foi de 45%. Em 2014, foram 2.916 execuções penais não privativas de liberdade, sendo 2.375 no 1º grau de jurisdição e 541 oriundas das ações de Juizado Especial contra 4.242 execuções penais privativas de liberdade.

    De acordo com o CNJ, as decisões se apoiam em mudanças na legislação, como a Lei n. 9.714/1998, que acrescentou artigos ao Código Penal e permitiu a substituição de penas de prisão pelas chamadas restritivas de direitos em determinados casos.

    Quando o réu for condenado por crime que tenha sido cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, com pena menor que quatro anos, o réu poderá ter sua pena de prisão convertida em uma pena pecuniária, por exemplo, desde que o delito seja culposo (sem intenção). A decisão final leva em conta “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado” assim como os motivos e as circunstâncias da eventual substituição da pena, de acordo com o artigo 44 da Lei n. 9.714/1998.

    Além disso, a Lei Antidrogas (Lei n. 11.343/2006) também pode ter contribuído para a ampliação no uso de penas alternativas ao prever, em seu Capítulo III, a possibilidade de substituir, em alguns casos, a pena de detenção por medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo ou por prestação de serviços à comunidade “em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas”.

    Taxa de encarceramento

    Apesar das atualizações legislativas, a taxa de encarceramento no Brasil é alta e não refletem uma mudança na cultura em âmbito nacional. De acordo com dados do CNJ, 65% das penas ainda são de prisão do condenado. O juiz coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF) do Sistema Carcerário, Gabriel Sturtz, lembra que o Brasil possui uma significativa taxa de encarceramento, com 307 pessoas a cada 100.000 habitantes. “É o 32º país do mundo em taxa de encarceramento em números proporcionais. Em números absolutos, é o 4º país do mundo, com 622.202 pessoas encarceradas, dado que não se mostra anormal, uma vez que o Brasil tem a 5ª maior população do mundo”, analisa o magistrado.

    O juiz afirma que o Pará tem uma taxa de encarceramento menor se comparada ao País. No Pará, a taxa é de 182 presos a cada 100.000 habitantes, equivalente a países como Hungria e Eslováquia, segundo informações do banco de dados on-line World Prison Brief. “Daí porque o CNJ reconheceu o trabalho do Estado do Pará em não priorizar as penas privativas de liberdade, mas sim as penas alternativas, medida que evita a superlotação carcerária e as mazelas que dela se originam, como rebeliões, fortalecimento de facções criminosas e ausência de ressocialização do apenado”, observa Sturtz.

    Em andamento até abril, o Esforço Concentrado do Judiciário paraense, iniciado no último dia 20, está analisando 6.186 processos de réus nessa situação. A primeira fase do trabalho seguirá até o dia 17 de março, abrangendo todas as Varas Criminais das 112 Comarcas do Estado. O supervisor do GMF, desembargador Ronaldo Marques Valle, explica que o objetivo é analisar o máximo possível de processos e garantir celeridade à tramitação na Justiça, dando cumprimento ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo , inciso III, da Constituição Federal de 1988.

    “Para isso, o Esforço Concentrado terá duas fases. A primeira, até 17 de março, será para análise dos processos e a realização de audiências. Serão verificados se os motivos ensejadores da prisão preventiva ainda estão presentes, se há a necessidade de manutenção ou não do encarceramento provisório, impulsionando-se o processo e preparando-o para a apreciação do magistrado. A partir desta data, até abril, o trabalho do grupo será dedicado à sentença. Cada caso será verificado de acordo com os requisitos legais”, detalha o desembargador, acrescentando que a medida leva em consideração os direitos e garantias fundamentais, especialmente a razoável duração do processo, prevista na Constituição.

    Ronaldo Valle esclarece ainda que os presos beneficiados com a revogação da prisão continuarão a responder o processo e ficarão à disposição da Justiça, cumprindo as determinações legais, dentre elas, a de não se ausentar da cidade onde reside sem autorização judicial e comparecer a todos os atos processuais. Para ter direito à revogação da prisão, o detento não deve ter antecedentes criminais (não estar respondendo a outros processos penais), ter residência fixa, ocupação profissional na cidade onde responde ao crime, não ter cometido crimes do tipo hediondo, e não oferecer perigo à ordem pública.

