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16 de Junho de 2024
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    Projetos pretendem alterar lei ambiental vigente no Brasil

    Estão em discussão no Congresso Nacional projetos de lei que propõem mudanças na legislação ambiental vigente no País. O assunto tem provocado grande polêmica. Movimentos ambientalistas denunciam que esses projetos de Lei representam os interesses do agronegócio e comprometem o desenvolvimento sustentável, a preservação de biomas que já foram muito prejudicados com a ação humana e a qualidade de vida das futuras gerações. Por outro lado, investidores e ruralistas alegam que a legislação ambiental é um entrave para o desenvolvimento econômico do País e, por isso, precisa ser mudada.

    Na última terça-feira (6), uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou por 13 votos contra cinco o novo texto do Código Florestal. Nove destaques que podem mudar o texto final ainda precisam ser votados. O projeto de Lei será analisado no plenário da Câmara. A votação final deve ocorrer depois das eleições.

    O Ministério Público Brasileiro tem se posicionado de forma contrária a modificações no Código Florestal de 1965 que pretendem diminuir e até acabar com as áreas de preservação permanente (APP) e com a reserva legal. O promotor de Justiça que coordena a Equipe Especializada em Meio Ambiente e Urbanismo do Ministério Público da Paraíba (MPPB), José Farias, concedeu uma entrevista sobre o assunto.

    Qual a sua avaliação sobre os projetos de lei que atualmente estão em discussão no Congresso Nacional e que se propõem a mudar a legislação ambiental vigente no País?

    JF: Temos especificamente três projetos de lei: um que trata da mudança da Política Nacional de Meio Ambiente, que é a mudança da Lei 6.938/81, onde se quer retirar a atribuição que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) pensa que tem de legislar. Esse conselho está, através de resolução, criando regras e normas jurídicas de meio ambiente. Essas regras estão sendo contestadas pelos investidores e com razão, porque o Conama não tem competência de legislar e, de fato, está legislando e tem modificado, por exemplo, através da Resolução 237, a competência para o licenciamento. A Lei Federal diz que a competência é do Estado e essa resolução diz que a competência pode ser do município. Isso é uma excrecência que um dos projetos de Lei pretende acabar. Uma outra lei que está sofrendo grande contestação no Congresso Nacional é o Código Florestal (Lei 4.771, de 1965).

    O que está sendo questionado?

    JF: Esse Código traz dois institutos jurídicos que estão sendo contestados pelo agronegócio. Um deles é a área de preservação permanente (APP), que é aquela área adjacente aos corpos e cursos d´água e as áreas de altitude, onde não pode haver nenhum uso econômico. Isso é contestado pelo agronegócio porque o agronegócio defende plantar em qualquer lugar; até na beira dos rios. Por isso, ele quer acabar com essa área de preservação prevista nos artigos e do Código Florestal. O Código é de 1965, mas a ampliação das APPs foi feita por uma Medida Provisoria em 2001. Se o rio tivesse dez metros de largura, a APP teria que ser de cinco metros. Com a Medida Provisoria de 2001 - que ainda não se converteu em Lei, nove anos depois -, essa área passou de cinco para 30 metros. É essa expansão que é contestada pelo Projeto de Lei.

    E qual é o posicionamento do Ministério Público a respeito dessa mudança?

    JF: A APP vai de 30 a 500 metros, dependendo da largura do rio e isso não impede e não tira a área do agronegócio. O Ministério Público não pode concordar com essa mudança. Há também a questão das cumeeiras de morro, as áreas de altitude, eles querem plantar em altitudes porque tradicionalmente, em Minas Gerais, por exemplo, as pessoas plantam uva nas encostas. Há uma questão cultural que entra em conflito com uma questão científica. A discussão que deve ser feita é: qual questão deve prevalecer? Essa modificação o Ministério Público não apoia.

    A questão da reserva legal também está sendo alvo de discussão?

