Sigilo médico e paciente X Denuncia a aborto
O que deve prevalecer?
Uma jovem de 21 anos procurou socorro em uma Santa Casa no interior de Minas Gerais com dor abdominal e sangramento.
Na UTI da Santa Casa o médico suspeitou de aborto e chamou a Polícia Militar.
Três PMs confirmam que foram acionados pelo ginecologista. Um deles diz que o médico, "ao fazer os exames clínicos, percebeu que a paciente havia passado por um aborto". "Diante dos fatos, fomos autorizados pelo médico a falar com a autora", complementa outro.
Diante da pressão do interrogatório, a paciente confessou o aborto, recebeu voz de prisão imediatamente e teve as mãos e pés algemados na maca.
Embora o depoimento dos policiais indique que a polícia foi acionada para apurar um aborto, o Ministério Público acusou a jovem também por homicídio e ocultação de cadáver, sem um cadáver até então.
A mulher, no entanto, diz que a criança nasceu sem vida.
Para a defesa, mesmo se houvesse vida no feto, "o médico não poderia acionar a polícia porque o compromisso dele é com a paciente".
O que diz a lei:
A primeira proibição está no Código de Ética Médica. O artigo 73 diz que é "vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente".
A segunda está no Código Penal. O artigo 154 considera "violação do segredo profissional" que alguém revele "segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem".
Além de delatar, o médico depôs contra a paciente em fevereiro deste ano — e violou o artigo 207 do Código Penal. O texto diz que "são proibidas de depor as pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho".
No STJ, em março deste ano, a Sexta Turma anulou provas consideradas ilegais de um processo justamente porque a mulher foi denunciada por seu médico pelo aborto. O relator, ministro Sebastião Reis Júnior, citou o Código Penal para reafirmar que o médico é "proibido de revelar segredo de que tem conhecimento em razão da profissão".
No entanto, portaria de Bolsonaro recomendava denúncia. Quando a jovem foi denunciada estava em vigor uma portaria editada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que recomendava aos profissionais de saúde que denunciassem casos de aborto. O texto, revogado pelo governo Lula, seria inválido porque portarias não se sobrepõem às leis já em vigor.
O caso relatado está em andamento, processo está com o juiz para que decida se ela será submetida a Júri Popular.
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