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20 de Junho de 2024

Publicidade Digital

O ciclo de rastreamento, perseguição, ansiedade e consumismo

há 2 anos


Imagine que você vai ao shopping comprar sapatos verdes. Você pergunta no balcão de informações e eles te indicam uma loja próxima. Lá você encontra alguns modelos, experimenta, até gosta. Mas no fim, nenhum deles é verde.

Você agradece à atendente, mas informa que resolveu não levar nada. Ela te olha apreensiva, como se vc tivesse dito algo errado.

Quando você está saindo da loja… uma sensação estranha. Você olha para atrás, não vê nada fora do lugar, então continua caminhando. Você passa pela praça de alimentação, e escuta o som de passos logo atrás de você, mas é um local cheio de pessoas, não há nada de estranho nisso.

Você encontra um colega de trabalho e ele pergunta por que você não comprou os sapatos. Ele pode ter te visto saindo da loja sem sacolas, então tudo bem.

É tarde e você tem que ir embora, então pega o elevador solitário. Alguém esqueceu seus sapatos ali dentro. Estranhamente, é o mesmo modelo que você quase levou pra casa.

É só quando você está andando pelo estacionamento que percebe o que está acontecendo. Os sapatos estão te perseguindo desde a loja, caminhando atrás de você, e agora vários se juntaram a ele. Sapatos azuis, laranjas, roxos, todos com sua pontuação.

“Corre”, diz alguém, então suas pernas estão batendo com força, mas os passos ocos dos sapatos te acompanham, não importa quão rápido você seja.

Você finalmente entra no carro, dá a partida, sai cantando pneu. Os sapatos continuam correndo, rolando, e pelo retrovisor você vê uma bola gigante de sapatos se formando na pista. Você acelera, pega uma via diferente, mas a bola continua crescendo, mudando, evoluindo.

Você já está em frente ao seu apartamento quando bate o carro e espera o fim, o monstro de sapatos vai te esmagar. Você está ouvindo o chacoalhar dele em sua direção quando seu colega de quarto manda uma mensagem de texto: “Oi, que tal pedir um sushi hoje?”.

É instantâneo.

O monstro gigante de sapatos some, e você tem 10 segundos para subir as escadas e fechar a porta antes que uma bola gigante de arroz te envolva em algas e cream cheese.


A publicidade hoje em dia sabe o que você come, o que você veste, com quem anda, se pratica esportes, se lê livros ou prefere filmes… e te persegue com aquele produto que você estava interessado por todos os lugares: no seu celular, no trabalho, no carro, onde você for.

Nas redes sociais os usuários entregam de bandeja a maioria dos seus interesses e recebem de volta publicidades personalizadas com exatamente o que elas ainda vão pensar em comprar. O que para alguns é uma evolução e praticidade, para outros é tratado como incômodo e agressivo.

“Com o tempo, a Internet virou um balcão de negócios – com os nossos dados! Muitas empresas que vivem apenas e exclusivamente de captar dados e passar adiante. Estamos na plena era do Capitalismo da Vigilância (Surveillance Capitalism). Os especialistas em segurança digital pregavam no deserto há tempos sobre a necessidade de se regular a privacidade na rede.”¹

A sensação de estar sendo “perseguido” por anúncios gera uma discussão sobre privacidade e segurança de dados, e por que não, sobre ansiedade e depressão. Na crônica acima, o personagem não é simplesmente perseguido pelos sapatos, mas encurralado por eles, temendo o risco à própria vida.

Segundo Augusto Cury, psiquiatra e famoso escritor de livros de auto-ajuda, as pessoas “quanto mais ansiosas, mais consumistas se tornam”².

Então o ciclo fecha: o algoritmo te rastreia, a publicidade te persegue, tu te tornas mais ansioso e consome mais.

A Lei Geral de Proteção de Dados, em vigor desde setembro de 2020, veio para deixar estes processos de rastreamento mais transparentes. Agora os sites te pedem para aceitar os cookies, que você pode rejeitar, ou mesmo limpá-los no histórico de navegação. Bancos de dados são obrigados a manter cadastros seguros, ou excluí-los, se solicitado pelo consumidor.

Ser dono dos próprios dados é algo essencial ao consumidor, cada vez mais cientes de seus direitos, porém, o direito à informação clara não é o único a ser respeitado. Também são direitos essenciais dos consumidores a saúde, a segurança, a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, e o combate aos métodos comerciais coercitivos ou desleais.

O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 39 traz alguns incisos que podem ser importantes para esta discussão:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: [...] IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes”. (grifos nosso)

Se levarmos em conta que as principais empresas detentoras de nossos dados hoje são as gigantes Apple, Facebook, Google, entre outras, conseguimos entender como estamos à mercê de tais empresas. A vulnerabilidade do consumidor em relação ao fornecedor é um assunto extenso e consolidado, mas o que propomos aqui é demonstrar que ao fornecedor cabe o total conhecimento de seu produto e serviço, e portanto este deve OBRIGATORIAMENTE divulgar este conhecimento de maneira clara e ostensiva.

Será possível dizer que pelo menos a maioria dos usuários do Facebook sabem como funciona a coleta de seus dados?

Cabe às empresas esclarecerem a natureza e o funcionamento de seus serviços, para que a relação de consumo existente não seja desleal nem cause prejuízo às partes.


¹ COSTA, Omarson. Olá, aceita um cookie? Teletime, 25 de julho de 2021. Disponível em: https://teletime.com.br/05/07/2021/ola-aceita-um-cookie/

² CURY, Augusto. A ditadura da beleza e a revolução das mulheres. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.

Código de Defesa do Consumidor. Decreto Presidencial nº 2.181, de 20 de março de 1997, Brasília, DF, 1997. ______.

Lei Geral de Proteção de Dados. LEI Nº 13.709, DE 14 DE AGOSTO DE 2018. Brasília, DF, 2018.

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