    JF: A modificação do artigo 16 do Código Florestal, quanto à reserva legal, é a modificação mais substancial e é contra ela que o Ministério Público Brasileiro está se posicionando contra. A reserva legal foi criada originalmente em 1934 com o primeiro Código Florestal. Esse Código dizia que toda a propriedade rural no Brasil tinha que preservar 25% das matas nativas e o Código Florestal de 1965 fez um redimensionamento, escalonando o percentual de 20 a 50%. Mas, a Medida Provisoria de 2001 prevê que essa área pode variar de 20 a 80%. Por exemplo, na Amazônia, a reserva legal - que é a mata natural que tem que ser preservada - deve ser de 80% da propriedade. Quando isso aconteceu, o Centro-Oeste ainda não estava sendo explorado pelo agronegócio e essa região tem um bioma mais frágil que a caatinga, que é as savanas, com vegetação arbustiva. As poucas árvores que essa região tem são mais necessárias do que em qualquer outro lugar no Brasil! Mas, é nessa região que o agronegócio está com a monocultura de grãos, de cana-de-açúcar e com a pecuária de grande porte. Como o bioma é mais frágil, o percentual da reserva legal vai de 20 a 80% e o percentual médio é de 35%. O agronegócio quer acabar com a reserva legal para plantar em qualquer lugar.

    Então, o que está em jogo no Congresso é uma disputa de interesses dos empresários do agronegócio de um lado e dos ambientalistas, de outro?

    JF: É o agronegócio contra os ambientalistas. Só que não é tão simples assim, porque o agronegócio ocupa 60 milhões de hectares. É o que eles dizem e, realmente, o grande agricultor planta 60 milhões de hectares. Mas, o agronegócio não tem só a agricultura, tem também a pecuária e isso eles escondem. De acordo com o estudo “Estatísticas do Meio Rural”, publicado em 2008 pelo Dieese e Nead/MDA (Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário), a pecuária ocupa 170 milhões de hectares em todo o País, sendo que a pecuária intensiva ocupa 40 milhões de hectares em propriedades privadas e a pecuária extensiva ocupa 130 milhões de hectares em terras públicas, que são resultado do desmatamento ilegal. Depois de cinco anos de uso, essas terras públicas deixam de ser usadas pela pecuária extensiva e passam a ser utilizadas para a monocultura. A maioria das atividades do agronegócio é ilícita porque eles (os investidores) estão plantando em lugares que não podem plantar. Por exemplo, a monocultura chegou ao entorno do Pantanal. Em vistoria realizada pelo MDA em parceria com o Ibama, há pouco mais de um ano, fazendas pertencentes ao atual governador do Mato Grosso do Sul foram autuadas administrativamente por exploração de atividade agrária de monocultura em áreas proibidas, áreas de amortização do Pantanal. Isso demonstra como o problema é sério, já que a própria autoridade pública está violando a lei. O agronegócio está querendo acabar com a reserva legal porque todas as canetadas que o Ministério Público deu, que o Ibama deu e que os órgãos estaduais deram contra os investidores do agronegócio se acabam. Se hoje eu denuncio alguém por um crime e amanhã é aprovada uma lei que diz que esse crime deixa de ser crime, acabaram os processos e as ações penais que são muitas e as multas. Se a atividade deixou de ser ilícita não tem irregularidade nenhuma para ser acionada.

    Qual a avaliação que podemos fazer desses projetos de lei em relação à sustentabilidade?

    JF: Esses projetos de lei colocam a sustentabilidade em xeque. Sustentabilidade tem um significado muito mais profundo do que o discurso tem usado. Sustentabilidade é um adjetivo que deram ao desenvolvimento, que vem da construção de progresso, que é a acumulação de riquezas. A produção e a acumulação de riquezas com sustentabilidade é o que se chama de desenvolvimento sustentável. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente de 1972 construiu toda uma doutrina de sustentabilidade que envolve três pilares: o econômico, o ecológico e o social. Então, qualquer empreendimento tem que ser economicamente sustentado (porque depende do planejamento humano); tem que ser ecologicamente sustentável (porque depende da natureza e há alguns fatores naturais que a gente não pode prever) e o desenvolvimento tem que ser socialmente inclusivo. Não se pode falar em desenvolvimento sustentável quando você está cercado de miséria. Para essa construção, é necessária a preservação ambiental que nunca foi aceita pela elite econômica do País.

    Por que a elite não aceita esse novo conceito de desenvolvimento?