    Privação de liberdade

    De acordo com o Código Penal, as penas privativas de liberdade podem ser substituídas, a critério do juízo, por penas restritivas de direitos, como, por exemplo, a prestação de serviços comunitários, multa, suspensão do direito de dirigir, sobretudo nas situações em que o crime não envolver violência e a condição do indivíduo indicar que essa substituição seja suficiente. Em crimes como furto, estelionato e receptação, por exemplo, a pena de prisão pode, dependendo da situação, ser convertida em penas alternativas.

    Segundo o juiz Gabriel Sturtz, nas infrações de menor potencial ofensivo, como, por exemplo, violação de domicílio, perturbação do sossego alheio, entre outros casos, é possível transacionar, na realização de acordo, com o Ministério Público, de modo a extinguir o processo penal mediante alguma contraprestação, a partir de multa e doação para entidade assistencial, para citar alguns casos.

    “Além disso, quando o custodiado progride para o regime aberto, em vez de cumprir a pena em casa de albergado, como prevê o Código Penal, o custodiado passa, por um período de tempo, a gozar da prisão domiciliar monitorado com tornozeleira eletrônica. Há, portanto, medidas previstas na legislação, aceitas pelos Tribunais, que representam alternativas ao encarceramento”, explica o magistrado.

    O juiz avalia que as penas não privativas de liberdade possuem significativa relevância na ressocialização da pessoa que praticou um delito. “É importante sempre lembrar que a pena serve, preponderantemente, para reeducar o condenado, e não necessariamente para puni-lo. Muitas vezes, a prestação de serviços comunitários, uma doação para entidade pública e a convivência familiar, com tornozeleira eletrônica, atingem o objetivo de criar o senso de responsabilidade e a recuperação do condenado, muito melhor se comparada à pena privativa de liberdade”, analisa.

    Gabriel Sturtz lembra que o direito penal reserva, para algumas situações, a restrição da liberdade do indivíduo para sua recuperação, sobretudo, nos casos em que o crime praticado tem pena superior a quatro anos, envolvendo violência ou ameaça, e a substituição da pena não seja considerada uma medida suficiente. Assim, nas hipóteses de crimes graves, como, por exemplo, sequestro, homicídio e estupro, a reeducação do indivíduo tem como regra a pena privativa de liberdade.

    Penas e medidas alternativas têm resultados mais eficientes

    Desde 2002, o Poder Judiciário do Pará possui Vara de Execução das Penas e Medidas Alternativas (VEPMA), criada pela Lei Estadual nº 6.480, de 13 de setembro de 2002. A unidade tem compatências excluvisa execuções de penas não restritivas de liberdade. As penas aplicadas aos réus são substituidas por prestação serviço à comunidade e prestação pecuniária, por exemplo. A Vara tem 4.520processos em andamento.

    A abrangência da VEPMA, atualmente, inclui Belém, Distrito de Icoaraci, Distrito de Mosqueiro, Ananindeua, Marituba, Benevides, Distrito de Benfica e de Santa Bárbara. Em relação às Comarcas do Interior, há Centrais de Penas Alternativas que estão vinculadas ao Juízos de Execução Penal locais.

    Ao avaliar a significativa quantidade de execuções penais não privativas de liberdade no âmbito do Poder Judiciário do Pará, com base na publicação do Justiça em Números de 2016, a juíza titular da VEPMA, Andrea Miralha, observa que ainda há muitos desafios para que as alternativas penais possam contribuir efetivamente para reversão da atual cultura de encarceramento em voga no Brasil. “O Estado deve garantir efetivamente o acesso aos direitos fundamentais, além de buscar criar outros mecanismos de resolução de conflitos e violências que não o confinamento carcerário, centrando-se nos pilares constitucionais de dignidade e liberdade humanas”, ressalta.

    A magistrada afirma que decorre dessa concepção a defesa e o incentivo à aplicação das alternativas penais, em virtude destas oferecerem melhores perspectivas de (re) integração social, responsabilização dos autores dos fatos criminosos e redução efetiva das taxas de reincidência. “É necessária a ampliação da aplicação das alternativas penais, em substituição à privação de liberdade, justamente o que vem ocorrendo no Estado do Pará, de acordo com o Relatório Justiça em Números de 2016. Este é o objetivo: que os números aumentem a cada ano. Só temos a festejar esta nova visão de todos que atuam na justiça criminal”, anima-se.

    Instituições parceiras

    A VEPMA possui parcerias com instuições que possibilitam o cumprimento da pena ou media alternativa. Atualmente, são 68 instituições cadastradas e seis estão em processo de credenciamento.

