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6 de Maio de 2024

'Problema do Brasil não é violência praticada pelo adolescente, mas contra ele', diz delegado

Publicado por Senado
há 9 anos

A redução da maioridade penal é uma inversão da pauta que realmente deveria ser debatida. Essa é a opinião do delegado Orlando Zaccone D'Elia Filho, do Rio de Janeiro, que participou de audiência pública interativa na CPI do Assassinato de Jovens. Para o delegado, é preciso olhar para a violência contra os jovens praticada, muitas vezes, pela polícia, de forma “legal”.

- A CPI está resgatando um olhar para aquilo que é o mais importante a ser visto quando o assunto é violência e juventude. O grande problema no Brasil não é a violência praticada pelo adolescente, mas contra ele – alertou.

O delegado, que se dedica a estudar a violência cometida “em nome da lei”, citou como exemplo os autos de resistência, forma jurídica usada para justificar o assassinato de cidadãos por policiais no ambiente social. Para ele, esses assassinatos legitimados pela lei fazem com que as pesquisas estejam longe de contemplar a violência letal contra os jovens brasileiros, objeto de estudo da CPI.

Ele citou dados da Anistia Internacional, que, em 2011 estudou 20 países que ainda têm pena de morte no mundo. Nesses países, foram executadas, 676 pessoas naquele ano. No mesmo período, segundo o delegado, as polícias do Rio de Janeiro e de São Paulo mataram 961 pessoas, número 42% maior.

A maior parte dos autos de resistência, segundo D’Elia, acaba sendo arquivada sem investigação pelo Ministério Público, o que torna legítima a ação dos policiais.

Guerra às drogas

Outro tema polêmico lembrado pelo delegado é a guerra às drogas, que seria responsável por grande parte dessas mortes. Orlando D’Elia faz parte do Law Enforcement Against Prohibition (LEAP), organização sem fins lucrativos formada por integrantes das forças policiais e da justiça criminal que apontam a falência das atuais políticas de drogas.

Segundo o delegado, ninguém está disputando a tiros de fuzil o controle das drogarias, ou dos pontos de venda de álcool, por exemplo, o que mostra que a violência não é gerada pelo uso das drogas, mas sim pela proibição.

- A violência não é produto das drogas, é produto da proibição. Se fizermos uma pesquisa sobre quantos jovens morreram pelo consumo de drogas proibidas e quantos morreram na guerra contra o consumo dessas substâncias, vamos concluir, com toda certeza, que o segundo número é muito maior - disse.

Para ele, a guerra às drogas produz “sujeitos matáveis”, em uma política de extermínio. O fato de alguém ter antecedentes criminais ou ser considerado traficante acaba justificando as mortes praticadas pelos agentes da lei, independentemente de que como se deu a ação desses policiais.

- Identificado que quem morreu é um traficante e que ele morreu dentro de uma favela, isso é o suficiente para o arquivamento da investigação – disse o delegado, que tem uma pesquisa sobre o tema.

Para a presidente da comissão, senadora Lídice da Mata (PSB-BA), os governos aderem à tese de que o tráfico é o principal responsável pela violência devido ao quadro de impotência no combate a ela.

- Fica mais didático ou fácil assumir a tese de que o tráfico de drogas é o grande responsável pela violência porque aí se justifica rapidamente também a violência do estado - observou a senadora.

O relator da comissão, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), disse que bilhões são gastos na guerra contra as drogas. Nesse esforço, morrem pessoas inocentes e a polícia, que é quem mais mata, também é quem mais morre. Pequenos varejistas de drogas morrem também e são substituídos no dia seguinte.

- Estamos enxugando gelo. – constatou.

Questão racial

O racismo foi outro ponto citado pelos participantes. O pesquisador do Ipea Antônio Teixeira de Lima Júnior apontou o que chamou de “seletividade sistêmica” nas taxas de vitimização. Dados do Mapa da Violência de 2014 mostram que, entre 2002 e 2012, houve uma queda de 24,8% da taxa de homicídios contra brancos e aumento 38,7 na taxa de homicídios contra negros no mesmo período.

