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16 de Junho de 2024

Perda automática de mandato parlamentar não é ativismo

Publicado por Consultor Jurídico
há 11 anos

Nos últimos meses, uma série de atritos entre os poderes da República tem se manifestado, notadamente envolvendo o Supremo Tribunal Federal e as duas Casas do Congresso Nacional. Diversos atores institucionais envolvidos nos conflitos e membros da comunidade jurídica em geral têm insistido em que algumas decisões do Supremo Tribunal Federal violariam a independência do Legislativo e, portanto, o princípio da separação dos poderes. Essas decisões, sustentam os críticos, estariam invadindo áreas de competência do Poder Legislativo. Entre elas, duas, cujos efeitos e desdobramentos ainda estão em progresso, têm potencial para colocar à prova a capacidade de diálogo das instituições, entre si e com sua própria tradição decisória. Refiro-me aos casos do deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO), cuja condenação criminal já transitou em julgado, e da Ação Penal 470, caso do mensalão.

À parte a justa atenção que esses casos despertam no público em geral, ambos tratam de uma questão constitucional bastante polêmica: a perda do mandato dos parlamentares condenados por sentença transitada em julgado. Essa questão elevou o nível das tensões entre as instituições e lançou mais algumas rodadas de acusações, notadamente a de ativismo judicial e a de violação à separação dos poderes [1]. É nosso objetivo analisar os dois casos mencionados com o objetivo de levantar algumas questões sobre a presença de ativismo judicial ou de ofensa à separação dos poderes no processo decisório referente à perda de mandato.

A perda de mandato e o caso do deputado Donadon

Em 26 de junho de 2013, a condenação criminal do Deputado Natan Donadon transitou em julgado. Como consequência disso, foi instaurado na Câmara dos Deputados um processo para eventual perda do mandato de deputado federal, a Representação 20, de 2013. Essa representação foi encaminhada pela Mesa da Casa à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) nos termos do artigo 240, 3º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Segundo o inciso III desse dispositivo regimental, as representações por perda de mandato em caso de condenação criminal transitada em julgado deverão ser encaminhadas à CCJ para que profira parecer concluindo pela procedência ou pelo arquivamento da representação. Em caso de procedência, a CCJ deverá produzir projeto de resolução no sentido da perda do mandato. Nos termos do inciso IV, o parecer da CCJ deverá ser incluído em ordem do dia.

O presidente da CCJ designou o deputado Sérgio Zveiter (PSD-RJ) como relator da representação. No dia 14 de agosto de 2013, o relator submeteu seu parecer à apreciação da CCJ, concluindo pela perda do mandato do parlamentar condenado. Nos fundamentos, indo além do que seria estritamente necessário para decidir a questão, o relator propôs para o artigo 55, VI, e , da Constituição Federal, uma interpretação que implicaria atribuir ao plenário da Câmara dos Deputados a prerrogativa de decidir soberanamente sobre a perda do mandato do parlamentar em razão da sua condenação criminal comum transitada em julgado.

Em resumo, o voto do relator prestigiava uma posição jurisprudencial segundo a qual não existiria antinomia entre o artigo 55, VI, e 2º, e o artigo 15, III, que determina a perda dos direitos políticos em caso de condenação criminal transitada em julgado. Segundo essa corrente, o artigo 15, III, estabeleceria um efeito geral da coisa julgada criminal, enquanto o artigo 55, VI, e seu parágrafo 2º, fixariam uma norma especial aplicável somente aos deputados e senadores. O texto dessa norma especial diz:

Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

(...)

VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

(...)

2º - Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

Embora o relator Zveiter tenha defendido sua posição em relação a esses dispositivos também dos pontos de vista hermenêuticos sistemático e teleológico, o sentido atribuído ao texto foi o que se extrai da compreensão gramatical do enunciado. Com base nessa leitura, o relator concluía que a decisão a ser proferida pelo Plenário desta Casa Legislativa tem natureza constitutivo-negativa (art. 55, 2º) em oposição à natureza meramente declaratória, prevista no 3º do art. 55 [2]. Aqui, o caso do deputado Donadon revela conexões com o julgamento da Ação Penal 565 [3]. Na decisão do deputado Zveiter, a hermenêutica empregada na construção da norma que emanava do texto do artigo 55, 2º, não divergia do último posicionamento do Supremo Tribunal Federal no tema. Com efeito, apenas seis dias antes, em 8 de agosto de 2013, o Supremo Tribunal Federal concluíra que o artigo 55, VI, e 2º, se constituía em obstáculo intransponível, nas palavras do ministro Roberto Barroso, a que a perda do mandato do parlamentar condenado por sentença criminal transitada em julgado se desse simplesmente por meio de ato declaratório da Mesa da respectiva Casa [4].

Apesar da divergência dentro do tribunal, teríamos aqui uma convergência entre a posição defendida pelo Legislativo, na pessoa do relator Zveiter, e a do Supremo Tribunal Federal. Mas essa convergência seria realmente a expressão de uma bem-vinda aproximação estrutural entre esses dois poderes, que nos últimos tempos têm se estranhado com alguma frequência?

Entendo que não. Embora a posição do Supremo Tribunal Federal possa ser defendida, e de fato foi, como uma homenagem ao princípio da separação dos poderes e aos limites textuais da Constituição, uma observação da trajetória histórica jurisprudencial e legislativa mais relevante para a interpretação do artigo 55, VI, e , sugere que a decisão do caso do senador Ivo Cassol (PP-RO) é um afastamento súbito da tendência de reinterpretar, à luz de novos valores, a literalidade daquele artigo. Ao mesmo tempo, a decisão do Supremo Tribunal Federal e o voto do relator Zveiter parecem distanciar-se da mais recente posição da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, que aprovou, no mesmo dia em que o relator Zveiter apresentava seu parecer à CCJ da Câmara, uma Proposta de Emenda à Constituição que torna automática a perda de mandato de parlamentar por condenação transitada em julgado no caso de alguns crimes ...

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