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25 de Maio de 2024
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    Poderá Temer responder por crime de prevaricação em razão dos áudios?

    Publicado por Correio Forense
    há 7 anos

    Para configurar o crime, somente com a caracterização de quebra de dever de ofício.

    Muito se tem ouvido sobre a possibilidade de prática do crime de prevaricação por parte do presidente Michel Temer, inclusive por renomadas autoridades da ciência jurídica.

    Gostaria de expor uma visão unicamente jurídica sobre o assunto, e porque entendo não se enquadrar no delito em questão. Por ser uma opinião jurídica, importante ressaltar: não estou a declarar Temer como inocente ou não reprovável. Não é o presente como “defesa” de Temer.

    E, quando nos referimos à prevaricação, entenda-se pelo crime de prevaricação, já que a expressão ganha contornos morais e também em outros ramos do Direito. A exemplo disso, veja-se que o Código Civil menciona o ato de prevaricar duas vezes, sendo uma causa de destituição do tutor ou curador (art. 1.766).

    Pois bem. O crime de prevaricação está disposto no art. 319 do Código Penal, e tem a seguinte redação:

    Art. 319 – Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:

    Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
    Analisando o núcleo do tipo, nota-se que as ações tipificadas consistem em retardar, deixar de praticar, ou praticar contra expressa disposição de lei, um ato de ofício. É no ato de ofício que poucos tem se atentado, ou se omitido, em suas imputações de prevaricação de Temer. Parece que entendem pelo crime qualquer conduta movida por interesse pessoal.

    E no que consiste um ato de ofício? Sem devaneios, é o ato do qual o agente tem obrigação, independente da vontade de qualquer particular. Não se trata apenas de uma obrigação moral, é um ato obrigatório. E, como só reputamos por obrigatório aquilo que decorre da lei (em sentido estrito ou amplo), e sendo o princípio da legalidade norteador da administração pública, naturalmente a lei é a grande fonte da obrigações — e dos atos de ofício.

    Para enriquecimento doutrinário, citamos a lição de Rogério Greco sobre o “ato de ofício” no crime em questão:

    “Por ato de ofício deve ser entendido todo aquele que se encontra na esfera de atribuição do agente […] Para que se configure o delito em estudo, o comportamento deve ser praticado de forma indevida, ou seja, contrariamente àquilo que era legalmente determinado a fazer, infringindo o seu dever funcional.”
    Feitas tais considerações, pergunta-se: qual a norma, lei, regulamento ou qualquer outra fonte obrigacional que determine que o Presidente da República, ao tomar conhecimento de um crime que sequer está em sua área de atuação funcional, deva comunicar as autoridades?

    Falamos aqui em área de atuação funcional porque, se os possíveis crimes fossem praticados na administração pública/governo federal, não restaria dúvida de sua obrigação de comunicar as autoridades, inclusive sob possível pena de incursão no crime de condescendência criminosa. Contudo, parece difícil se falar em obrigação do presidente da república averiguar fatos ocorridos em São Paulo, sem relação com suas funções, em âmbito judiciário, se acaso forem verdade (lembremo-nos que foram apenas afirmações de Joesley).

    Parece-nos claro que o presidente probo e moral, deve, ao menos, se aprofundar aos fatos e comunicar às autoridades judiciárias, mas não vislumbramos nenhuma obrigação funcional (decorrente de sua função) de fazer tal comunicação. Até o momento, desconheço qualquer normativa a respeito, e não hesite em informar nos comentários se houver, para que tenhamos a informação adequada.

    Em suma, a maior dificuldade no enquadramento de Michel Temer no crime de prevaricação reside em enquadrar a comunicação de suposto crime às autoridades como um dever de ofício. Grifa-se suposto porque se Temer denuncia sem ter certeza da veracidade da declaração de Joesley, ainda que não configure denunciação caluniosa (porque só existe na modalidade dolosa), é de se cogitar consequências civis e administrativas se comprovada a invericidade.

    Depois disso, ainda restará a barreira de ligar as narrativas ao exercício da função, já que os crimes contra a administração pública são praticados por funcionário público em razão de suas funções. Um agente público não responde por peculato por furtar qualquer coisa de alguém, só por ser agente público.

    Outra intransponível barreira é a existência de contravenção penal que perfeitamente se amolda à falta de comunicação, pelo funcionário, de crime que tomou conhecimento. Nesse aspecto, veja-se o art. 66 da Lei de Contravencoes Penais:

    Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:

    I – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício de função pública, desde que a ação penal não dependa de representação;
    Se a conduta de o agente/funcionário público que deixa de comunicar a autoridade a existência de crime puder se configurar crime de prevaricação, parece-nos sem sentido a existência da referida contravenção penal (posterior ao Código Penal). Mais adequada seria a aplicação única da contravenção penal, pela especialidade da lei e por ser mais benéfico ao acusado.

    Assim, cada vez mais difícil enquadrar Temer em algum crime comum, unicamente pelos áudios, sem embargo de outras provas. Evidentemente, possível afirmar que a conduta atenta contra à moralidade administrativa, o que pode ser enquadrado como ato de improbidade ou mesmo crime de responsabilidade.

    Rodrigo Stangret

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/podera-temer-responder-por-crime-de-prevaricacao-em-razao-dos-audios/462562668

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