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6 de Maio de 2024

Punir e expiar e a alteração na Lei Maria da Penha pela Lei nº 13.827/2019

Publicado por Felipe Gabriel Guerra
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Na história do pais, infelizmente, há uma crescente iniciativa em matérias penais, como se pode observar a da excelente leitura do livro Populismo Penal Legislativo a tragédia que não assusta as sociedades de massas, dos autores Luiz Flávio Gomes e Luís Wanderley Gazoto. Neste raciocínio, o objetivo desta é mostrar os riscos e as consequências, de forma preliminar a Lei nº 13.827/2019 pode causa na comunidade jurídica e da sociedade em geral em relação a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

Pobre Brasil tupiniquim, cujo legislador mais uma vez optou pela política do encarceramento ao criar no artigo 12-C, § 2º, uma vedação a liberdade provisória legal, nos casos em que haja risco a integridade física da ofendida, ou à efetividade da medida protetiva de urgência em relação a ofendida na Lei Maria da Penha.

É expresso, e somos sabedores que, em regra, compete a União legislar sobre matéria processual penal, artigo 22, inciso I da CF, e que as decisões em controle de constitucionalidade não vinculam o legislador, evitando-se o fenômeno da “fossilização da constituição”.

Contudo, o STF ao longo dos últimos anos vem diluindo a violação a separação dos poderes e a individualização da pena pelos legisladores, como, exemplificativamente, foram o julgamento a vedação a fiança no Estatuto do Desarmamento (ADIn 3.112-1 STF), a progressão de regime nos crimes Hediondos (HC 82959, STF), a fixação do regime inicial de cumprimento de pena diverso do fechado, também em sede de crimes Hediondos (HC 111840, STF). E, agora, uma vedação a liberdade provisória. É grave, o que é isso?

A medida protetiva a mulher por Delegados de Polícia e Policiais, na ausência de Juízes constituí uma medida temerária, perigosa, geradora de insegurança jurídica, e que viola conforme mencionado alhures a separação e a independência dos poderes.

O exposto acima não é desqualificar a natureza jurídica e Policial do Delegado de Polícia, cuja relevância já mencionamos em diversas oportunidades. E, a qual defendemos que pode e deve realizar o Auto de Prisão em Flagrante Delito e o Inquérito Policial por vídeoconferência e através de Inquéritos Policiais eletrônicos, alcançado cidades, Distritos e os diversos rincões deste país, e com contato direto com vítimas, testemunhas e suspeitos, a qual receberia representações e petições através das tecnologias disponíveis.

Mas, de modo a exemplificar, o perigo da alteração legislativa, aqui trabalhada, mencionamos diversas cidades nos entes federativos que ainda são desprovidas de Delegacia de Polícia, e que não sede de comarca, mas que possuem policiais militares. Indaga-se seria possível a imposição de uma medida protetiva por policial militar, com fundamento no artigo 12 – C, § 3º da Lei Maria da Penha? Essa indagação decorre, devido à ausência de técnica legislativa dos parlamentares que se refere a policial não especificando o órgão constitucional a que pertence, e ainda traz a terminologia denúncia ao invés de representação, como já ocorre no artigo 12, inciso I da Lei nº 11.340/2006 e artigo § 4º do CPP. "En passant" é preciso mencionar que o artigo 308 do CPP, é norma anterior, geral e de mesma hierarquia que a Lei n. 13.827/2019 no artigo 12 - C, parágrafo terceiro, inciso, III, assim quis o legislador teleologicamente que no caso de medidas protetivas de urgência, policiais militares, rodoviários federais, em tese, não seriam obrigados a diligenciar a delegacia de polícia judiciária mais próximo para fins de efetivação das medidas protetivas de urgência.

A inquietação acima não visa desmerecer as funções desempenhadas pelos Militares Estaduais, mas apenas seu desligamento de sua função constitucional de policiamento ostensivo e preservação da ordem pública. A atividade de Polícia Judiciária que não seja a militar, acreditamos ser inconstitucional, e não se pode a qualquer pretexto se afastar de nossa Lei maior.

