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19 de Maio de 2024
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    Por que o STF deve anular o julgamento da Câmara?

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    No Mercador de Veneza, William Shakespeare alerta-nos que “o demônio pode citar as Escrituras para justificar seus fins”. Nada mais correto, assevera Pablo Bezerra Luciano, para quem “não há nenhuma norma mais elevada ou ideia democrática que não possa ser usada com alguma técnica mais ou menos sofisticada pelo autoritarismo”.

    A garantia das motivações das decisões judiciais possui natureza de direito fundamental do jurisdicionado. A Constituição da República (CR) proclama que toda decisão judicial deva ser fundamentada e motivada, sob pena de nulidade (art. 93, IX da CR).

    A exigência da motivação das decisões judiciais tem dupla função: i) função endoprocessual: permitir as partes que tomem conhecimento das razões que formaram o convencimento do julgador – saber se foi feita uma análise acurada da causa – e, assim, possibilitar as partes que recorram da decisão; ii) função extraprocessual: a fundamentação viabiliza o controle da decisão do magistrado pela via difusa da democracia participativa, exercida pelo povo em cujo nome a sentença é prolatada.

    No processo de impeachment o Congresso Nacional se transforma em Tribunal para julgar o Chefe do Poder Executivo por crime de responsabilidade (Lei n.º 1.079/1950) que atente contra a Constituição da República. Primeiramente, a Câmara dos Deputados, em juízo de admissibilidade, deve verificar se, em tese, o presidente da República praticou uma conduta típica, ilícita (antijurídica) e culpável que se enquadra na lei de responsabilidade e que atente contra a Constituição da República. Em um segundo momento, caso seja o processo admitido pela Câmara, caberá ao Senado Federal julgar o mandatário máximo da República.

    Assim sendo, tanto os Deputados Federais como os Senadores da República atuam no julgamento do impeachment como juízes. Não se pode olvidar que o impeachment é um processo híbrido de natureza política e jurídica, de tal modo que, as razões jurídicas não podem ser postergadas, nem pelos Deputados Federais e, muito menos, pelos Senadores da República.

    A notória e evidente falta de fundamentação e motivação jurídica pela grande maioria dos Deputados Federais quando do juízo de admissibilidade do impeachment contra a Presidenta da República Dilma Rousseff torna a decisão da Câmara do último 17 de abril nula. Ora, se a decisão judicial deve ser motivada e fundamentada por força da Constituição da República (art. 93, IX CR), com muito mais razão deve ser motivada e fundamentada a decisão tomada por aqueles que tem o poder de sacar a Presidenta da República do cargo.

    É evidente que não se busca dos Deputados Federais, no juízo de admissibilidade, um conhecimento profundo e um exame denso das questões jurídicas complexas a que a maioria não está afeita. Contudo, isso não exime os parlamentares de fundamentarem e motivares suas decisões politicamente e juridicamente. É inconcebível afastar o Chefe do Poder Executivo sem que haja crime de responsabilidade nos termos da Constituição da República.

    Apenas aos jurados nos julgamentos de competência do Tribunal do Júri é conferido pela Constituição da República o direito de não motivar e fundamentar sua decisão, até porque, no Júri é assegurado, também, o sigilo das votações (art. , XXXVIII da CR).

    A respeito da obrigação da fundamentação das decisões judiciais como decorrência natural do Estado Democrático de Direito, valiosa são as observações de Sergio Nojiri, para quem:

    "A exata compreensão do conceito de Estado Democrático de Direito e de seus componentes fundamentais (supremacia da Constituição, separação de poderes, princípio da legalidade e direitos do homem) ajuda-nos a entender, de forma mais clara, a relevância do dever de fundamentar as decisões judiciais à luz dos princípios estruturantes da Lei Maior. Conforme visto, em um Estado Democrático de Direito, o poder vem juridicizado de tal forma que só se torna legítimo na medida em que seus órgãos atuem como meros delegados do povo (que é o detentor soberano do poder), em espaços já juridicamente delimitados. Assim, este último não só participa na formação da vontade estatal como também no controle de seus atos, direta ou indiretamente".

    Por tudo, se a palavra golpe tem incomodado tanto e a tantos, necessário que o Supremo Tribunal Federal – no dizer do ministro Marco Aurélio Mello – última trincheira da cidadania, anule o julgamento proferido pela Câmara dos Deputados que admitiu o processo de impeachment contra a Presidenta da República Dilma Rousseff, sem receio de ferir o princípio interna corporis, porque, mais que qualquer princípio, está sendo ferida a democracia e o Estado constitucional.

    Belo Horizonte, 23 de abril de 16.

    Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Professor de Direito Penal.
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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/por-que-o-stf-deve-anular-o-julgamento-da-camara/327570978

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