- Como a taxa de homicídios não oscilou muito nesse mesmo período, significa dizer que houve uma intensificação do caráter seletivo da taxa de vitimização no Brasil, em que a questão racial aparece com destaque. Traduzindo isso em outros números, nesse período morreram 72% mais negros que brancos – disse.

Para o pesquisador, o aparato policial brasileiro foi constituído, em grande parte, com base na repressão aos negros. As leis mais rígidas, disse Antônio Junior, foram criadas nos períodos em que se intensificaram as rebeliões de negros escravizados. A legislação imperial, que tem sua base continuada até hoje, teria sido feita com base na repressão aos quilombos e no controle das atividades profissionais e de diversão dos negros, por exemplo.

- O direito penal foi fundado não no crime, mas no criminoso. Não foi feito para conter delitos, mas para perseguir indivíduos – explicou.

O pesquisador também afirmou que o encarceramento não ocorre apenas nas prisões. Como exemplo, citou a repressão aos chamados "rolezinhos", as formas arquitetônicas que impedem a população de rua de ocupar espaços públicos e a construção de muros em morros do Rio de Janeiro.

- O que é aquilo senão outra forma de encarceramento? – questionou.

O relator e a presidente da comissão manifestou a intenção de convidar o pesquisador para colaborar mais diretamente com a CPI.

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O Dr Delegado está desprezando a realidade.... continuar lendo

Gostei do tema e acrescento que acompanho o trabalho de LEAP e do Delegado Orlando Zacone inclusive quero manisfestar meu total apoio a esta iniciativa.Os números não deixam margens para dúvida: A quantidade de menores apreendidos e mortos no tráfico é realmente assustador e por essa razão o enfrentamento poderia ser evitado com uma política de descriminalização ou legalização deveria entrar em pauta urgente através do plebiscito ou reverendo.Se as prisões favorecem uma parcela da sociedade,o tráfico e a proibição favorece os grandes financistas, bancos e uma grande rede de beneficiários ocultos aos olhos da sociedade.Apenas para alertar a população: Os números de assaltos cresceu em virtude da dívida com drogas dos pequenos "varejistas" que compram para revender em busca de ganhar um trocado e são induzidos pelos maiores de idade para ingressar no mercado.Enxugando gelo e gastando bilhões dos nosso impostos neste combate perdido. continuar lendo

Muito interessante a opinião do delegado, confesso que tive de digerir algumas palavras para entender o âmago da sua intenção, porem em parte discordo, não acho injusta a violência praticada contra ele enquanto adolescente acho-a apenas desproporcional, acredito que seja muito mais grave a violência praticada contra ele antes de alcançar a adolescência, pois foi essa que o desviou do caminho correto, infelizmente após provarem as facilidades de uma vida sem regras, tendo dinheiro sem precisar trabalhar, fazendo sexo com a mulher que quiser desde que ela esteja sozinha ,num local vulnerável e incapaz de oferecer resistência, não tendo obrigações nem responsabilidades e ainda acostumados a fugir da realidade entorpecidos por todo tipo de droga facilmente encontrada em qualquer esquina, após essa pequena explanação não consigo ver o adolescente como uma vítima, vejo como vítima a família destruída, a mãe amorosa se sentindo fracassada, o pai trabalhador se sentindo desprotegido e ameaçado pela própria prole. Lamento Sr Delegado ter um ponto de vista diferente do seu, mas se os locais públicos deveriam receber "rolezinhos" sem medo nem ressalvas o Congresso nacional deveria ter lhes aberto as portas primeiramente, pois shopping não é a casa do povo, o Congresso sim.
Não sou de forma nenhuma a favor da violência contra adolescentes, como também não sou a favor de sofrer violência de adolescentes contra mim. continuar lendo

Bacana quando uma pessoa sábia,nos da o prazer de ler um texto que tem tudo haver com a realidade nua e crua do nosso país,não é com repressão,não é com armas,não é com redução de maioridade que vai revolver o problema dos jovens principalmente aqueles de baixa renda. ``Onde estavam os gestores públicos,vendaram os olhos para nossa sociedade acordaram assustados,opa onde estou`´´? Construa escolas de qualidade,busquem exemplos de escolas publicas no japão. E por último quem corromper o sistema público roubando ai sim,que seja fuzilado antes que nossos jovens seja. continuar lendo