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16 de Junho de 2024
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    Prisão preventiva de acusados por crime militar de deserção é ilegal

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 14 anos

    Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, introduziu-se no ordenamento jurídico pátrio uma nova sistemática em relação às prisões cautelares, em que a regra tornou-se a liberdade e a exceção a prisão.[1] Tal inclinação derivou-se do princípio da presunção de inocência, concebido como uma orientação política voltada à garantia máxima das liberdades individuais (artigo , inciso LVII, CF). Todavia, não obstante a dimensão restritiva e excepcional conferida às prisões cautelares, ainda é possível encontrar na legislação ordinária dispositivos que estão em descompasso com o mandamento constitucional e, por esta razão, devem ser relidos sob um novo enfoque ou, ainda, considerados automaticamente revogados[2].

    Dentre os dispositivos que devem ser objeto de exame por violarem a Carta Magna, podemos citar a prisão preventiva obrigatória contida na legislação processual penal militar no crime de deserção, pois não há mais respaldo constitucional para sua aplicação. O mencionado delito encontra-se previsto no Código Penal Militar, dispondo, o tipo intitulado como básico[3], a seguinte conduta delituosa: Art. 187. Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias: Pena - detenção, de seis meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada. Ademais, o Código de Processo Penal Militar, ao regulamentar o procedimento especial para o processo do crime de deserção, trouxe a seguinte previsão: artigo 453. O desertor que não for julgado dentro de sessenta dias, a contar do dia de sua apresentação voluntária ou captura, será posto em liberdade, salvo se tiver dado causa ao retardamento do processo.

    Diante disso, por meio de uma interpretação literal[4], denota-se que o mencionado artigo 453, da legislação processual penal militar, previu a possibilidade de concessão de liberdade provisória ao desertor somente após o transcurso do prazo de sessenta dias, exceto se o agente tenha contribuído com a delonga, período no qual deverá permanecer preso, independentemente da existência dos requisitos da prisão cautelar inseridos nos artigos 254 e 255, do Código de Processo Penal Militar (analogicamente também o artigo 312, do CPP), ou seja, sem que haja exame pelo juízo a respeito da cautelaridade, compreendida na presença de necessidade e legalidade da medida, para o processo.[5]

    Corroborando o alegado acima, segundo Esdras dos Santos Carvalho, O Superior Tribunal Militar tem interpretado o artigo 453 do CPPM como uma imposição legal para que permaneça o desertor preso em caso de captura ou de sua apresentação, não lhe concedendo liberdade provisória e sendo posto em liberdade somente decorridos sessenta dias de prisão.[6] No mesmo sentido, segue como exemplo o seguinte julgado: I - Habeas corpus impetrado em favor de desertor, requerendo, liminarmente, sua liberdade provisória e, no mérito, que responda ao processo em liberdade. II - A liminar foi negada, pois é constitucional a prisão de desertor e não se concede liberdade provisória por expressa vedação legal. Este assunto encontra-se, inclusive, sumulado por esta Corte.[7]

    Diante disso, observa-se a prevalência nos Tribunais Militares do entendimento de que o desertor deverá permanecer obrigatoriamente preso pelo prazo de sessenta dias, por força da legislação processual penal militar, que nada prevê (ao menos expressamente) a respeito da vedação da liberdade provisória no crime de deserção. O fato é tão pacífico que a própria Súmula 10, da referida Corte, reforça a ideia da impossibilidade do desertor responder ao processo em liberdade, ao dispor o seguinte preceito: Não se concede liberdade provisória a preso por deserção antes de decorrido o prazo previsto no artigo 453.[8]

    No entanto, não obstante o posicionamento descrito acima, para decretação de uma prisão preventiva, mesmo no âmbito da Justiça Militar, faz-se necessária a ocorrência de dois requisitos,[9] o primeiro denominado fumus comissi delicti , consistente nos indícios suficientes de autoria e na prova da materialidade do delito, e o segundo definido como o periculum in mora , que nada mais é que: a) garantia da ordem pública; b) conveniência da instrução criminal; c) periculosidade do indiciado ou acusado; d) segurança da aplicação da lei penal militar; e, e) exigência da manutenção das normas ou princípios de hierarquia e disciplina militares, quando ficarem ameaçados ou atingidos com a liberdade do indiciado ou acusado.[10]

    Dessa forma, com fundamento no princípio da presunção de inocência, apenas por meio da constatação dos requisitos da prisão preventiva se poderia impedir que o desertor respondesse ao processo em liberdade, tendo em vista que a alegação da vedação legal não é causa idônea e suficiente para impedir a liberdade do agente. No caso do artigo 453, do Código de Processo Penal Militar, a leitura que se faz do dispositivo legal é totalmente equivocada, visto que a menção à obrigatoriedade da prisão não mais encontra respaldo na ordem constitucional vigente, seja por uma releitura principiológica, seja pela revogação (por força de incompatibilidade lógica) da norma por meio do advento da Carta Magna, pois prevalecerá certamente o direito fundamental de presunção de inocência.

    Luigi Ferrajoli esclarece perfeitamente a regra da liberdade e suas consequências, vez que O imputado deve comparecer livre perante seus juízes, não só porque lhe seja assegurada a dignidade de cidadão presumido inocente, mas também e diria acima de tudo por necessidade processual: para que ele esteja em pé de igualdade com a acusação.[11] Sob essa perspectiva não há guarida para se permitir a manutenção da prisão do desertor, exceção sob a atual ótica constitucional, mormente sob o argumento de impossibilidade legal ou com base em interpretação (equivocada) manifestamente prejudicial ao agente, eis que a liberdade será sempre a regra, admitindo-se a restrição à liberdade somente em hipóteses excepcionais e desde que haja algum risco ao processo.

    Assim, não obstante o dispositivo legal e a regulamentação exposta acima, o Supremo Tribunal Federal, garantindo o que fora preconizado na Constituição Federal, no HC 89.645 afastou a aplicação do artigo 453, do Código de Processo Penal Militar, eis que a p...

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