    JF: A preservação ambiental representa uma limitação administrativa do direito de propriedade e isso (a preservação ambiental) ocorre porque a propriedade tem que ter uma função social. Na verdade, o que estão combatendo no Congresso é a função social da propriedade, que é feita através de quatro requisitos: o bem-estar social e econômico das pessoas que trabalham e que vivem no entorno da propriedade; o respeito às leis trabalhistas - que o agronegócio não gosta de fazer. Todo dia tem denúncias de pessoas que foram resgatadas do trabalho análogo ao escravo em fazendas de monocultura -; o uso racional e adequado da propriedade e a eficiência, e a preservação de recursos naturais, que entra na APP e na reserva legal. Em relação à eficiência, a lei diz que é preciso produzir 100% da atividade. Então, a eficiência da produção de milho, por exemplo, é 800 quilos por hectare e hoje, o agronegócio está produzindo 4 toneladas de milho por hectare, porque a eficiência que a lei exige é com base na produtividade de 1975. O agronegócio quer acabar com essa exigência também porque, se eles (os grandes produtores) conseguem produzir 4 toneladas de milho por hectare – cinco vezes mais do que a lei exige -, eles não precisam usar os 80% da área da propriedade que a lei obriga.

    Esses projetos têm chances de serem aprovados?

    JF: Acredito que não porque temos um equilíbrio de forças muito grande no Congresso. Se o agronegócio tivesse essa força toda, ele não precisaria se mobilizar como está se mobilizando. Há uma bancada ruralista forte e combativa no Congresso Nacional, desde a Constituinte de 1986 e eles não ganham essa discussão. Isso se deve à mobilização dos demais setores da sociedade e à própria representação da sociedade dentro do Congresso.

    Se esses projetos virassem lei, quais as consequências para o Estado da Paraíba?

    JF: A Paraíba tem 5,6 milhões de hectares e 78% do Estado já está com exploração econômica. Não temos mais os 20% da área de reserva legal e temos a 4a menor unidade de preservação do País. Apenas 1,42% do território paraibano é juridicamente protegido com terras indígenas (que equivalem a 82.900 hectares) e unidades de conservação federal e estadual. No Rio Grande do Norte, apenas 0,03% do área do Estado é protegida; em Alagoas são 0,2% e em Sergipe, 0,89%. Não há como se acabar com o que já se acabou. A ameaça está na Amazônia porque lá ainda há o que se preservar.

    Está em discussão, através desses projetos de lei, anistia para quem já desmatou?

    JF: A anistia é consequência natural. A lei diz que a APP é para preservar as encostas de morros e proteger a vegetação - para que não haja desabamentos e desmoronamentos como aconteceu no Rio de Janeiro - e preservar a mata ciliar. A lei diz que é de preservação permanente a mata ciliar quer ela exista ou não. No caso do Shopping Manaíra, por exemplo, há o rio e até 50 metros de um lado e de outro, não poderia haver ocupação nenhuma, porque a área de preservação não admite o uso econômico. Não poderia ser construído nada lá. Mas, eles (os empresários) dizem que não há mata ciliar mais naquela área. A lei manda retirar as construções dessas áreas e replantar a mata ciliar e é isso que se quer modificar. A anistia para eles é o seguinte: a reserva legal e a área de preservação devem existir onde já existem; onde não existem, não se planta mais. Só essa mudança anistiava tudo o que já fizeram porque hoje, eles são obrigados a replantar de onde tiraram.

    Qual deve ser o papel do Ministério Público em relação a esse assunto?

    JF: O Ministério Público deve assumir o papel de moderador, deve chamar a sociedade para dizer que esse grupo está propondo isso e as consequências são essas. Deve chamar a universidade, os cientistas da área para discutir e dizer o que pode acontecer, se as propostas desse grupo ganharem e o que se deve fazer. O Ministério Público não pode pretender ser o dono da lei ou da verdade. Defendo a área de preservação, mas não posso estar com a verdade. Não é apenas através da lei que se preserva o meio ambiente, porque o poder público não tem estrutura para fiscalizar se as áreas de APP e de reserva legal estão sendo respeitadas. Essa discussão tem que ser pactuada com a sociedade para funcionar.

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