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16 de Junho de 2024
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    Retrocesso do STF sobre antecedentes

    Publicado por Justificando
    há 9 anos

    O Supremo Tribunal Federal, em julgamento de habeas corpus na última 4a feira (24/06), deu nova interpretação ao conceito de antecedentes, circunstância judicial de fixação da pena-base em processos criminais. Decisão com repercussão geral no RE 291.054 (17/12/2014) vedava considerar inquéritos ou ações penais como maus antecedentes, por força dos princípios da culpabilidade e da presunção de inocência, garantidos na Constituição; agora, essa posição avançada começou a mudar para uma posição retrógrada sobre antecedentes, admitindo inquéritos e ações penais na ampliação da pena-base. A revisão da tese deve ocorrer em recurso futuro, sob igual fundamento, afetado por repercussão geral.

    A mudança começou quando o Min. Ricardo Lewandowski disse adequar-se ao princípio da colegialidade contido na repercussão geral da decisão anterior, mas com ressalva de entendimento pessoal contrário, conforme voto proferido em 2008. Nesse momento, a manifestação do Min. Edson Fachin parece ter desencadeado a metamorfose da decisão anterior, ao declarar que concordava com a posição antiga, mas discordava da posição atual do Min. Lewandowski, no que foi seguido pelo Min. Luiz Fux. Essas manifestações inverteram a posição do plenário, agora favorável à consideração de inquéritos e ações penais na pena-base (6 votos contra 5).

    A literatura e a jurisprudência modernas consideram antecedentes, para efeito de pena-base, somente condenações criminais transitadas em julgado que não constituem reincidência – uma circunstância legal valorada como agravante (art. 61, I CP). O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 444, que diz: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais para agravar a pena-base". Por outro lado, pesquisas mostram a controvérsia na justiça penal brasileira: 48,4% das decisões judiciais consideram inquéritos e ações penais em curso como maus antecedentes na fixação da pena-base.

    A decisão do STF representa retrocesso no conceito de antecedentes penais: no futuro, os maus antecedentes não serão limitados às condenações criminais transitadas em julgado que não constituem reincidência, podendo incluir hipóteses (a) de inquéritos instaurados, (b) de processos criminais em curso, (c) de condenações criminais sem trânsito em julgado, (d) de condenações criminais com trânsito em julgado que não constituem reincidência e, até mesmo, (e) de absolvições judiciais por insuficiência de provas. A evidente violação dos princípios constitucionais da culpabilidade e da presunção de inocência (art. , LVII CF) colocará a jurisprudência brasileira na contramão de tendências modernas da legislação, da literatura e dos Tribunais de Estados Democráticos contemporâneos.

    A revisão da decisão com repercussão geral de 2014 parece ter produzido outra espécie de repercussão no âmbito da academia e dos profissionais do sistema penal: um desagradável sentimento de frustração com a inesperada posição repressiva do STF, contrária às pesquisas criminológicas e às modernas propostas de política criminal. É doloroso constatar: a orientação amplia a inútil violência punitiva do Estado contra a população pobre e negra (67% dos condenados), oprimida pelas condições estruturais adversas de desigualdade social e vítima preferencial da repressão penal seletiva do capitalismo neoliberal periférico, concentrada de modo preponderante sobre a juventude (56% dos presos entre 18 e 29 anos), conforme dados do Ministério da Justiça para 2014.

    Mas nem tudo parece perdido. Cientistas e operadores engajados na democratização do sistema de justiça criminal esperam, sinceramente, que o Min. Luiz Edson Fachin – um jurista brilhante, comprometido com as lutas democráticas e com a defesa dos direitos humanos, com plena consciência de que a criminalidade não pode ser resolvida com agravação das penas criminais –, reconsidere sua posição inicial sobre antecedentes na futura decisão do STF, preservando a repercussão geral da histórica decisao de 2014 e, assim, protegendo a juventude negra e pobre brasileira, punida todos os dias pela injustiça das precárias condições de vida social.

    Juarez Cirino dos Santos é Professor de Direito Penal da UFPR, Presidente do ICPC – Instituto de Criminologia e Política Criminal, Advogado Criminal e autor de vários livros nas áreas de Direito Penal e de Criminologia.
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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/retrocesso-do-stf-sobre-antecedentes/281574548

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