    A Universidade do Estado do Pará (Uepa), por meio da Coordenadoria de Desenvolvimento de Pessoal, é parceira do Tribunal de Justiça desde 2013 e que 35 cumpridores já passaram pela instituição. Os trabalhos ocorrem desde a área administrativa até a operacional. “Um dos cumpridores era da área de marketing e ele nos auxiliava na divulgação e na criação de mídias. Outro era técnico em segurança do trabalho e atuava na área de qualidade de vida. Achamos uma ótima iniciativa, porque a Universidade contribui com esses cidadãos no seu papel social e permite a superação das dificuldades ao ser colocado em outra realidade”, observa Carlos Parea, coordenador de Desenvolvimento de Pessoal da UEPA.

    O Instituto Francisco Perez, que mantém várias unidades assistenciais, como o Hospital Divina Providência, também integra o cadastro da VEPMA. A coordenadora de gestão com pessoas, Amanda Esparano, diz que cinco beneficiários participam do projeto. “Eles atuam na prestação de serviço à comunidade, fazendo trabalhos externos, nos serviços gerais, jardinagem, limpeza e no arquivo de prontuários do serviço médico”, relata.

    Segundo Amanda, houve o caso de um cumpridor que chorou a partir da experiência e mudou seu ponto de vista. “Quando o beneficiário chega, é recebido, integrado, apresentado à chefia, e ao setor de trabalho, usa uniforme. A integração não é difícil em função dos valores da instituição, de humanidade, de fé cristã, de solidariedade, de responsabilidade social, de transparência e do espírito de família”, enumera.

    A juíza titular da VEPMA, Andrea Miralha, explica que o representante de qualquer instituição que deseje ser parceira deve se dirigir à Vara, onde será orientado sobre a documentação necessária a ser apresentada e como se dará o Procedimento Administrativo de Credenciamento (PAC). Dois editais já foram lançados neste ano: um que trata de abertura de prazo para as instituições interessadas na parceria se cadastrarem na Vara, e outro que se refere à abertura de prazo para a seleção de projetos das instituições já devidamente credenciadas.

    “Deve ser ressaltado que para as instituições possam ser parceiras com a VEPMA tanto na fiscalização de beneficiários de prestação de serviço à comunidade como para a apresentação de projetos para habilitação ao recebimento das verbas oriundas das prestações pecuniárias, é necessário que passem pelo PAC e, posteriormente, pelo Procedimento Administrativo para Projetos (PAP)”, destaca a magistrada.

    Histórico

    Andrea Miralha conta que as penas alternativas à prisão surgiram como contraponto ao modelo penal de encarceramento e seu método hegemônico. Foram adotadas a partir de 1990, quando foi realizado o Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, com as Regras das Nações Unidas sobre Medidas Não Privativas de Liberdade, conhecidas internacionalmente como Regras de Tóquio.

    No Brasil, este instituto passa a ser utilizado, sobretudo, a partir da Lei 9.099/1995, que criou os Juizados Especiais Criminais, sendo ampliado pela Lei 9.714/1998, que trouxe novas modalidades de alternativas penais ao ordenamento penal brasileiro.

    “As Regras de Tóquio recomendam a utilização das penas restritivas de liberdade em último caso e somente nas hipóteses de crimes graves e de condenados de intensa periculosidade. Para outros delitos e criminosos de menor potencial ofensivo, propõem medidas e penas alternativas”, diz.

    “Grande parte dos presos no Brasil é formada por pessoas que aguardam julgamento, e um número expressivo dessas pessoas serão absolvidas ou terão uma pena restritiva de direito aplicada. Muitas delas permanecerão presas por tempo superior àquele determinado pela condenação. Quando são encaminhados para a execução de pena alternativa, já cumpriram quase toda a sua pena no cárcere”, analisa.

    Nesse sentido, Miralha considera importante a constatação do Instituto de Pesquisa Economica Aplicada (Ipea), em 2014:"é sistemático, abusivo e desproporcional o uso da prisão provisória pelo sistema de justiça do país, considerando que em 37,2% dos casos pesquisados, em que os réus estiveram presos provisoriamente não houve condenação à prisão ao final do processo". Portanto, diz ela, existe um número considerável de presos que poderiam estar cumprindo alternativas penais, não só para o menor custo para o Estado, mas principalmente com maior perspectiva de (re) integração social, reduzindo os índices de reincidência criminal e reingresso no sistema de justiça criminal.

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