Logo, a proibição da liberdade provisória não é uma prisão preventiva, pois não se submete aos requisitos do artigo 312 e 313 do CPP, não é uma prisão em flagrante, pré-processual e sob o controle do Judiciário, resta, portanto, denominarmos a vedação a liberdade provisória uma prisão cautelar sui generis, desmedida e desproporcional.

Acreditamos ser desnecessário o julgamento histórico, ressalvada algumas críticas da ADIn 4.424/DF, STF, Plenário, julgado em 17/02/2012 sobre a constitucionalidade de normas da Lei Maria da Penha. A violência doméstica e familiar contra a mulher, desejamos que sejam efetivadas políticas públicas educadoras, realmente preventivas devido à natureza socioeconômico/político/educacional das políticas públicas.

A Lei nº 13.827/2019 fere a separação dos poderes, de fato, e cria uma medida prisional processual anômala que nem mesmo nos crimes de bens jurídicos de transindividuais e coletivos são permitidos.

A violência contra a mulher sempre existiu, tal fato é retratado no livro da Angela Davis, a qual extraímos um pequeno trecho:

“E histórias sobre ataques de policiais a mulheres negras – vítimas de estupro que, às vezes sofrem um segundo estupro – são ouvidas com muita frequência para ser descartadas como anormais. Mesmo quando o movimento pelos direitos civis de Birmingham estava mais forte, por exemplo, jovens ativistas frequentemente afirmavam que nada poderia proteger as mulheres negras de serem estupradas pela polícia de Birmingham. Recentemente, em dezembro de 1974, em Chicago, uma jovem negra de dezessete anos relatou ter sido estuprada por dez policiais. Alguns dos homens foram suspensos, mas no final todo o caso foi varrido para fora do tapete” (Davis, Angela. Mulheres, raça e classe; tradução Heci Regina Candiani – 1º ed. São Paulo: Boitempo, 2016, pág.178)

Acreditamos que a cifra negra vem diminuindo devido ao acesso a informação, e ao empoderamento feminino que torna as diversas formas de violências de conhecimento do público, ávido pela punição, a qual deve ser certa, mas respeitada a constituição federal e os tratados internacionais em que o Brasil é signatário.

No livro Controle Externo da Atividade Policial pelo Ministério Público o autor Rodrigo Régnier Chemim Guimarães com franqueza e fundamento expõe o seguinte pensamento:

“Como a investigação, de regra, se inicia junto a polícia, acaba sendo esta que decide se realmente investigará, ou não, determinado caso, ao passo que o Ministério Público e o Judiciário somente tomarão conhecimento do fato criminoso, se a polícia assim o entender. Ou seja, na atual estrutura de Justiça Criminal Brasileira, tanto o Ministério Público quanto o judiciário acabam trabalhando somente naquilo que interessa a polícia. No mesmo sentido, o alerta de Ela Wiecko V. de Castilho: Na prática é a transformação da Polícia em dominus litis. Sim, porque de nada serve ao MP ter o monopólio da ação penal pública, se quem decide o quê, como e quando deve ser objeto de ação penal e Polícia ” (Guimarães, Rodrigo Régner Chemim. Controle externo da atividade policial pelo Ministério Público.– 2º ed. Curitiba: Juruá, 2012, pág.83)

Por fim, sugerimos que a violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar não se diminuí com o veneno amargo da vedação a liberdade provisória, mas com o remédio da educação e de políticas públicas efetivas, humanizadas, promotoras de acesso a mulher a sua liberdade de pensar, agir e se autodeterminar, realizar suas escolhas sobre seu corpo, sua família, orientação sexual, profissão, dentre outras com independência, e tudo alicerçado pela educação e igualdade de direitos entre homens e mulheres no seio da sociedade como base da sociedade.

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